05/05/2015

A importância da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o FIES

O tema das mudanças no FIES em 2015 teve dois novos fatos relevantes na última semana de abril. A primeira delas foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o direito dos alunos já contratantes do FIES em relação à segurança jurídica. A segunda, uma decisão da Justiça Federal do Mato Grosso que prorrogou, na noite do último dia previsto, o prazo para inscrição dos novos contratantes. Por certo, os julgadores decidiram sem ter em mente o processo analisado pelo outro, mas as decisões são claramente complementares.

A decisão do STF cuidou de um tema específico, que foi a possibilidade de ser exigido requisitos qualitativos para a contratação do FIES, no caso uma nota de corte (450 pontos e não zerar a redação). Essa exigência foi criada em dezembro de 2014 para vigorar a partir de abril de 2015, ou seja, depois do ENEM e durante o processo seletivo e matrícula no primeiro semestre deste ano. O Ministro Roberto Barroso, relator do processo no STF, entendeu que esta regra não pode prevalecer para os estudantes que já possuem contrato de financiamento, mas pode ser imposta para os novos interessados.

Neste caso, a repercussão talvez nem seja importante, pois até mesmo o julgador duvidou que existam estudantes já beneficiados pelo FIES que possam ser atingidos pela nota de corte. O mais relevante é a fundamentação da decisão. Nas palavras do Ministro Barroso: "...a situação de incerteza quanto ao alcance das novas exigências é suficiente para a configuração da plausibilidade do direito invocado pelo requerente, no que respeita à violação à segurança jurídica dos estudantes que já se encontram no sistema e que não estão conseguindo renovar seus contratos" (ADPF 341/2015).

Além disso, enfatizando a importância do tema da segurança jurídica para o imbróglio do FIES a Procuradoria Geral da República manifestou-se a favor da liminar parcial afirmando que o  Estado  atraiu  grandes  contingentes  de estudantes  a  candidatar-se  a  esses  financiamentos,  de  maneira  que parece  contrário  ao  crédito  que  deve  merecer  a  Administração  Pública  e  à  proteção  constitucional  da  confiança  que  o  MEC,  para contratos  em  andamento,  altere  as  condições  de  sua  renovação  e colha  de  surpresa  os  financiados,  que  se  verão  impedidos  de  continuar  seus  estudos.  Com essa restrição indevida,  a  norma  ministerial  tolhe  de  forma  ilegítima  o  acesso  eficiente  ao  ensino  superior, pois  para  cumprimento  dessa  garantia  constitucional  parece  necessário não  apenas  o  estímulo  ao  ingresso  na  educação  superior,  mas a  possibilidade  de  que  esses  estudos  sejam concluídos.

Enfim, o processo no STF diz muito sobre a controvérsia do FIES, a qual, tanto no caso dos reajustes e das recompras de títulos (assuntos não discutidos no Supremo) quanto no caso das regras restritivas para os alunos, tem como ponto central de discussão os princípios da confiança e da segurança jurídica.

Acontece que, em virtude da especificidade da ação na Corte Suprema, não foram discutidas as restrições e as suspeitas "falhas" do sistema, que criaram tantas dificuldades para os estudantes interessados em aderir ao programa de financiamento. Ao contrário, por desconhecer essa situação o ministro afirmou que, "entre 23/02/2015 e 29/03/2015, a inscrição no FIES era possível pela regra antiga, sem a comprovação de desempenho mínimo no ENEM". Ora, a inscrição pela regra antiga podia até ser juridicamente possível mas, diante do sistema travado, era concretamente impossível.

Daí pode-se deduzir que a questão mais latente para os novos inscritos não foi realmente analisada pelo STF. Enquanto discutia-se a irretroatividade de normas ou direitos adquiridos, na verdade deveria ter sido analisado quem, de fato, impediu que a inscrição dos alunos fosse realizada no prazo de transição criado para as novas regras. Era necessário, portanto, que o Supremo Tribunal Federal verificasse as restrições e falhas que travaram o sistema gerido pelo MEC e o FNDE nos últimos meses.

Eis aí o ponto onde se dá a complementaridade entre o julgado do STF e a mais recente decisão do FIES, na Justiça Federal do Mato Grosso. Esta última manifestação judicial trata, exatamente, do atraso provocado pelos travamentos no SisFIES, o sistema eletrônico do FIES.

Na decisão o Juiz da 8ª Vara Federal de Cuiabá afirmou que ".... o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos, que, no caso, é a instrumentalização de acesso ao ensino superior. O próprio Estado e muito menos um programa informatizado de inscrição defeituoso não podem ser causas suficientes a dificultar ou inviabilizar a realização de direitos fundamentais” (processo nº 0005881-32.2015.4.01.3600). Dito isso, o magistrado decidiu que o prazo de inscrição deveria ser estendido e que a "prorrogação  das  inscrições  corresponderá  ao  total  de  dias  em que  o  sistema  apresentou  falhas".

Esta prorrogação teve como foco ampliar o prazo para novas adesões, que vencia no dia 30 de abril de 2015 e estranhamente não foi ampliado quando o MEC, por meio da Portaria 141/2015, prorrogou o prazo para aditamentos. Por ter sido exarada no último dia foi bastante oportuna e por aplicar-se a todo o Brasil teve uma repercussão tão grande quanto a decisão do STF.

Unindo as duas decisões poderíamos dizer que além da insegurança jurídica os estudantes também foram prejudicados pela inconsistência do programa informatizado do FIES e se o sistema lento e travado atingiu a todos não pode ser mantido o rigor dos prazos apenas para os novos pretendentes. Não se trata, aqui, apenas de segurança, mas de razoabilidade, proporcionalidade e isonomia.

Podemos afirmar, também, que os fatos - problemas de sistema - e os direitos violados refletem quase todos os problemas do FIES 2015. Normas criadas sem cuidado e sem prévio aviso criam uma desnecessária instabilidade jurídica em uma área já carente de planejamento e regulada por centenas de normas incongruentes, dificultando a implementação e o uso do sistema SisFIES. E, nesse contexto, mesmo que se considere que não houve um bloqueio intencional do sistema eletrônico, seu mal gerenciamento impediu a consecução do direito de acesso ao ensino superior.

Enfim, independentemente da necessidade de ajuste fiscal, que impõe restrições orçamentárias, e do mérito ou não das exigências qualitativas para acesso ao FIES, está claro que o sistema eletrônico não funcionou bem – e ainda não funciona – e que a mudança das regras feitas às pressas causaram grande insegurança jurídica. Esse panorama demonstra que a medida adotada é falha em sua forma, o que basta para configurar sua ilegalidade. Até porque, como disse o ministro Barroso em um de seus memoráveis discursos à formandos: “tudo que merece ser feito, merece ser bem feito.”*

* Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/?page_id=44, acessado em 04 de maio de 2015

 

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