03/08/2018

A Corrupção Nas Instituições de Ensino

*Dênio Mágno da Cunha

Este texto não é o lançamento de movimento anti-corrupção direcionado para investigar as instituições de ensino brasileiras; não é a provocação para a criação de uma “lava-jato” da educação. Nem é um documento de delação da existência de corrupção na cadeia produtiva da educação.

Feitos os esclarecimentos iniciais, faço o relato do encontro que tive com um artigo escrito por Kanti Pertiwi, http://www.mdpi.com/2076-3387/8/2/12, professor do Departamento de Administração, da Universitas Indonesia, Indonésia, e do departamento de Gestão e Marketing, da Universidade de Melbourne, Austrália.  O texto intitulado Contextualizing Corruption: A Cross-Disciplinary Approach to Studying Corruption in Organizations aborda a corrupção e propõe como inseri-la como campo de estudo nas instituições de ensino. Um encontro esclarecedor e daqueles que nos leva a pensar sobre a função das instituições de ensino no combate à cultura da corrupção em nosso País.

Não me recordo de, em mais de 20 anos atuando como professor na área de gestão, de ter visto o tema corrupção ser abordado nas instituições pelas quais passei e naquelas com que tive contato. Nos currículos das disciplinas de gestão encontramos a ética e a responsabilidade social, mas não a corrupção. Pareceu-me que estamos ensinando somente sobre a existência de um mundo perfeito ou sobre como devemos ser para construirmos este mundo – uma ótica positiva, quase cristã sobre bom comportamento e bons exemplos.  Omitimos de nossos alunos, como a protegê-los do mal, a existência de outro lado da gestão, o lado negro da gestão, como referido no artigo. Pareceu-me uma omissão das mais graves, se levarmos em conta que vivemos em um dos países mais corruptos do mundo ou ainda, onde a corrupção faz parte do cotidiano. Em grau maior ou menor, individualmente ou socialmente, todos nós nos utilizamos de prática corruptiva em nossas vidas, inclusive na educação dos filhos. Quantos deles fizeram seus deveres escolares em troca de presentes? E não me fale que você fazia a gestão por competência ou por meritocracia...

O encontro provocou reflexão porque Kanti Pertiwi demonstra em seu texto como é possível abordar este tema de forma teoricamente consistente, dentro de uma sala de aula de gestão; como é pertinente e necessária essa abordagem para a formação de nossos alunos. Imaginei o choque de realidade de um aluno de Logística, por exemplo, ao deparar-se com a prática de desvio de mercadoria no estoque de uma grande empresa; ou de um administrador de uma pequena empresa de engenharia ao participar de sua primeira concorrência pública, tendo contato com um “acordo” de preço.

Preocupei-me por deixarmos aberta a porta de conversão de nosso “aluno puro” em um corruptor, simplesmente porque ele pode alegar em sua defesa que não sabia da existência destes mecanismos de corrupção, porque não lhe foi esclarecido sobre eles durante seus estudos. Observe que não estou apregoando o ensino de práticas corruptivas, estou dizendo que deveríamos abordar de forma transparente e consistente estes mecanismos, como acontecem, porque acontecem e quais as formas de combate-los na vida cotidiana do profissional da gestão.

Nesse sentido, considero um ato de omissão gravíssimo das instituições de ensino ao não abordarem o tema por meio de uma disciplina específica que possibilite o estudo da corrupção na sociedade brasileira. Omissão que só não é conivência porque a ética está presente nos currículos e ameniza a situação.

Falando especificamente do texto do professor Kanti Pertiwi, considero-o uma proposta bem elaborada para a implantação de uma disciplina ou de um campo de estudos e pesquisas sobre corrupção. O direcionamento é para uma análise profunda das raízes da corrupção no âmbito da antropologia, mas não só, considerando o impacto que o meio social e cultural tem sobre o comportamento individual. Isto é, a corrupção é tão maior quanto mais indivíduos corruptos existem, e estes existem em maior ou menor quantidade quanto mais é permissiva à corrupção a sociedade. Para alcançar este objetivo, inúmeros autores e definições de corrupção são utilizados, o que robustece a argumentação do professor.

Ao ler o artigo fui recordando as aulas de Antropologia, quando estudávamos a malandragem, o jeitinho brasileiro e a famosa frase “sabe com quem está falando”, para nos mostrar as nuances da esperteza na sociedade brasileira – ora vista como uma qualidade ora compreendida como uma erva daninha a destruir nossos melhores valores de convivência social. No entanto, diferente dessa análise cultural, o texto do professor Kanti vai além ao objetivar também uma visão das consequências deste desvirtual comportamento para as organizações e para a sociedade.

Ao final, decidi que valia a pena investir um tempo para traduzi-lo e disponibilizá-lo a quem desejar – trabalho que já iniciei. Conclui que seria de grande impacto e relevância para o aprendizado de nosso aluno, as instituições de ensino pensarem em fazerem este movimento de estudo da corrupção, produzindo pesquisa. Mas o mais importante seria a inclusão nos currículos de formação na área da gestão, de uma disciplina específica que tratasse deste tema e de outros que formam o lado negro da gestão. Seria uma maneira a de “lançar luzes” sobre essa escuridão e de engajamento das Instituições no movimento de transformação cidadã que precisamos fazer. Deixo a sugestão para análise do leitor.

Referência:

PERTIWI, Kanti. Contextualizing Corruption: A Cross-Disciplinary Approach to Studying Corruption in Organizations. Adm. Sci. 2018, 8, 12. <Disponível em <http://www.mdpi.com/2076-3387/8/2/12>. Acesso em 01 ago. 2018.

*Dênio Mágno da Cunha é Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba, Uniso. Consultor educacional em Carta Consulta e DM Consultores Associados. Professor em Centro Universitário Una.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×