A identidade profissional do docente universitário: um estudo sobre capacitação pedagógica
A identidade profissional do docente universitário: um estudo sobre capacitação pedagógica[i]
Maria Regina de Carvalho Teixeira de Oliveira
A identidade profissional é uma construção subjetiva, que tem como elementos básicos as características do indivíduo e as características de uma determinada atividade de trabalho. Para que isso aconteça, o ambiente de trabalho deve ser entendido como resultante dos compartilhamentos que se dão nas interações humanas. Nele, deve haver uma sintonia forte e consciente do trabalhador com os objetivos e valores da profissão ou atividade desenvolvida. Individualmente, a identidade é um importante fator da realidade subjetiva, na qual o indivíduo é produto e produtor de sua carreira.
Carreira e identidade profissional são, ambas, construídas a partir das experiências vividas no trabalho e das circunstâncias sócio político históricas que formam seu contexto. Carreira é entendida como sequência de atividades profissionais às vezes em organizações, às vezes não; e identidade profissional, como construção da subjetividade do indivíduo em relação a determinada atividade no trabalho.
O estudo da identidade e da carreira profissionais no caso da atividade docente do ensino superior torna-se relevante porque essa carreira, ainda em elaboração, está passando por reestruturações, com reflexos diretos nos perfis dos profissionais docentes.
Para a Academia, as conclusões desta pesquisa mostram-se norteadoras de projetos, entre eles o uso da capacitação didático-pedagógica que tem auxiliado inclusive na redução das evasões muito observadas especialmente nos primeiros períodos universitários. Possibilita também futuras análises de papéis e de definições sobre a carreira do profissional docente em nível superior. Para o docente universitário, essa reflexão possibilita uma auto avaliação com vistas a alternativas para sua melhor qualidade de trabalho e de vida, um caminho para uma realização mais ampliada.
Com o objetivo principal de analisar como os participantes da pesquisa percebem as suas construções e reconstruções da identidade profissional como docentes universitários públicos nas suas trajetórias de carreira, foi possível descrever as circunstâncias básicas para a formação da identidade profissional, incluindo as características pessoais, a formação acadêmica, as experiências profissionais e as expectativas e realizações do docente pesquisado em relação à carreira docente.
A metodologia utilizada foi quantitativa e qualitativa e a sua unidade de análise foi composta por docentes de instituições públicas predominantemente no estado de Minas Gerais, os quais foram distribuídos em quatro grupos, com base no tempo de trabalho na atividade. Essa composição da amostra visou atender às diferenças observadas na carreira docente antes da década de 1990 e depois dela. Assim, dois grupos foram compostos, um por professores com trinta anos de trabalho e outro pelos de vinte anos de exercício. Os representantes do período mais recente formaram um grupo com cinco anos de docência e outro dos professores considerados entrantes, assim identificados por estarem cursando mestrado ou doutorado.
Os instrumentos utilizados foram questionário e cartazes e a interpretação dos dados obtidos foi feita com suporte estatístico e com a análise de conteúdo, como prescreve o modelo proposto por Bardin.
A carreira do docente universitário passou por diversas mudanças nos últimos trinta anos em termos legais e nas atuações efetivas. Os perfis dos professores que escolheram trabalhar com a atividade docente universitária mudaram. Se antes o foco era mais no magistério, na sala de aula, relações com os alunos e no acompanhamento do desenvolvimento da formação acadêmica do aluno, hoje a base da atividade envolve a pesquisa e as produções escritas.
As reflexões sobre o papel efetivo do docente universitário, segundo a amostra pesquisada, não são trazidas a debates, abrindo espaço para que, aos poucos, reforçadas pelos critérios avaliativos atuais, sejam preponderantes as tipificações do pesquisador. Também não se oportuniza a real mudança do papel do aluno como aquele que pesquisa junto com o docente, por exemplo. Em muitos relatos de influências para a opção pela carreira docente, notou-se que a participação em projetos de iniciação científica foi forte instrumento mobilizador da escolha. Entretanto, em muitos casos, inclusive refletidos nas caricaturas, as ajudas dos bolsistas prendiam-se mais à execução de uma função de secretariado ou de um secretariado “executivo”. Mencionaram até a palavra “escravo”, o que representa que a tarefa foi desenvolvida praticamente pelo estudante, que tem nessa pesquisa um papel operacional, pois realiza as atividades mais demoradas ou mecânicas, bem como a função de planejar e concluir, compartilhando a autoria com o professor dono da disciplina.
Uma das constatações mais significativas foi a de que as identidades profissionais são construídas a partir de traços pessoais, acrescidas, nas trajetórias de carreira dos docentes universitários, de suas escolhas feitas a partir das oportunidades que vão surgindo, a partir de acasos, influências e relacionamentos. Não se tem mais, necessariamente, um planejamento de carreira, como propuseram Costa e Campos (2006).
Os professores pesquisados gostam da docência e se sentem identificados, em todos os segmentos, com a atividade profissional. Mas algumas diferenças devem ser destacadas: no grupo dos entrantes, ela não é suficiente para a sua realização, o que pode ser confirmado pelo número de respostas que demonstram a disposição dos mestrandos e doutorandos de se dedicarem à docência ou conjugá-la com outra atividade. Este último dado, sendo mais forte no grupo dos entrantes, reflete uma identidade profissional menos focada, na qual os indivíduos mostram-se atentos a novas oportunidades, abertos a reconstruções e sem a visão de uma escolha feita de modo definitivo na vida. Essa perspectiva de carreira liga-se bem ao conceito de carreira proteana (HALL, 1998), na qual o foco é a adaptação às novas circunstâncias. Notam-se uma intencionalidade e uma busca de realização por meio de uma atividade profissional docente mais definida no grupo dos professores com mais tempo de experiência, diminuindo esse sentido à medida que se tomam os grupos pesquisados mais jovens. Fica clara, assim, a mudança no perfil do profissional de docência superior: os entrantes não têm as mesmas características, nem os mesmos objetivos, nem as mesmas pretensões dos docentes de vinte anos atrás. Consequentemente, seus investimentos na carreira também serão diferenciados. Se aqueles que entram hoje não se envolvem com a carreira como opção, também a carreira docente deveria moldar-se a esse novo profissional, e vice-versa. Será que a docência passará a ser um refugo de profissionais em processo de decisão do que pretenderão fazer? Ou um local de transição e crescimento na área escolhida para permitir que o profissional se prepare melhor para o mercado de trabalho? Ou uma oportunidade de reposição do que não foi suficientemente aprendido na graduação (foi citado que o aluno “não quer nada”!), ou, ainda, uma oportunidade de fazer as pós-graduações em condições melhores que os profissionais em atuação no mercado de trabalho (foi citada a oportunidade de viagens e conhecer outras culturas), como é o caso de muitos mestrandos e doutorandos? Ou será que a carreira docente tende a se tornar opção de pessoas mais conscientes e identificadas com as atividades a serem desenvolvidas?
Urge profissionalizar-se a docência universitária; devendo, para isso, o profissional que a ela se dedica ter sua formação na área do conhecimento específica e também na área pedagógica.
Se o professor universitário deve ser um educador, como constatado nesta pesquisa, e se a educação é processo de formação mais que de informação, confirma-se a importância de incrementar a consciência das construções e reconstruções de identidades profissionais em suas trajetórias de carreira.
E mais, torna-se essencial a formação didático-pedagógica tipificadora da atividade profissional desenvolvida. E, em termos práticos, quanto melhor for a atuação do professor como mediador da aprendizagem tecnicamente falando e também em termos relacionais, maior a possibilidade de instituições de ensino superior atenderem aos seus objetivos.
Referências Bibliográficas
COSTA, I.; CAMPOS, A. M. M. Carreira, vivência e construção de si. In: BALASSIANO, Moisés; COSTA, Isabel de Sá Afonso (Org.). Gestão de carreiras - dilemas e perspectivas. São Paulo: Atlas, 2006.
GIL, A. C. Didática do ensino superior. São Paulo: Atlas, 2006.
MASETTO, M. T. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus, 2003.
HALL, Douglas T. Careers in and out of organizations.London: Sage Publications, 2003.
HALL, Douglas T.; MOSS, Jonathan E. The new protean career contract: helping organizations and employees adapt. Organizational Dynamics, v. 26, n. 3, p. 22-37, 1998.
TANURE, B.; CARVALHO NETO, A.; ANDRADE, J. Executivos sucesso e (in)felicidade. Rio de Janeiro: Campus, 2007.
[i] OLIVEIRA, Maria Regina de Carvalho Teixeira de. Tese de Doutorado em Administração de Empresas, Gestão de Pessoas: “Construção e reconstrução da identidade profissional do docente universitário em sua trajetória de carreira em instituições públicas”; Belo Horizonte, UFMG, CEPEAD, 2013.