09/12/2020

Estratégias para o ensino de Geografia na Educação de Jovens e Adultos

Estratégias para o ensino de Geografia na Educação de Jovens e Adultos

Fernanda Brum Lopes[1]

RESUMO

Este trabalho apresenta uma reunião de estratégias já trabalhadas em sala de aula, visando facilitar o entendimento da disciplina de Geografia na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, considerando a diferença existente neste grupo (social, econômica e cultural) e os caminhos diversos pelos quais a aprendizagem se dá. A pesquisa se baseou através de bibliografias e práticas vivenciadas em sala de aula, nos 6 anos (2008-2014) que atuo no Centro de Educação de Jovens e Adultos Antônio Cesário de Figueiredo Neto. Foram selecionadas as melhores práticas trabalhadas com os alunos neste longo processo produtivo.

Palavras-chave: EJA. Geografia. Estratégias de Ensino.

ABSTRACT

This paper presents a meeting strategies have worked in the classroom in order to facilitate the understanding of the geography discipline in the form of Youth and Adult Education , considering the difference in this group (social , economic and cultural ) and the various ways in which learning takes place . The research was based through bibliographies and practices experienced in the classroom , in the six years ( 2008-2014 ) that I work in the Youth and Adult Education Center Cesario Antonio de Figueiredo Neto. Best practices worked with students in this long production process selected.

Keywords: EJA. Geography. Teaching Strategies.

1.PORQUE FAZER?

A intenção deste artigo é propor ferramentas e práticas que facilitem o entendimento dos conteúdos de geografia pelos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A partir da proposta de temas que levem a conversa e reflexão onde o ponto de partida seja o próprio cotidiano vivido por eles, facilitando assim, o aprendizado do aluno adulto.

            O professor de geografia deve se preocupar basicamente em decifrar o espaço em que o aluno vive (cidade, bairro, escola, casa, trabalho, etc.) mas, sem esquecer do espaço global, uma vez que, não é incomum que decisões tomadas até mesmo em outros continentes possam afetar nosso ambiente de vivência.

Essa é uma dificuldade real dos professores: como construir conceitos e noções do seu conteúdo sem recorrer a ‘decoreba’? Como evitar a memorização e deixar sua aula extremamente maçante, entediante e cansativa após um dia de trabalho (situação comum vivida pelos alunos da EJA)?

Levar para a sala, fatos recentes, talvez seja a busca de uma possível solução para evitar o tédio nas aulas de geografia. Em geral, essa modalidade de aluno, costuma acompanhar as notícias pela televisão, jornais e revistas, diferente da maioria de alheios adolescentes que frequentam o ensino regular, os alunos da EJA em grande parte são trabalhadores, que saem às ruas todos os dias, acordam cedo, tomam ônibus, pagam supermercados, sobrevivem no mundo real. Costumo dizer que, talvez a geografia seja a única disciplina que pode ser identificada em qualquer fato noticiado em um jornal.

            Geralmente, as pessoas possuem o hábito de generalizar conceitos e fatos, é papel da geografia não aceitar essa generalização, segundo Pereira (1993):

 

...identificar um país como sendo africano não indica, a princípio, suas características, sejam elas físicas, culturais ou econômicas. A comprovada diversidade do continente não autoriza a frequente associação que se faz entre África, negros, selva e miséria. É apenas mais um estereótipo.

 A escritora nigeriana Chimamanda Adichie, em seu famoso discurso realizado no TED[2], em 2009, comenta sobre os riscos dessa generalização e o perigo da ‘única história’.

O que é a única história? Note que, em todos os livros de contos de fadas, as pessoas boas são as mais bonitas, as pessoas más são aquelas consideradas fora dos ‘padrões de beleza’, por exemplo: com nariz grande, cabelo crespo, fora do peso etc.. A mocinha, ou a princesa, nunca tem o rosto todo cheio de espinhas, como a maioria dos jovens. As crianças crescem identificando e padronizando tudo a sua volta, inclusive ela mesma.

            A autora afirma ainda que, a descoberta dos escritores africanos a salvou de ter uma única história sobre o que são os livros, e comenta a necessidade da investigação, da quebra da parcialidade do que se conta, do que se transmite a outras pessoas.

            A geografia é assim. A Terra não se constitui em uma realidade homogênea, mas sim, em uma grande combinação de diferenças de todos os tipos e que se apresentam em todas as escalas. É papel dessa ciência comparar constantemente as diferenças entre estes locais e os sujeitos que as modificam.

A aprendizagem na Educação de jovens e adultos é diferente da aprendizagem no ensino regular. É um outro grupo. E essa diferença não se refere a ser ‘melhor’ ou ‘pior’, mas sim, porque possuem outra vivência, utilizam outras palavras, pensam ideias diferentes, assistem a programas diferentes, leem outros textos, utilizam seu tempo foram da escola de outra forma, exatamente por esses motivos o processo de compreensão desses alunos muda significativamente. 

É por isso que o papel do professor é de extrema importância nesse momento. Segundo Antunes (2012), a ação do professor será a de ‘traduzir’ as informações dos conteúdos, a fim de se aproximar do aluno: “se for o caso, empregando novo vocabulário, novas comparações, novos exemplos fazendo com que possam repetir o que leram com palavras e ideias próprias”.

            A aprendizagem do aluno, enfatizo, não deverá se dar na mera reprodução do conteúdo visto. O que o autor do livro, do conceito pensa, eu, professor, já sei, basta ler o livro. O aluno deve reproduzir o que ele pensou quando leu o pensamento do autor. Rubem Alves, psicanalista, educador, teólogo, escritor e autor de inúmeros livros sobre educação traduz em palavras o que isso quer dizer:

 

O que permanece de um texto, não é o que está escrito, mas aquilo que ele faz pensar. Eu jamais pediria que um aluno repetisse o que um autor escreveu num texto. Jamais pediria que ele ‘interpretasse’ o autor. Pediria, ao contrário, que ele escrevesse os pensamentos que ele pensou, provocado pelo que leu... (ALVES, 2002).

2-O PAPEL DA EJA E DA GEOGRAFIA

            A educação de jovens e adultos (EJA) é uma modalidade de ensino, amparada por lei, que atende àqueles que não tiveram acesso, por qualquer motivo, ao ensino em seu devido momento.

            Alfabetizar jovens e adultos não se trata apenas do ato de aprender. A aprendizagem quase sempre é fator intrínseco à perspectiva de mudança: profissional, social, pessoal. Os alunos do ensino regular, como são muito novos, ainda possuem dúvidas acerca do seu futuro: o que vão fazer? qual carreira seguir? Mas, os alunos da EJA, já deixaram esse momento passar, e agora, correm atrás do ‘prejuízo’ em busca de mudanças (aumento de salário, melhor qualificação profissional etc...

            Se estudarmos as bibliografias referente à educação de adultos, observamos que esse modelo nunca foi tratado como prioridade pelas autoridades competentes, fato comprovado com a afirmação do então Ministro da Educação, José Goldemberg, em 1991, ao Jornal do Comércio:

 

O adulto analfabeto já encontrou seu lugar na sociedade. Pode não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que não exigem alfabetização. Alfabetizar o adulto não vai mudar muito sua posição dentro da sociedade e pode até perturbar. (...)(Jornal do Comércio, 1991 apud NETO, 2008 p.8)

            Em 1977, o então senador Darcy Ribeiro[3], afirmou: Quem pensar um minuto que seja sobre o tema, verá que é óbvio que quem acaba com o analfabetismo adulto é a morte”.

            O analfabeto adulto, analfabeto ou aquele que aprendeu as letras, mas não concluiu os anos de ensino necessários para a obtenção do seu certificado de conclusão do se ensino fundamental/médio, durante um grande período da história brasileira foi visto meramente como um estorvo à educação. Um número desagradável à um país em vias de emergência econômica como o Brasil. Nos países de Primeiro Mundo (mais abastados economicamente) os números de alfabetização de jovens são sempre bem próximos a 100%, além de serem, ‘altamente especializados’ (SEABRA, apud CASTROGIOVANNI, 2003).

            Já o papel da ciência geográfica nessa modalidade se mostra intensamente pertinente, uma vez que, não são poucas as disciplinas que estudam a Terra e existem mais ainda, àquelas que estudam o homem, mas a Geografia pode ser considerada única, uma vez que praticamente é a ciência que exclusivamente considera os dois temas (além da interação entre os mesmos) o foco central do seu estudo.

            O papel da disciplina deve ser aquele que não abre mão de fazer do aluno, seja adulto ou não, ator da construção de seu próprio lugar, reconhecendo que, esse papel é parte integrante da natureza e da própria sociedade, ou seja, uma Geografia que ensine a pensar, que leve a uma leitura do mundo, tal qual ele é. A Geografia não se trata apenas daquilo que vemos em sala de aula quando estudamos a disciplina.    O principal papel da disciplina é que, após apropriar-se de seus conceitos e conhecimentos, o aluno adulto possa utilizá-los em seu benefício, seja, profissional ou pessoal, uma vez que isso é possível.

            Na realidade, mesmo que o aluno não queira, ele vê Geografia diariamente. Ela é parte tão integrada no cotidiano das pessoas que não há quem não tenha aprendido sobre ela, mesmo sem perceber. Segue o mesmo autor: “Mesmo as que jamais puderam aprender Geografia em livros ou em uma sala de aula sempre descobriram pela experiência e por outras pessoas as coisas de seu lugar e de seu tempo, de outros lugares e de outras gentes. ”

Se olharmos para trás, ou se questionarmos as pessoas que estavam na escola em décadas anteriores, veremos que, a grande maioria não gostava de Geografia, pois sofreram tentando memorizar nomes (afluentes, capitais, acidentes geográficos, etc), alheios ao real papel da ciência em questão, tornando a ciência extremamente cansativa e maçante.

2.1-OS CONTEÚDOS DA GEOGRAFIA PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Ao escolher os conceitos e materiais de análise geográfica que farão parte o ensino na educação de jovens e adultos, o professor precisa identificar a resposta para dois questionamentos básicos: como e para que ensinar geografia?

É necessário que o professor se atente para a diferença na aprendizagem de cada aluno, respeitando as diferenças existentes em sua vida social, cultural e até mesmo política.

            O conhecimento já existente em cada aluno contribuirá na análise e na sistematização do conteúdo apreendido por ele, permitindo a construção dos conceitos e aplicando os mesmos na realidade em que vive. Esse ensino deve estar comprometido com o desenvolvimento da autonomia do aluno. Diante da quantidade de informações disponíveis atualmente sobre o mundo, é importante que seja muito bem selecionado o que de fato é imprescindível estar presente nesse currículo.

Porém, vale ressaltar que, o mais importante que cumprir todo o conteúdo estipulado no início do ano, é perceber que o aluno conseguiu apropriar-se do que foi dado. Muitos professores são constantemente cobrados a ‘fechar’ todo o conteúdo previsto. A educação de jovens e adultos, assim como a própria educação regular, conta, em muitos momentos com situações que não puderam ser previstas nos planejamentos no início do ano, até porque, em geral, quando nós professores nos reunimos para planejar, as aulas ainda não iniciaram, portanto não conhecemos nosso grupo de alunos.

É importante observar que, se o conteúdo partir do lugar em que vive o aluno, é provável que ele sinta maior facilidade em absorver o que foi dito, uma vez que ele se reconhecerá como sujeito nesse fato e com maior clareza compreenderá as informações e produzirá conhecimento.

3-O PROFESSOR DE GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (Como? Métodos? Didáticas)

            O professor deve sempre ser o mediador. Sem a intervenção do professor, muitos alunos da EJA podem apresentar dificuldades para elaborar um raciocínio geográfico próprio.

            Na área educacional fala-se muito em didática e métodos de ensinar.  Sem esquecer que, um não caminha sem o outro. “´É impossível esperar que um professor ‘possua boa didática’ se esse professor não possui um bom ‘método’ ANTUNES (2012).

            Não adianta somente saber. É claro que, o conhecimento é fundamental e de nenhuma forma, professor algum, conseguiria transmitir de fato um conteúdo que não domina. Não que não existam professores em sala de aula que não dominem o conteúdo. Infelizmente, existe. E não são poucos. São os frutos (não saudáveis) que colhemos com a má educação que se tem feito no Brasil há décadas. Costumo dizer que chama tanta atenção quando uma enfermeira, injeta vaselina[4] ou sopa[5], provocando a morte respectivamente de uma menina de 12 anos e uma senhora de 88, exatamente por que mata de imediato. É instantânea a comoção popular. Mas, um professor faz o mesmo, aos poucos. Lentamente um mau professor pode matar um aluno (criança ou adulto) roubando-lhe a possibilidade de conquistar seus sonhos, uma vez que lhe poda o conhecimento.

            Em seu livro intitulado “Fomos Maus Alunos” escrito em parceria com Gilberto Dimenstein, Rubem Alves explica sua falida carreira estudantil. Lembro-me da surpresa quando encontrei o livro e do espanto quanto ao título. Curiosa, pensei em meus alunos problemáticos da Educação de Jovens e Adultos e dos indisciplinados do ensino regular. Rubem comentava sobre as escolas que tentavam ensinar-lhe o que ele não queria aprender “da forma como eles queriam ensinar”. Ainda hoje, as escolas obrigam os alunos o fazer o que eles não querem, tentam obrigar os alunos a pensar o que eles não querem. E isso se torna um fracasso educacional total. Dimenstein comenta ainda que a escola deve ser um local de curiosidades. Gostei da palavra. CURIOSIDADES. Aprender pode ser extremamente divertido. Basta que se encontre o método adequado.

O geógrafo e professor, Celso Antunes faz uma comparação entre os professores e as mudanças que devem acometer os profissionais da educação ao longo dos anos. Acredito que em todas as disciplinas da escola, mas, particularmente em Geografia é impossível que um professor dê a mesma aula que ele dava a 30, 20,10 anos atrás. Digo mais, as aulas que planejo hoje, nunca são as mesmas (embora tratem sempre do mesmo assunto: terremotos, cidades, vulcões, países, clima, política, etc..) que eu planejei em anos anteriores. Sempre são modificadas (e não tenho ainda nem 10 anos de profissão).

Quando por exemplo, vou tratar da questão relacionada a tectonismo no Brasil, explico aos meus alunos que, quando eu estava em sala de aula, como aluna, essa aula era dada de outra forma, pois, quando o professor perguntava à classe ‘porque não existem terremotos no Brasil?’ respondíamos que era porque estamos no centro de uma placa tectônica, a Placa Sul-Americana. Nos dias de hoje, isto é considerado errado. Não a resposta, mas sim, a pergunta. Atualmente, sabe-se que no Brasil ocorrem terremotos, de pequena intensidade é claro, mas ocorrem. Segundo o CPRM[6]: “Embora se situe no interior de uma placa litosférica e, portanto, em área tectonicamente estável, o Brasil tem uma atividade sísmica que não pode ser ignorada. ”. Segundo dados do mesmo centro de estudo, o maior terremoto ocorrido no país, em uma escala significativa (6,2 graus na escala Richter), aconteceu no estado de Mato Grosso, em Porto dos Gaúchos. Foi em um momento que a região ainda não contava com plena ocupação, se tratava de uma área praticamente desabitada, portanto não houve grandes danos, mas, em Geografia, isso não pode mais ser desconsiderado. Cabe ao professor levantar esses dados.

Segue abaixo uma descrição dos principais métodos utilizados em sala de aula na disciplina de Geografia, como os alunos da EJA:

a)Trabalhando com música

Uma boa ideia para despertar nos alunos a curiosidade necessária para aprender é surpreender.

Mais uma vez, não se deve esquecer a descoberta da utilidade do conhecimento. A partir do momento em que o aluno faz a conexão entre o que ele vê em sala de aula e o seu mundo real, ele consegue prestar atenção em sua fala e dialogar com ela.

Imagine se fosse possível tratar sobre os temas: urbanidade, violência e má qualidade de vida nas cidades através de músicas ouvidas cotidianamente pelos alunos. Os jovens seriam pegos com verdadeiros nós de marinheiros.

A música é uma das formas de expressão mais antiga da humanidade.                         

Daria um filme, uma negra e uma criança nos braços, solitária na floresta de concreto e aço. Veja, Olha outra vez o rosto na multidão, a multidão é um monstro sem rosto e coração. Em São Paulo terra de arranha-céu, a garoa rasga a carne é a torre de babel. Família brasileira, dois contra o mundo, mãe solteira de um promissor vagabundo (RACIONAIS MC’S[7] – NEGRO DRAMA).

Ao soletrar esses versos, já vi dezenas de rostos levantarem da cadeira espantados a procura do professor que estava ‘cantando Racionais’.

É claro que, os jovens são os mais empolgados. Mas, os mais velhos não precisam ficar de fora. Basta entoar também músicas mais antigas, ou de outros ritmos, mais envolventes aos alunos adultos. Acredite, podemos analisar criticamente músicas que nem imaginávamos fossem críticas.

Costumo chamar essa aula de ‘música crítica em sala de aula’. E sempre me valho de Paralamas do Sucesso (Pop), Chitãozinho e Xororó (Sertanejo), Racionais MC’s (RAP), Legião Urbana (rock),entre outros. A partir da apresentação de algumas letras de músicas pré-escolhidas de estilos musicais diferentes, o professor pode levar a música em xerox, colocar trechos no quadro ou até mesmo levar para ser tocada em sala de aula. Após analisar a letra da música junto com o professor, os próprios alunos podem escrever as músicas que eles consideram críticas e justificar a escolha perante a sala de aula. Caso a escola conte com material de apoio disponível (como Datashow) os alunos podem levar clipes das suas músicas consideradas críticas.

Para as salas de aula que contam com um número maior de adultos, pode-se utilizar músicas mais antigas, por exemplo, veja trechos da música de Dino Franco e Mouraí, que fez sucesso na voz de Chitãozinho e Xororó:

 

“Seu moço eu já fui roceiro no triângulo mineiro onde eu tinha meu ranchinho. Eu tinha uma vida boa com a Isabel minha patroa e quatro barrigudinhos. Eu tinha dois bois carreiros muito porco no chiqueiro e um cavalo bom, arriado. Espingarda cartucheira quatorze vacas leiteiras e um arrozal no banhado.(...) Então aconteceu isso resolvi vender o sítio e vir morar na cidade.

Já faz mais de doze anos que eu aqui já to morando como eu to arrependido. (...)Não ganho nem pra comer já não sei o que fazer to ficando quase louco. É só luxo e vaidade penso até que a cidade não é lugar de caboclo.”

A música retrata a dificuldade vivida através do êxodo rural, ou seja, por aqueles que saíram do campo para tentar vida melhor nas áreas urbanas. Através da letra da música pode-se identificar inúmeros pontos críticos dessa urbanização brasileira.

            A partir da análise da letra da música pode-se então elaborar questionamentos, por exemplo:

-Qual a região em que vivia o caboclo?

-Qual a diferença entre sua vida rural e urbana?

-Qual o lazer que se identifica nas duas áreas (urbana e rural)?

-Quais as desvantagens identificadas na vida na cidade? Você concorda?

-Quais as desvantagens identificadas na vida no campo? Você concorda?

Esses são apenas alguns questionamentos previamente pensados para os alunos identificarem criticamente ao ouvir a música.

b)Utilizando a charge e a Geografia

            O uso de charges na escola já é frequente e rotineiro por muitos professores. Atualmente muitos são os chargistas que circulam pelos meios de comunicação.

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Figura 1

            A importância e força política desse meio de comunicação não pode ser negada. Basta ver, o tamanho do conflito gerado por esse veículo de informação no início de 2015, com o ataque à sede de um jornal francês[8] por extremistas muçulmanos descontentes com charges  publicadas anteriormente.

 Segundo BIER (1997), A palavra charge é francesa, e também significa fazer carga, atacar alguém impiedosamente. Na verdade, praticamente sempre a charge é contra alguém, ou alguma coisa. Nunca é a favor. É claro que, quem também concorda com o autor da charge acaba sendo favorecido por ela, mas, em geral, a charge busca a ridicularização, ou fazer piada com um determinado acontecimento do momento.

O mais importante ao trabalhar com essa metodologia é identificar a intencionalidade da imagem. O que ele quis dizer com isso?

http://acertodecontas.blog.br/wp-content/uploads/2009/04/angeli-_-geografia-brasileira.jpg

Figura 2

No caso da figura acima(Figura 1), charge do conhecido cartunista carioca Carlos Latuff, onde ele traz a personificação dos Estados Unidos da América, Tio Sam tampando a boca de Julian Assange, criador do site de denúncias Wikileaks, que nestes últimos anos, divulgou inúmeros casos de abusos por parte da maior potência mundial, e ao mesmo tempo, com um megafone à frente da cubana Yoani Sánchez, jornalista que possui um blog onde ataca frequentemente Fidel Castro, fiel inimigo dos Estados Unidos.

A outra figura (Figura 2), faz uma ligação com dois métodos eficientes: a charge e o mapa.

O uso de figuras que utilizem essa temática traz um problema maior, pois, além da necessidade do entendimento das palavras no mapa (suborno, sonegação, tráfico de influência, contrabando, propina, coação, corrupção, quadrilha, fraude, logro, etc..) o aluno ainda deve conseguir identificar os estados que contém esses adjetivos. Portanto a problematização é maior. Os alunos adultos, conseguirão provavelmente trabalhar de maneira mais facilitada com os nomes, que possivelmente eles costumam ver noticiados em jornais, mas a identificação e localização dos estados será tratada com maior dificuldade pelos mesmos.

Costumo utilizar essa prática, distribuindo charges diferentes para um grupo de 3 ou 5 pessoas (depende da quantidade de alunos), pré-estabeleço um tempo para análise em grupo e após a análise, o próprio grupo socializa o problema, ou a crítica envolvida naquela charge e as considerações do grupo sobre o tema.

 

c)Claro, o mapa e a Geografia..

Aqui, mais do que em qualquer outro recurso, fica explícito o analfabetismo geográfico existente nos alunos da EJA. Muitos deles nunca sequer escutaram o que é CARTOGRAFIA.

E me lembro, de um grupo de alunos de 3° ano do Ensino Regular de uma escola particular aqui da capital, surpresos em 2010, com a explosão da Primavera Árabe, chocados em saber que o Egito é um país africano. E não é raro.

Em minha experiência com a educação de adultos e jovens da escola pública, as deficiências em Geografia, se mostraram mais grosseiras ainda.

Quando cheguei à escola de adultos deparei-me com esse susto: os alunos não sabiam a localização de continente algum, país algum e nem de estado brasileiro algum. No meio da aula quando íamos falar sobre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos atuais, muitos citavam a Europa como um país desenvolvido. Foi a partir daí que decidi mudar toda minha metodologia de aplicação do conteúdo.

Atualmente uma das primeiras atividades que faço em todas as turmas que entro é trabalhar com mapas. Dois mapas em especial: o mapa Mundi e o mapa do Brasil. Definimos os continentes existentes, os oceanos que banham esses continentes, os estados brasileiros e as regiões formadas por esses estados. O básico do básico.

Se um professor, quer dar uma aula com relevância e com um real significativo para os alunos, ele deve situar espacialmente o que está falando.

Na História, na Filosofia, na Sociologia e principalmente na Geografia, um tema sempre que for identificado com um determinado lugar (continente, país, estado, região, etc..) é importante que o aluno saiba em sua cabeça, a qual região do globo o professor está se direcionando.

            E nos últimos anos, em turmas de ensino fundamental, ou que sinta muito essa necessidade, costumo aprofundar ainda mais a visualização de mapas, como na atividade ao lado (Figura 3)      

            A partir das folhas xerocadas para cada aluno, ele vai partir do global, ou seja a Terra, até o bairro em que ele mora.

            Junto com o professor vamos conceituando e identificando o que é cada figura:

1°-PLANETA: o que é? Quantos são? Qual o meu?

2°-CONTINENTES: o que é? Quantos são? Qual o meu?

Lembrar o aluno que a figura 1 e a figura 2 são a mesma, porém, uma está em forma de globo e a outra, através das projeções cartográficas (conceituar) está plano.

3°-CONTINENTE: Identificação das regionalizações do meu continente

4°-Sub-CONTINENTE: o que é? Quais países? Qual o meu?

5°-PAÍS: o que é? Quantos são? Qual o meu?

6°-REGIÃO: o que é? Quantas são? Qual a minha?

7°-ESTADO: o que é? Quantos são? Qual o meu?

8°MUNICÍPIO e CIDADE: o que é? Qual a diferença entre um e outro? Quais os meus?

9°-BAIRROS: o que é? Quantos são? Qual o meu?

            Com essa atividade, os alunos se envolvem pois a grande maioria não sabe e tem vergonha de perguntar pois, acham que ‘já passaram do tempo’ de saber tudo isso. E, eles se identificam ao encontrar seu bairro e arredores da sua cidade.

O professor que leciona na EJA deve conhecer muito bem os materiais que pode utilizar e as atribuições que estes podem desempenhar no processo de ensino aprendizagem, por exemplo, um mesmo recurso pode ser utilizado de várias maneiras diferentes.

Ao trabalhar um mapa mudo[9] do Brasil por exemplo, observa-se que os alunos sentem-se inseguros com relação ao posicionamento dos estados. Para muitos, os conceitos (estado, território, cidade, etc..)  ainda não estão bem definidos, portanto, não têm certeza nem dos nomes de cada estado brasileiro. É muito comum, após uma aula sobre o Brasil, questionarmos sobre quantas regiões o país possui, os alunos citarem: 26, ou seja, estão confundindo as regiões com os estados do Brasil.

            Uma vez diagnosticada a deficiência dos alunos, se faz necessária uma atividade mais direta e prática com o mapa da Brasil. Identificar passo a passo cada um dos estados brasileiros, com suas respectivas capitais e siglas. Essa atividade pode ser feita para o mapa mundi também, identificando os continentes caso seja necessário.

 

4-ENFIM...

 

Volto então ao questionamento inicial: Porque aprender geografia?

A importância no aprender Geografia está em aprender para, após apropriar-se dos conhecimentos geográficos, utilizá-los como ferramenta para seu crescimento pessoal e profissional, fato importantíssimo para aluno adulto.

E nada de memorização. Muitos professores possuem o hábito de não autorizar aos alunos a consulta em seu material. Os livros didáticos não são feitos para serem decorados, memorizados, mas sim, consultados.

Considero um equívoco os temas dos principais livros didáticos destinados à Educação de Jovens e Adultos. Muito se lê, muito se fala, que é um erro destinar o mesmo conteúdo à grupos tão diversos (regular e EJA), seria mais ou menos como dar o mesmo remédio à todos os pacientes com sintomas e males diferentes. Talvez por isso, os livros destinados aos jovens e adultos tragam temas como ‘trabalho’, ‘mulher’, ‘tecnologia’, etc..  É claro que, uma única ‘pílula’ para grupos tão diversos não levaria a lugar algum, mas, o que deveria mudar não é o que se dá, mas, COMO se dá.

A Educação de Jovens e Adultos deve trabalhar com os mesmo conteúdos vistos na escola regular, pois, caso contrário, nós já os estamos excluindo socialmente, uma vez que esse aluno não conseguirá concorrer em concursos, vestibulares e até mesmo o ENEM.

Em 7 anos trabalhando com jovens e adultos, conheci muitos alunos que pretendiam (e foram)  para a faculdade, fazer um curso superior. Já existe uma desvantagem desses alunos que em geral trabalham e estudam a noite em relação aos alunos que somente estudam, “a diferenciação entre os períodos, percebida por todos os integrantes da escola, e justificada pelo fato de que ‘os alunos já trabalham’, funciona, na prática, como atitude discriminatória. ” (CARVALHO, 2000).

É fato que, um professor de geografia, não pode (e não deve) dar aulas de geografia sem falar de política, de física, de química, de economia, de biologia, de português, de literatura e outras mais... Volta e meia, quando, para explicar algum conteúdo, saio um pouco de minha disciplina, escuto de um colega ou outro: “porque você está falando sobre isso? Essa não é a sua área. ”

            O professor deve sempre estudar. Em Geografia então, o professor não deve entrar um dia sequer em sala de aula sem que ele tenha estudado e revisado muito bem o conteúdo que ele vai ministrar. A Geografia é muito dinâmica. Mudam-se informações constantemente. Países ricos ficam pobres, países pobres ficam ricos, países ricos ficam mais ricos ainda. Novas fontes energéticas surgem, outras acabam. Os municípios que mais produzem soja no Brasil, nem sempre são os mesmos. O próprio planeta está em constante movimentação. O professor de Geografia que não se renova, definitivamente não consegue a atenção de seus alunos e se torna um professor de saberes ultrapassados. Se ele próprio não estudar, pode até passar vergonha, por que seus alunos já leram sobre essa novidade, na internet. Eles vão te perguntar.

            Enfim, todas as metodologias listadas anteriormente nesse trabalho são uma tentativa de encontrar os melhores caminhos para uma Geografia educadora. O trabalho com imagens dentro da disciplina, se faz tão importante quanto o trabalho com mapas, quanto o trabalho com textos.

O professor deve estar sempre em busca de uma boa aula, uma aula em que o protagonista seja efetivamente o aluno, onde se desenvolva estratégias que busquem o aprendizado, com: análises, propostas, curiosidades, sugestões, soluções, por que não: respostas e o mais importante: perguntas. Muitas perguntas.

O jornal O Pasquim[10], tinha uma frase fantástica, que gosto muito de citar aos alunos “Se você não ficou em dúvida, é porque não foi bem informado. ” E por mais estranha que pareça essa frase, ela é real. Sempre afirmo que, o professor, principalmente da área de Humanas, entra em sala não para trazer a certeza, mas sim, a dúvida.

Quero levar meus alunos a pensar: será?

Rubem Alves (2008), como sempre, resume isso muito bem, dizendo que “a curiosidade é a voz do corpo fascinado com o mundo...a curiosidade jamais tem preguiça” cita ainda, mais à frente que a filósofa Adélia Prado disse: “Não quero faca nem queijo; quero é fome”.

Alguns professores consomem a fome do aluno, muitos, matam-na dentro da própria sala de aula, deixando o aprendizado de lado e levando apenas a recepção de conhecimentos e não construção.

E para finalizar, mais uma vez, valho-me de meu educador, mestre e filósofo favorito, Rubem Alves (2002), que afirma: “há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”. Sejamos nós, os professores que ajudem, que encorajem a arte do voo. Que liberem os pássaros para voar alto, caso eles queiram, mais alto do que nós mesmos.

 

5-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ANTUNES, Celso. Geografia para a Educação de Jovens e Adultos. Petrópolis, RJ:Vozes, 2012.

 

ALVES, Rubem. Por uma educação romântica. Campinas, SP: Papirus, 2002.

ALVES, Rubem; DIMENSTEIN, Gilberto. Fomos maus alunos. 9.ed. Campinas, SP: Papirus 7 Mares, 2008.

 

BIER, Augusto Franke. O uso da charge na sala de aula. XX Congresso Brasileiro de Ciências de Comunicação/GT13 - Comunicação e Educação, 1997.

 

CARVALHO, Célia Pezzolo de. Ensino noturno: realidade e ilusão. 9 ed – São Paulo: Cortez, 2000.

 

CASTROGIOVANNI, Antônio Carlos; CALLAI, Helena Copetti; SCHAFFER, Neiva Otero; KAERCHER, Nestor André. Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.

 

NETO, Fernanda Borges. A Geografia escolar do aluno EJA: caminhos para uma prática de ensino. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia - Programa de Pós-Graduação em Geografia. 2008.

 

PEREIRA, Diamantino; SANTOS, Douglas; CARVALHO, Marcos de. Geografia: Ciência e espaço. São Paulo: Atual,1993.

 

SCHAFFER, Neiva Otero; KAERCHER, Nestor André; GOULART, Ligia Beatriz; CASTROGIOVANNI, Antônio Carlos. Um Globo em suas mãos: práticas para a sala de aula.Porto Alegre: Penso, 2011.

 

[1] Professora da rede pública estadual e particular do estado de Mato Grosso, atuando na área educacional desde 2008. E-mail:pensargeo@yahoo.com.br

[2] TED (organização não governamental – ONG, iniciada em 1984 como uma primeira conferência que abrangesse pesquisadores e interessados das três áreas: Tecnologia, Entretenimento e Design)Discurso em: https://www.youtube.com/watch?v=EC-bh1YARsc

[3] Darcy Ribeiro, autor do projeto da atual LDB, proferido na 29ª reunião da SBPC de 1977, realizada em São Paulo e publicada no ano seguinte, no número I da revista Encontros com a Civilização Brasileira, sob o título de “Sobre o Óbvio”, na página 21 (apud, PERES,2009)

[4] http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2010/12/auxiliar-de-enfermagem-que-injetou-vaselina-em-menina-fala-pela-1-vez.html

[5] http://oglobo.globo.com/rio/enfermeira-que-injetou-sopa-em-veia-de-idosa-em-barra-mansa-afastada-6482336

[6] Localizado em: CPRM- Centro de Serviço Geológico do Brasil  - acesso:15/01/2015.

http://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1052&sid=129#terremobra

[7] Racionais MC's é um grupo brasileiro de rap, fundado em 1989, e formado pelos mcs Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue e o dj KL Jay. É considerado por muitos como o grupo de hip hop mais relevante e influente do Brasil

[8] http://www.cartacapital.com.br/internacional/charlie-hebdo-a-revista-irreverente-e-ameacada-pelas-charges-de-maome-8116.html

[9] Mapa Mudo é aquele que não traz informação alguma. Um mapa em branco, apenas com os limites territoriais.

[10] Pasquim foi um semanário alternativo brasileiro, de característica paradoxal, editado entre 26 de junho de 1969 e 11 de novembro de 1991, reconhecido pelo diálogo entre o cenário da contracultura da década de 1960 e por seu papel de oposição ao regime militar.

 

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Autores

  • LOPES, F.B.

Páginas

  • a

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Palavras chave

  • Geografia, Ensino, EJA, Educação

Dados da publicação

  • Data: 09/12/2020
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