A dignidade humana nas decisões da administração pública
Nilton Bruno Tomelin
Antes de tratar do tema relacionando-o ao direito administrativo é fundamental que se compreenda que o trato da dignidade humana extrapola uma ciência (jurídica conforme o caso) ou ainda uma de suas aplicações (direito administrativo). Assim, é fundamental lembrar que “A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, reconhecida e proclamada pela ONU em 1948, em seu artigo 1º afirma: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Portanto, qualquer Estado que inscreva na razão de ser, o cuidado e a observância à dignidade humana, será um Estado lançado uma opção intransigente pela igualdade de direitos e oportunidades.
Mas essa temática remonta os primórdios da humanidade. A Bíblia já anunciava a milênios que Deus fez o homem sua imagem e semelhança. Portanto, se a escolha de Deus (Criador) recaiu sobre o ser humano, significa dizer que somos criatura privilegiada, cabendo-nos algo que é exclusivo. Esta exclusividade nada mais é do que a possibilidade de anunciar-se digno de ser semelhante à Deus.
Do ponto de vista filosófico KANT (2006, p. 33) postula que “No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade”. Compreende-se assim, que a imaterialidade da dignidade atinge o que poderíamos chamar de indisponibilidade, ou seja, não há como transferi-la a alguém e por isso, que ousar ameaçar a dignidade alheia estará cometendo crime ou mesmo uma imoralidade sem precedentes. Cabe aqui ressaltar que qualquer punição admitida para o transgressor que compromete à dignidade humana será insuficiente, dada a subjetividade e complexidade deste conceito.
Considerando que a instituição de Estados Democráticos de Direito (não bárbaros) atribui a estes a imperiosa e exclusiva defesa jurídica da dignidade humana, é compreensível (e lógico) a função administrativa se revista de dignidade para exercer sua atribuição. Os atos praticados por agentes do Estado, devem ocorrer em conformidade com desejo do Estado ao qual serve e não com o seu. Neste sentido MELLO (2007, p. 223) considera que:
De fato, o exercício da função administrativa se dá através de um procedimento. Isso significa que a edição de qualquer ato administrativo pressupõe uma série de atos antecedentes, necessários à formação da vontade da Administração. (...) É assim porque a formação da vontade estatal não é livre, ao contrário do que ocorre nas relações privadas. O agente administrativo está vinculado a normas e princípios jurídicos, que disciplinam o modo de formação do ato que por ele será editado. Isso porque o ato administrativo não é a manifestação de vontade do próprio agente que o pratica, mas sim do ente estatal.
Portanto cabe ao Estado, especial atenção através de seus agentes, ao respeito indelével à dignidade, e como costuma acontecer, sempre comprometida entre os mais frágeis e menos privilegiados economicamente. Cabe ao Estado universalizar este direito. SILVA (1998, p. 93) consolida este pensamento afirmando que “A dignidade é atributo intrínseco, da essência, da pessoa humana, único ser que compreende um valor interno, superior a qualquer preço, que não admite substituição equivalente. Assim, a dignidade entra e se confunde com o próprio ser humano.”
Portanto, negar dignidade a um ser humano, é negar-lhe a própria condição e direito de “ser gente”. Assim a administração pública deve ser exercida por agentes que se reconheçam efetivamente parte das gentes que compõe o Estado, e numa presumível conduta ética, praticar com os demais somente aquilo que aceitariam para si. A observância a lei não contradiz esse princípio, uma vez que esta é (ou deveria ser) elaborada por agentes que compõe as gentes do Estado e expressam (ou deveriam) as demandas destas gentes.
BRÜNING (2007, p. 41) trata deste aspecto com boa criticidade:
A dignidade da pessoa humana é fundamento, valor fundante e supremo da República e por isso, deve ter seu conteúdo respeitado não apenas na esfera jurídica, mas também social, econômica, cultural, política, em suma, em toda a vida do homem em sociedade. O processo administrativo demorado, desleal, desonesto, tendencioso, desnecessário e excludente desrespeita a dignidade da pessoa humana.
Desta forma conclama-se o Estado, através de seus agentes, a compreender a complexidade de suas atribuições, convertendo a dignidade como valor supremo, sobre o qual deve empreender todas as suas ações e direcionar todas as suas energias.
Referências Bibliográficas
BRÜNING, Raulino Jacó. Processo Administrativo Constitucional. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Outros Escritos. Tradução de Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2006. Coleção A Obra-Prima de Cada Autor, 2006.
MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador. São Paulo: Malheiros, 2007.
SILVA, José Afonso. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. São Paulo: Revista de Direito Administrativo, n.212, abr./jun., 1998.
A dignidade humana nas decisões da administração pública