07/12/2025

A Psicopedagogia na Compreensão das Dificuldades de Aprendizagem: Fundamentos, Práticas e Desafios Contemporâneos.

Ivan Carlos Zampin;

Elza Maria Simões;

Mery Elbe Simões Ramalho;

Dulcinéia Alves Fernandes Fogari;

Maria Neuma Simões da Silva;

Márcia dos Santos.

 

Resumo

Este artigo discute a constituição da psicopedagogia como campo interdisciplinar voltado à compreensão das dificuldades de aprendizagem e ao desenvolvimento de práticas clínicas e institucionais. A partir de autores como Bossa, Scoz, Visca e Amorim, examina-se a evolução histórica da área, seus fundamentos teóricos e sua relevância para a melhoria dos processos educativos. A pesquisa destaca que a psicopedagogia, ao integrar saberes da psicanálise, pedagogia, psicologia e neurologia, contribui para uma leitura mais ampla do fracasso escolar e das queixas de aprendizagem. Analisa-se o papel do psicopedagogo como profissional capaz de intervir preventivamente e clinicamente, bem como os desafios atuais referentes à identidade profissional e à regulamentação. Finalmente, afirma-se que a psicopedagogia constitui instrumento essencial para a construção de práticas educacionais mais inclusivas e efetivas.

Palavras-chave: psicopedagogia; aprendizagem; dificuldades escolares; intervenção psicopedagógica; formação profissional.

1. Introdução

Diante do exposto, conclui-se que a psicopedagogia brasileira, fundamentada nas contribuições seminais de autoras como Bossa (1994) e Scoz (1994), consolidou-se como uma práxis transformadora ao superar o paradigma reducionista que patologizava o aprendiz. Sua grande conquista histórica foi deslocar o foco do "problema do aluno" para a complexa teia de fatores que constituem o ato de aprender, integrando dimensões cognitivas, afetivas, sociais, culturais e pedagógicas, numa visão que encontra eco em Vygotsky (2007) e sua teoria histórico-cultural. No entanto, seu desenvolvimento contínuo enfrenta desafios estruturais que exigem reflexão crítica e ação engajada, conforme apontam as análises de Fernández (1991) sobre os contratos de aprendizagem.

A atuação psicopedagógica, seja no contexto clínico ou institucional, deve permanecer ancorada em uma visão sistêmica e ética, recusando-se a ser um instrumento de classificação ou adaptação passiva do indivíduo a sistemas educativos muitas vezes excludentes. Pelo contrário, seu potencial emancipatório reside na capacidade de diagnosticar não apenas o sujeito, mas também os contextos de aprendizagem, identificando barreiras metodológicas, relações pedagógicas autoritárias e currículos desconectados da realidade dos estudantes, uma abordagem que Rubinstein (2003) denomina de diagnóstico psicopedagógico institucional. Nesse sentido, o psicopedagogo atua como um agente de mediação e de mudança, promovendo a ressignificação de trajetórias marcadas pelo fracasso escolar, na linha do que propõe Weiss (2008) sobre a importância da autoria de pensamento.

Os desafios contemporâneos são múltiplos e complexos. A demanda, por intervenções urgentes em um cenário educacional ainda marcado por defasagens e desigualdades profundas, agravadas pela pandemia, pode pressionar por respostas rápidas em detrimento de processos de escuta qualificada e intervenções fundamentadas, alerta para o risco do que Paín (1992) chamaria de um diagnóstico superficial e sintomático. Além disso, a necessidade de dialogar com avanços das neurociências, sem recair em um novo reducionismo biologizante, exige formação permanente e discernimento teórico, equilibrando as contribuições de autores como Dehaene (2012) com a visão integral do sujeito aprendente. Outro ponto crucial é a consolidação de espaços institucionais para a atuação psicopedagógica nas redes públicas de ensino, garantindo que seu olhar preventivo e inclusivo chegue a quem mais precisa, superando o caráter ainda elitizado do atendimento clínico privado e materializando o princípio da educação como direito, tal como defendido por Libâneo (2013).

No futuro, a psicopedagogia deve fortalecer seu compromisso social e político, explicitando em sua prática que dificuldades de aprendizagem são, frequentemente, sintomas de dificuldades do sistema em ensinar, conforme já sinalizava Patto (1999) em suas críticas à produção do fracasso escolar. Isso implica em uma atuação corajosa que vá desde a assessoria à formação docente e à elaboração de políticas educacionais mais inclusivas, até a intervenção direta com estudantes e famílias. Articulando saberes de diversas áreas sem perder sua identidade, a psicopedagogia pode e deve ser uma voz ativa na defesa de uma educação que acolha a diversidade dos processos de aprender, inspirando-se em referenciais como a pedagogia da autonomia de Freire (1996). Seu aperfeiçoamento contínuo depende, portanto, da manutenção de seu duplo compromisso, os quais sejam: com a ciência, buscando bases sólidas para sua intervenção, e com a ética, garantindo que essa intervenção seja sempre em prol da autonomia, da dignidade e do direito inalienável à aprendizagem de todos os indivíduos.

2. Referenciais Teóricos

A psicopedagogia constitui-se, por definição, como um campo interdisciplinar cujo cerne teórico-prático resulta da confluência e ressignificação crítica de saberes provenientes da Psicologia, da Pedagogia, da Linguística, da Sociologia e, mais recentemente, das Neurociências. Segundo Amorim (2018), sua identidade profissional contemporânea nasce da dupla exigência de regulamentação formal e de consolidação epistemológica de práticas que, historicamente, eram exercidas de forma difusa em múltiplos contextos educacionais e de saúde. Esta busca por um estatuto científico próprio não implica, contudo, um ecletismo superficial. Como bem sintetiza Barbosa (2001), a psicopedagogia buscou em teorias estruturantes, como a Epistemologia Convergente de Jorge Visca, um modelo integrador que superasse visões dicotômicas. A contribuição de Visca foi seminal ao propor uma compreensão clínica da aprendizagem que articula de forma dialética as dimensões cognitiva, afetiva e social, entendendo o sujeito aprendente como um sistema em constante interação com seu meio (VISCA, 1987).

No cenário brasileiro, a obra de Nadia Bossa (1994; 2002) destaca-se como um pilar fundamental. Partindo de uma perspectiva psicanalítica articulada com o construtivismo, Bossa argumenta que o fracasso escolar jamais pode ser reduzido a uma causa única ou a um déficit intrínseco ao aluno. Para a autora, a aprendizagem é um processo profundamente subjetivo, estruturado a partir das primeiras relações de vínculo e permeado por conflitos emocionais inconscientes que podem se expressar como inibição ou sintoma no ato de aprender. Esta visão encontra ressonância em Fernández (1991), para quem o aprender está intrinsecamente ligado ao desejo e à história do sujeito, sendo a dificuldade de aprendizagem frequentemente um sinal de um "não-aprender" como defesa psíquica.

No âmbito da prática clínica, a operacionalização desse olhar complexo se concretiza em metodologias de avaliação psicopedagógica específicas. Oliveira e Bossa (1997) e Weiss (1994; 2008) desenvolveram sistemas de diagnóstico que vão além da mera aplicação de testes. Suas propostas, baseadas em sessões lúdicas, entrevistas, atividades gráficas e provas projetivas e operatórias, buscam apreender a singularidade do sujeito, investigando a modalidade de aprendizagem, os vínculos com o saber, a dinâmica familiar e os aspectos cognitivos em desenvolvimento. Essas metodologias partem do princípio, também defendido por Paín (1986), de que o sintoma escolar (a disgrafia, a discalculia, a falta de atenção) é apenas a ponta visível de um iceberg de conflitos mais profundos, que envolvem a história do sujeito e sua relação com o conhecimento.

Paralelamente à tradição clínica, desenvolveu-se uma vertente institucional e preventiva com igual vigor. Scoz (1994) é uma voz representativa dessa perspectiva ao enfatizar corajosamente a corresponsabilidade da escola na gênese dos problemas de aprendizagem. Para essa autora, métodos de ensino inadequados, relações pedagógicas autoritárias e uma gestão excludente podem ser fatores geradores ou agravantes das dificuldades. Esta visão sistêmica é compartilhada por Lomonico (1992) e Campos (2001), que reforçam o caráter interdisciplinar da atuação psicopedagógica, a qual deve se dar tanto de forma interventiva, em casos já instalados, quanto preventiva, através da assessoria à equipe escolar, da formação docente e da análise dos processos institucionais.

A psicopedagogia contemporânea busca sintetizar essas duas dimensões, as quais sejam: clínica e institucional, em uma prática coerente. Aragão (2011) exemplifica essa síntese ao destacar a importância da clínica para casos específicos e persistentes, mas sempre em articulação com a escola e a família, formando uma rede de apoio. Além disso, o campo dialoga criticamente com novos aportes. As contribuições das Neurociências, como as de Dehaene (2012) sobre os circuitos cerebrais da leitura, são incorporadas com cuidado, evitando-se uma leitura reducionista. O desafio, como aponta Weiss (2008), é integrar a compreensão dos substratos neurológicos à visão integral do sujeito desejante e inserido em um contexto sociocultural, reafirmando o compromisso ético e político da psicopedagogia com uma educação verdadeiramente inclusiva, nos moldes propostos por Freire (1996) e seus conceitos de autonomia e diálogo.

3. Desenvolvimento da Pesquisa

A presente análise bibliográfica, de natureza qualitativa e exploratória, busca mapear e compreender criticamente o processo de consolidação da psicopedagogia no Brasil enquanto uma prática especializada e teórico-metodológica no âmbito do diagnóstico e da intervenção frente às dificuldades de aprendizagem. O levantamento e a análise crítica de obras fundantes e contemporâneas permitiram identificar e articular três eixos interdependentes que sustentam e dinamizam o campo, demonstrando sua evolução de um conjunto de práticas informais para uma área de conhecimento com contornos definidos, ainda que em constante diálogo e expansão.

O primeiro eixo diz respeito à formação e identidade profissional, tema central nas discussões atuais. Amorim (2018) analisa esta trajetória, destacando que a busca pela regulamentação da profissão não é um fim em si mesmo, mas um movimento necessário para estabelecer parâmetros de formação, competências específicas e um código de ética que proteja tanto o profissional quanto a população atendida. As produções e diretrizes da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp), desde seus primórdios, têm sido fundamentais nesse processo, atuando como fórum de debates, produtora de conhecimento e defensora de uma identidade profissional que, segundo a própria entidade, se define pela "prevenção, diagnóstico e intervenção nos problemas de aprendizagem" (ABPp, 2021). Essa luta por reconhecimento social e legal visa superar a ambiguidade de uma atuação que, por ser interdisciplinar, muitas vezes se via diluída ou confundida com a de outros especialistas.

Paralelamente, desenvolveu-se o pilar epistemológico que confere sustentação teórica à prática. Este eixo não é homogêneo, mas se caracteriza por um rico sincretismo teórico. A Epistemologia Convergente de Jorge Visca (1987) ofereceu um modelo integrador pioneiro, propondo a convergência das teorias de Piaget (cognição), Freud (afetividade) e a escola social de Bleger (sociocultural) para entender o sujeito aprendente. No Brasil, essa visão encontrou ressonância e foi reinterpretada. Sara Paín (1986), por exemplo, ao tratar do diagnóstico psicopedagógico, reforça a ideia de que a dificuldade escolar é um sintoma que expressa um conflito subjacente, frequentemente de ordem simbólica e relacional, exigindo uma escuta que vá além do desempenho acadêmico mensurável. Barbosa (2001) sintetiza esse esforço ao afirmar que a aprendizagem é um fenômeno eminentemente "biopsicossocial", cuja compreensão exige que se considere simultaneamente os aspectos orgânicos, psíquicos e contextuais, posição também corroborada por Fernández (1991) em sua abordagem clínica. Essa base epistemológica permite à psicopedagogia se opor a visões mecanicistas e fragmentadas do aprender.

O terceiro eixo, que materializa os anteriores, é o das práticas clínicas e institucionais. Aqui, a literatura é vasta e ilustra a dupla face da atuação psicopedagógica. No âmbito clínico, as contribuições de Bossa (1994; 2002) e de Oliveira e Bossa (1997) são paradigmáticas ao detalharem metodologias de avaliação que utilizam o brincar, o desenho e as provas operatórias para acessar a "modalidade de aprendizagem" do sujeito, ou seja, seu estilo único e singular de se relacionar com o conhecimento. Maria Lúcia Weiss (1994; 2008), por sua vez, estrutura um rigoroso processo diagnóstico que articula entrevistas, observação e técnicas projetivas, sempre com foco na história de vida e nos vínculos do aprendente. Já na vertente institucional, Scoz (1994) é enfática ao deslocar o foco do indivíduo para a instituição escolar, argumentando que muitas "dificuldades de aprendizagem" são, na verdade, "dificuldades do ensino" ou de relação pedagógica. Sua obra convoca o psicopedagogo a atuar como agente de transformação dos contextos educativos. Aragão (2011) representa a tentativa de síntese desta clínica ampliada, demonstrando como a intervenção com casos específicos deve ser inseparável de uma parceria ativa com a escola e a família, constituindo uma rede de suporte.

Os dados analisados convergem para a constatação de que a psicopedagogia brasileira se consolidou justamente por desenvolver práticas que buscam apreender o sujeito aprendente em sua totalidade e complexidade. Esta trajetória representa uma ruptura histórica com o paradigma médico-higienista que vigorou por décadas, o qual, como bem analisa Patto (1999), tendia a patologizar e estigmatizar a diferença, rotulando crianças, sobretudo das classes populares, com diagnósticos vagos como "disfunção cerebral mínima". Ao invés de buscar um suposto "defeito" no aluno, a psicopedagogia, em sua melhor expressão, investiga as condições, os processos e os significados envolvidos no ato de aprender. Contudo, os textos também revelam desafios persistentes, ou seja, a tensão entre a clínica individual e a intervenção política mais ampla; a necessidade de diálogo crítico com as neurociências para evitar novos reducionismos; e a urgência de expandir o acesso a práticas psicopedagógicas de qualidade no sistema público de ensino, democratizando um saber que ainda é, em grande medida, acessível apenas em consultórios privados. Portanto, a consolidação do campo é um processo dinâmico e inacabado, marcado por conquistas teóricas sólidas, mas também por imperativos éticos e sociais que demandam constante reflexão e ação.

4. Análise e Discussão

A análise da produção teórica seminal e contemporânea no campo psicopedagógico revela um sólido consenso sobre a natureza multifacetada do processo de aprendizagem. Os autores convergem em superar explicações lineares e reducionistas, posicionando-se criticamente contra perspectivas que localizam o "problema" exclusivamente no indivíduo. Como destaca Campos (1999), as queixas escolares, expressas em termos de desatenção, agitação, baixo rendimento ou bloqueios são, na realidade, sintomas que só podem ser decifrados por meio de um rigoroso diálogo interdisciplinar. A psicopedagogia opera justamente nessa interseção, integrando os aportes da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, da Pedagogia Crítica, da Psicanálise e da Sociologia da Educação para ampliar radicalmente a interpretação do fracasso escolar. Essa visão ecoa a crítica de Patto (1999) à "psicologização" e "medicalização" das questões pedagógicas, processos que, ao deslocar o foco das condições concretas de ensino, acabam por culpabilizar as vítimas do sistema.

Nesse sentido, Bossa (2002) oferece uma contribuição crucial ao analisar como a instituição escolar, ao adotar um olhar que individualiza a culpa pelo não aprender, aciona inadvertidamente mecanismos potentes de exclusão simbólica. A rotulação do aluno como "lento", "desinteressado" ou "portador de transtorno" sem uma análise contextual aprofundada funciona como uma profecia autorrealizável, minando sua autoestima e reforçando desigualdades sociais pré-existentes. Consequentemente, a atuação psicopedagógica, tanto na sua vertente institucional quanto clínica, assume uma missão reparadora e política, a qual, deve buscar estratégias ativas para reconstruir os vínculos do sujeito com o ato de aprender. Isso implica, como propõe Fernández (1991), resgatar a "função prazer" da aprendizagem, muitas vezes soterrada pela "função dever" imposta por práticas educativas burocráticas e desvinculadas da vida.

O arcabouço teórico que sustenta essa prática complexa encontra um de seus pilares na Epistemologia Convergente de Jorge Visca (1987). Ao articular de forma dialética a dimensão cognitiva (inspirada em Piaget) e a dimensão afetiva (fundamentada em Freud), Visca demonstra que o aprender não é um ato puramente intelectual. A afetividade é compreendida como o sistema de desejos, medos e investimentos libidinais, estrutura e modula a relação do sujeito com o conhecimento. Esta perspectiva, longe de ser um marco histórico superado, continua a fundamentar abordagens contemporâneas de intervenção. As contribuições das neurociências afetivas, por exemplo, corroboram essa visão integradora ao demonstrar, como aponta Damásio (2012), a inseparabilidade entre emoção e cognição nos processos decisórios e de aprendizagem, reforçando a atualidade do pensamento de Visca.

No plano da ação concreta, Aragão (2011) demonstra que a avaliação psicopedagógica constitui um momento epistemológico por excelência. Trata-se de um processo investigativo que visa compreender não apenas o sintoma apresentado (a dificuldade em ler, escrever ou calcular), mas a trajetória singular do sujeito aprendente. Sua pesquisa reforça que intervenções bem-sucedidas e éticas dependem intrinsecamente da compreensão minuciosa de uma tríade indissociável, ou seja, a história escolar (marcada por sucessos, frustrações e relações com professores), a história familiar (com seus padrões de vinculação, expectativas e transmissões transgeracionais) e a história emocional (a constituição subjetiva e seus possíveis conflitos). Essa metodologia diagnóstica, detalhada também por Weiss (2008), opõe-se frontalmente a modelos de triagem rápida e à aplicação de baterias de testes descontextualizadas.

Paralelamente, a todo este contexto ocorre um debate estruturante perpassa o campo de atuação, ou seja, a definição da identidade profissional do psicopedagogo. Amorim (2018) alerta de forma pertinente para a urgência da regulamentação da profissão, não como mera formalidade, mas como condição para assegurar reconhecimento social, estabelecer critérios mínimos e unificados de formação e consolidar um código de ética específico. Este debate permanece extremamente atual, dada a multiplicidade de cursos de especialização com cargas horárias e enfoques teóricos díspares, além da heterogeneidade de atuações no mercado. A falta de um piso legal claro pode fragilizar a profissão, expondo-a tanto ao exercício por pessoas despreparadas quanto à absorção de suas funções por outras áreas já regulamentadas, diluindo sua especificidade.

Por fim, é imperativo destacar a dimensão preventiva e política da psicopedagogia, magistralmente enfatizada por Scoz (1994). A autora insiste que a escola não é apenas o palco onde as dificuldades se manifestam, mas pode ser, ela mesma, o seu locus gerador. Portanto, a escola deve ser um espaço prioritário de intervenção psicopedagógica. Inúmeras dificuldades ditas "de aprendizagem" têm sua origem, na realidade, em práticas pedagógicas inadequadas e homogeneizadoras, em sistemas de avaliação classificatórios e excludentes, ou em ambientes escolares pouco acolhedores e desprovidos de sentido para os alunos. Esta visão convoca o psicopedagogo institucional a atuar como um agente de transformação da cultura escolar, assessorando a equipe docente na revisão de suas práticas, como sugere Libâneo (2013), e na construção de uma escola mais inclusiva e democrática, em consonância com os princípios de uma educação libertadora defendidos por Freire (1996). Assim, a discussão evidencia que a psicopedagogia, em sua maturidade teórica, compreende que intervir no sujeito que não aprende é, inevitavelmente, intervir também na instituição que não consegue, muitas vezes, ensinar de forma significativa para todos.

5. Conclusão

A psicopedagogia consolidou-se no Brasil como um campo teórico-prático essencial e transformador para a compreensão multifatorial das dificuldades de aprendizagem, transcendendo sua origem empírica para constituir-se em uma área de conhecimento com identidade própria. Sua relevância social manifesta-se na oferta de um duplo suporte, clínico e institucional, que visa não apenas remediar transtornos já instalados, mas sobretudo atuar de forma preventiva e política na reconfiguração dos processos educativos. Seu caráter intrinsecamente interdisciplinar constitui sua maior força, permitindo uma compreensão do sujeito aprendente em sua totalidade bio-psico-socio-histórica e articulando dimensões que, tratadas isoladamente, produzem diagnósticos parciais e intervenções ineficazes.

A partir das contribuições fundantes de autores clássicos e de suas releituras contemporâneas, observa-se com clareza que a aprendizagem não pode ser analisada de maneira fragmentada ou reduzida a uma disfunção individual. O paradigma psicopedagógico, em oposição aos modelos históricos que patologizavam a diferença, desloca o eixo da análise, ou seja, do "defeito" no aluno para a complexa rede de interações entre o sujeito, com sua história emocional e modalidade singular de aprender, a família, com seus padrões relacionais e transmissões, e a escola, com suas práticas, currículos e dinâmicas de poder. Apreender é compreendido, assim, como um ato que envolve desejo e prazer, elementos frequentemente bloqueados por experiências de fracasso e por contextos educativos desestimulantes.

O estudo desenvolvido evidenciou que, apesar de suas sólidas conquistas epistemológicas e metodológicas, a psicopedagogia brasileira enfrenta desafios estruturais contemporâneos de grande envergadura. O primeiro diz respeito à questão da regulamentação profissional. A ausência de uma lei que defina as competências exclusivas, os requisitos mínimos de formação e os parâmetros éticos formais coloca a profissão em uma zona de sombra jurídica, dificultando seu reconhecimento social e permitindo a proliferação de cursos e práticas de qualidade duvidosa. A regulamentação é vista, portanto, não como um fim burocrático, mas como uma condição necessária para a proteção da sociedade e para a valorização da expertise psicopedagógica.

Intimamente relacionado a isso está o imperativo de fortalecer e unificar a formação especializada. A heterogeneidade de currículos e abordagens nos cursos de pós-graduação pode gerar profissionais com preparo díspar, comprometendo a coerência do campo. É premente que, guiada por diretrizes nacionais sólidas, a formação articule de forma equilibrada o estudo teórico aprofundado e o rigoroso estágio supervisionado, capacitando o futuro psicopedagogo tanto para a delicada escuta clínica quanto para a intervenção institucional e política junto à comunidade escolar.

Outro desafio central é a ampliação e consolidação das práticas psicopedagógicas de caráter preventivo e institucional nas redes públicas de ensino. Embora a clínica privada tenha sido historicamente importante para o desenvolvimento do campo, é urgente democratizar o acesso a esse saber. A inserção do psicopedagogo nas escolas públicas, atuando como assessor da equipe pedagógica, mediador de conflitos e articulador de projetos de inclusão, é um passo fundamental para transformar a realidade que gera tantas das chamadas "dificuldades de aprendizagem". Essa atuação deve visar a otimização dos processos de ensino e de gestão, criando ambientes que acolham a diversidade. Nesse ponto, o diálogo com as neurociências, conduzido com criticidade para evitar novos reducionismos, pode oferecer subsídios valiosos para entender barreiras cognitivas específicas e fundamentar estratégias pedagógicas mais eficazes, sem jamais perder de vista a dimensão subjetiva e social.

Por fim, reforça-se que o psicopedagogo, em qualquer contexto de atuação, tem um papel decisivo e ético na promoção de ambientes de aprendizagem mais inclusivos, críticos e humanizados. Sua prática não é neutra ao optar por uma visão sistêmica e não patologizante, ele posiciona-se contra mecanismos de exclusão e a favor do direito de todos à educação plena. Inspirado pelos princípios de uma pedagogia libertadora, o psicopedagogo trabalha para desnaturalizar o fracasso escolar, questionando as estruturas que o produzem e empoderando sujeitos e comunidades. Ele é, assim, um agente de mediação que facilita a reconstrução do vínculo com o saber, promovendo a autoria de pensamento e a autonomia.

Portanto, conclui-se que a trajetória da psicopedagogia no Brasil é marcada por uma notável evolução teórica e por um compromisso social inegável. Seu futuro dependerá da capacidade de enfrentar os desafios aqui elencados, mantendo o rigor científico de sua intervenção sem abdicar de seu caráter necessariamente político e transformador. A consolidação definitiva do campo de atuação, passará, inevitavelmente, pela sua efetiva contribuição para a construção de um sistema educacional que verdadeiramente aprenda com as dificuldades, transformando-as em oportunidades de crescimento coletivo e de garantia do direito fundamental à aprendizagem significativa para cada indivíduo.

6. Referências Bibliográficas

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Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.

Elza Maria Simões: Bacharel em Administração de Empresas, Professora de Matemática, Matemática Financeira, Pedagoga, Especialista em Educação Especial.

Mery Elbe Simões Ramalho: Pós-graduação em psicanálise, Pedagoga, Graduação em Artes, finalizando pós-graduação em Neuropsicologia.

Dulcinéia Alves Fernandes Fogari: Professora, Tecnóloga em Processos Gerenciais, Pedagoga, Psicanalista, Neuropsicopedagoga, Docente do Ensino Superior.

Maria Neuma Simões da Silva: Pedagoga, Especialista em Alfabetização de crianças do Ensino Fundamental, jovens do Ensino Médio e Ensino de Jovens e Adultos.

Márcia dos Santos: Graduada em Licenciatura Plena em Geografia, Pedagoga, Coordenadora de Gestão Pedagógica, Especialista em Gestão Escolar.

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