27/11/2025

A Fragilidade dos Relatórios de Apoio Presencial e os Riscos de Precarização do Trabalho Docente.

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar e Especialista em Gestão Pública.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

A implementação do chamado “Apoio Presencial em Sala de Aula” pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tem provocado intenso debate entre docentes e especialistas em políticas educacionais. Embora a medida seja oficialmente apresentada como mecanismo de acompanhamento, formação e suporte pedagógico, cujo, objetivo geral é aprimorar as práticas de ensino, aproximar gestão e sala de aula, avaliar resultados e promover melhorias no atendimento aos estudantes, sua execução concreta tem evidenciado contradições significativas. Entre elas, destaca-se o risco real de que os relatórios, exigidos semanalmente, transformem-se em documentos frágeis, enviesados ou até mesmo passíveis de distorções que possam prejudicar o professor, especialmente quando se desconsideram as condições reais de trabalho e o comportamento das turmas observadas.

Segundo a normativa vigente, o ciclo de apoio presencial compreende a observação direta de aulas, o preenchimento de formulários digitais e a realização de devolutivas formais ao docente. Os registros produzidos devem ser enviados à Diretoria de Ensino a cada bimestre, abrangendo o maior número possível de professores. No entanto, apesar de sua justificativa administrativa, esses instrumentos têm se tornado fonte de apreensão dentro das escolas, sobretudo porque ocorrem em um contexto marcado por forte precarização do trabalho docente, crescente pressão por resultados e fragilização das estruturas de apoio pedagógico. Em meio a esse cenário, muitos profissionais temem que as observações realizadas por gestores que também enfrentam sobrecarga e múltiplas demandas, acabem reduzidas a julgamentos superficiais sobre o desempenho do professor, ignorando os problemas estruturais que permeiam a rede.

Um dos aspectos mais graves é a possibilidade de que tais relatórios não expressem fielmente a realidade da sala de aula, produzindo uma narrativa distorcida, incompleta ou mesmo injusta. Na prática cotidiana, é comum que as dificuldades de aprendizagem e os desafios comportamentais dos estudantes sejam determinantes no desenvolvimento da aula. Entretanto, quando esses fatores não são registrados com clareza, o documento tende a atribuir ao professor a responsabilidade exclusiva por problemas que extrapolam sua atuação direta. Em outras palavras, a ausência de menção às condições objetivas como, salas superlotadas, ambiente indisciplinado, heterogeneidade extrema das turmas, lacunas acumuladas na trajetória escolar dos alunos e falta de recursos didáticos, permite que o relatório apresente apenas críticas ao professor, configurando avaliação enviesada.

Além disso, o clima de desconfiança que se instaurou na rede estadual agrava a percepção de que o apoio presencial pode servir mais como mecanismo de vigilância do que como instrumento formativo. Educadores têm manifestado preocupação de que relatórios contendo apontamentos imprecisos ou inverídicos possam ser utilizados para instaurar processos administrativos, penalizar profissionais ou justificar cobranças desproporcionais. O receio decorre do histórico de políticas punitivas e meritocráticas implementadas na rede, nas quais a responsabilização individual do professor, desconsiderando o coletivo e as condições de trabalho, tornou-se prática recorrente.

Para muitos docentes, portanto, o problema não reside no acompanhamento pedagógico em si, ou seja, na prática já consolidada em diversas redes bem estruturadas, porém, no uso potencialmente coercitivo e burocrático que pode emergir quando as observações são superficiais ou orientadas por metas administrativas, e não por necessidades reais da aprendizagem. A liberdade de ensinar, princípio assegurado constitucionalmente e reafirmado pela legislação educacional brasileira, aparece ameaçada quando o professor se vê permanentemente observado, avaliado e pressionado por métricas ou relatórios que não captam a complexidade da prática docente. Ao invés de apoiar, o instrumento pode instaurar clima de perseguição e autocensura, prejudicando o desenvolvimento de propostas pedagógicas inovadoras e o exercício da autonomia docente.

Especialistas apontam que esse tipo de política, quando implementado em ambientes de baixa confiança institucional, tende a produzir efeitos contrários ao que se propõe. De acordo com análises críticas recentes, a sobreposição de instrumentos de monitoramento,  somado, à falta de investimentos, à carência de formação continuada e à dificuldade estrutural das escolas, transforma o acompanhamento em mais uma camada de controle e pressão. Essa percepção é reforçada pelo fato de que muitos diretores e coordenadores têm divulgado, por conta própria, exemplos de relatórios onde aparecem claramente problemas sistêmicos, como internet instável, excesso de alunos por sala, fragmentação curricular e desvalorização salarial, aspectos que escapam totalmente ao alcance do professor, mas interferem diretamente no andamento da aula.

Nesse contexto, torna-se evidente que o principal risco não é o acompanhamento pedagógico em si, mas o modo como ele vem sendo aplicado. O apoio presencial, ao invés de funcionar como espaço colaborativo de reflexão conjunta, pode degenerar em instrumento burocrático de fiscalização, descolado das necessidades reais da escola. Quando o documento produzido deixa de refletir a realidade, seja, por omissão, superficialidade ou distorção, ele perde sua função formativa e passa a ter caráter punitivo. Mais grave ainda, abre margem para injustiças, assédio institucional e responsabilização indevida do professor, que já trabalha sob condições adversas.

Diante de tudo isso, torna-se imprescindível repensar a política de apoio presencial desde suas bases. Qualquer forma de observação pedagógica só terá efeitos positivos se for construída em ambiente de confiança, colaboração e respeito à autonomia docente. Para isso, é necessário reconhecer explicitamente as condições de trabalho, registrar com precisão os desafios enfrentados pelos estudantes e assegurar que nenhum relatório seja utilizado como instrumento de intimidação. A melhoria da educação pública passa, necessariamente, pela valorização profissional, pela superação das deficiências estruturais e pela reconstrução de relações institucionais pautadas em transparência e diálogo. Sem essas garantias, o apoio presencial corre o risco de se transformar não em ferramenta de desenvolvimento, mas em mais um mecanismo de precarização do trabalho docente.

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