20/03/2019

A Responsabilidade Civil Diante da Guarda Compartilhada e a Transcressão dos Direitos Fundamentais da Criança e do Adolescente

A RESPONSABILIDADE CIVIL DIANTE DA GUARDA COMPARTILHADA E A TRANSGRESSÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 

Francisca Iracema de Souza Cavassa

Graduanda em Direito/UCDB e participante do PIBIC/UCDB

Cristiane Martins Viegas de Oliveira

Mestranda em Desenvolvimento Local/UCDB

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

A mudança na concepção da família, trouxe aumento do número de divórcios litigioso e consequentemente o aumento das disputas pela guarda dos filhos, esse conflito entre ex-cônjuges se dá pelo sentimento de vingança de um dos genitores ou responsáveis pelo menor que o usa como instrumentos para alcançar o devido resultado que é o afastamento definitivo do genitor alienado da prole.

O resultado é o abalo psicológico sofrido pelo menor que carrega toda a carga emocional e/ou transfere para o outro genitor a fim de atingi-lo, muitas das vezes inconscientemente. Richard Gardner foi o responsável por denominar esse fenômeno como a Síndrome da Alienação Parental (SAP).

De forma que a Alienação Parental fere o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana assim como o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, já que prejudica o seu direito de convívio familiar, além de causar significativos danos psicológicos resultantes da alienação.

Nesse sentido, tendo em vista a necessidade de proteger o menor desses atos praticados pelo genitor alienador, surge a necessidade de criar mecanismos para coibir essa prática, assim como oferecer a devida punição a essas condutas. Assim sendo, além do Estatuto da Criança e do Adolescente que ampara esses menores, também houve a criação da Lei para regulamentar a Alienação Parental, sob o n. 12.318 de 26 de Agosto de 2010, a qual foi baseada nos princípios constitucionais, assim como no Código Civil/2002 e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990.

Desta forma, esta Lei trouxe para o campo jurídico uma série de contribuições, entre elas o conceito de Alienação Parental, sua manifestação e, principalmente, as medidas aplicáveis a fim de banir tamanha tortura psicológica, protegendo crianças e adolescentes, inclusive é possível evidenciar a ocorrência da responsabilidade civil para esse genitor que prática esta conduta, conforme será trazido ao longo desta reflexão.

 

2 CONCEPÇÕES E CARACTERÍSTICAS DO INSTITUTO FAMILIAR AO LONGO DOS ANOS ATÉ OS DIAS ATUAIS

Ao longo dos séculos a família passou por grandes transformações em diversos aspectos, desde sua origem, composição e sua finalidade. Na Roma antiga (449 a.C.), conformesalienta Garcez (2008, p. 18), o homem dominava a propriedade privada, sendo que o poder familiar era exercido pelo individuo mais velho do sexo masculino denominado comoPater famílias.

Desta forma, verifica-se que os filhos, a mulher, seus respectivos bens e escravos eram submetidos ao poder patriarcal, que possuía o poder absoluto, assim a família era voltada ao patrimônio e a continuidade da linhagem, cuja finalidade essencialera a sucessão dos bens através da hereditariedade de pai para o filho do sexo masculino e mais velho.

Essa concepção começou a ser desfeita a partir de investidas do imperador Constantino, que com o passar do tempo foi inserindo uma nova concepção de família, tratando-se da família cristã, cuja finalidade era restringir a unidade familiar à influência exercida pela igreja, cujo objetivo era humanizar as relações familiares e reprovar o interesse particular e individual, valorando a família e o conjunto, defendendo a indissolubilidade do matrimônio, considerando o casamento como uma formalidade e o  sexo como somente para a procriação.(LEITE,1991).

Nesse sentido, a partir do momento em que a influência da igreja, conforme Leite (1991, p. 101),“tenta humanizar as relações familiares, reprovando os interesses individuais, valorando a noção de conjunto”, os primeiros traços do instituto familiar como sendo patrimônio do Pater famílias vai se transformando, passando a destacar um enfoque mais humanista . Assim, a partir dessas mudanças, o homem coloca-se como provedor e a mulher como mantenedora, configurando-se como aquela que tem o papel social de educar os filhos, sendo sempre submetida ao cônjuge, assim como a concepção da mãe como aquela que gera um ser para o mundo e também o papel da criança como indefesa e inocente.

Em que se pese essas transformações, ainda assim pode-se observar que a base familiar continuou sendo patriarcal. Assim, não existia espaço para questionamentos, afinal, ainda existia a submissão, o conformismo forçado, onde o homem, era o provedor principal e a família composta por mãe, filhos, netos, bisnetos, continuavam em seu poder, em sua dependência.

Nesse sentido, é possível apontar, conforme Leite (1991), que os questionamentos surgiram a partir do advento do Iluminismo, retirando a força da igreja e atribuindo a liberdade, individualidade, bem como o princípio da felicidade individual, sob a égide da concepção rousseauniana, a qual rompe definitivamente os laços familiares, a hierarquia do Pater familias, mantendo somente o vínculo por intermédio do afeto e o poder de escolha.

De igual forma, nesse novo passo pós predominância de pensamentos e condutas regidos pela igreja, uma nova ideia de casamento começa a ser constituída, em que os casamentos “arranjados” se enfraquecem, por meio da liberdade de escolhas, surgindo também uma nova concepção de família e casamento, onde os cônjuges podiam escolher com quem se casar e formar uma família, aos poucos a figura do genitor vai perdendo força e lugar, em que o Estado começa a tomar força e a intervir na família substituindo pouco a pouco o patriarcado do Pater famílias pelo patriarcado do Estado, (FIÚZA, 2000).

Além disso, partindo para os dados históricos mais recentes no Brasil, a Constituição Federal de 1988 foi o marco da transformação da família, por intermédio da qual foi possível alterar a concepção do conceito de família que era previsto no Código Civil de 1916, o que posteriormente foi alterado positivamente no bojo do Código Civil de 2002.Sobre isso, verifica-se que neste primeiro códex, consoante Gama (2008) destaca, somente eram reconhecidos como modelo de família os frutos gerados pelo casamento, sendo este indissolúvel, havendo rejeição aos filhos ilegítimos, os “bastardos”, como eram chamados naquela época os que eram concebidos fora do casamento.

            Outrossim, com as transformações da família e da sociedade, também era necessário haver modificações no âmbito jurídico da legislação infraconstitucional, uma das mudanças foi o Decreto-Lei 4.737 de 24 de setembro de 1942, ao reconhecer o direito de registro do filho até então considerado ilegítimo logo após o “desquite” de seu genitor, revogado pela Lei 883 de 1949 que autorizou o reconhecimento do filho ilegítimo em qualquer situação do matrimonio. Além disso, o Decreto – Lei 4.121/ 1942 conhecido como Estatuto da Mulher Casada foi importante para a emancipação da esposa que antes era tratada como incapaz para certos atos civis, assim como em 1977 o Decreto-Lei 6.515 chamado de Lei do Divórcio, que permitiu o rompimento conjugal, não mais existindo a indissolubilidade do matrimônio, (GAMA, 2008).

Além disso, em que se pese a amplitude de direitos assegurados na Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal, estendeu os mesmos diretos entre homossexuais, destinados aos casais que tivesse vínculos de união estável, entendendo que essas uniões deveriam ser consideradas como formas de família, conforme art. 1.723 do Código Civil Brasileiro. (BRASIL, 2002)

Portanto, é possível perceber que todas as mudanças ocorridas na concepção do instituto familiar contribuem para uma melhor compreensão do tema. Além disso, diante das transformações sociais, entre outros fatores, fizeram surgir no atual plano o aumento de casos de divórcios e separações de casais, fomentando discussões e lides acerca da guarda dos menores, surgindo, em alguns casos, disputas imensuráveis pelas guardas dos filhos, inclusive conflitos que possam ocorrer no tocante à guarda compartilhada, desencadeando, dentre outros fatores, perturbações emocionais que contribuem para a concretização da alienação parental.

 

3 A ALIENAÇÃO PARENTAL NA GUARDA COMPARTILHADA

A Alienação Parental tem surgido como um mal que afeta significativamente na vida da criança e do adolescente, em virtude disso o tema tem sido frequente em discussões e estudos, razão pela qual faz-se necessário compreender a concepção em torno da guarda compartilhada, assim como os conceitos e características da Alienação Parental e as formas de identificação da mesma.

 

3.1. A Guarda Compartilhada

Os aspectos inerentes à guarda são regidos pelo Direito de Família, sendo assim, este instituto jurídico consiste na atribuição do dever de cuidado e zelo pela integridade da criança e do adolescente, como incumbência inerente aos responsáveis legais.

A guarda, antes de dissolvida a união, é exercida por ambos os pais ou por responsáveis, porém com a separação e/ou divórcio propriamente dito, é necessário definir com quem fica a responsabilidade do exercício deste dever de cuidado. Assim, consiste em uma atribuição para as partes zelarem pela convivência harmoniosa com os filhos assim como a proteção, cuidado, educação e afeto.

Por se tratar do melhor interesse do menor, a guarda deve ser exercida pelo genitor que melhor demonstre aptidão para zelar pelos seus interesses, criá-lo de forma adequada, cabendo ao ex-cônjuge o direito convencional, a fiscalização do desenvolvimento da guarda prestada pelo outro cônjuge, vale ressaltar que caso a separação seja consensual as partes convencionam as condições de quem exercerá o direito de guarda, já na separação litigiosa, visto que existe um conflito entre as partes, é o juiz quem determina, atendendo o melhor interesse do menor, conforme Jornada I STJ nº 102.

A fixação da guarda como visto deverá atender ao melhor interesse da criança, podendo as responsabilidades ser redefinidas pelas partes através da propositura da guarda compartilhada como solução coerente e momentânea, uma vez que não transitam em julgado por ser uma relação contínua, permite a revisão a cada fato novo podendo a outra parte pleitear a guarda do filho.

O Código Civil atual normatiza as espécies de guarda, podendo ser a guarda unilateral ou compartilhada,a primeira diz respeito à exclusividade atribuída a um só genitor da custódia dos filhos, já a guarda compartilhada é o compartilhamento do exercício do poder de família, aplicada quando não houver resolução do conflito consensual, deste modo garantindo o livre acesso aos filhos em regime de visitas que não comprometa o equilíbrio emocional do menor, responsabilizando-se ambos os genitores sobre a melhor condição de cuidados, educação, criação além dos valores e princípios que irão passar para seus filhos, minimizando os efeitos danosos pelo rompimento conjugal (LÔBO, 2009).

Nesse sentido, a aguarda unilateral é regida pelo art. 1583, § 1º, do Código Civil/2002, pois de acordo com o que dispõe Madaleno e Madaleno (2008, p. 521)a mesma“é atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua, possuindo o guardião não apenas a custódia física do filho, mas também o poder exclusivo de decisão quanto às questões da vida da prole.”

Corroborando com a definição da guarda compartilhada, é importante destacar os ensinamentos de Rosa (2015, p.70), o qual preleciona que:

Participar, compartir, partilhar, compartilhar. Palavras que indicam uma ação. Em se tratando da guarda de filhos, diretamente envolvidos estão os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Assim, o compartilhamento da guarda não pode ser reduzido à sinonímia dos dicionários, enquanto meras palavras esvaziadas de intenções reais, ou servir de “pano de fundo” para tendenciosas negociações por parte daqueles que, sob o manto de supostas intenções conciliatórias, objetivam alcançar compensações pessoais ou exclusivamente materiais.

 

Portanto, é possível verificar que a questão da guarda compartilhada não pode se restringir apenas à teoria de se compartilhar esse direito de convivência e dever de cuidado com os menores, sendo importante que haja uma efetiva concretização deste instituto na prática.

 

3.2. Conceitos e Características da Alienação Parental

Em primeiro momento, é importante deixar claro que a alienação parental deve ser distinguida da Síndrome da Alienação Parental. Assim sendo, a Alienação Parental é uma espécie de campanha feita por um genitor contra o outro para desmoralizar sua conduta através de uma técnica de tortura psicológica no filho, para que esse passe a desprezar, odiar o seu genitor afastando-se do mesmo. Já a Síndrome de Alienação Parental consiste na identificação dos problemas comportamentais, desordem psicológica e emocional que surge na criança (ALMEIDA JUNIOR, 2010)

A Lei não faz menção ao termo síndrome, mas sim à conduta, de acordo com Perez (2013. P.46) “a lei não trata do processo de AP necessariamente como patologia, mas como conduta que merece intervenção judicial, sem cristalizar única solução para o controvertido debate acerca de sua natureza”. Isso porque a conceituação do professor Richard Gardner, traz dificuldades de interpretação na letra da lei, ocorrendo duas possíveis interpretações da lei para o ato de alienação parental, consistindo no ato ilícito e ato de litígio, sendo o ato de litígio o conflito familiar existente no momento da separação ou divórcio, já o ato ilícito está caracterizado como a conduta criminosa que o alienador pratica contra o menor.

A denominação Síndrome de Alienação Parental surge em 1985 com o professor especialista do Departamento em Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos da América, cuja finalidade era buscar um rol de inclusão ao Manual de Diagnósticos e Estatísticos dos Transtornos Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana, através dos sintomas desenvolvidos pelas crianças no contexto de divórcios litigiosos e guarda (MADALENO, 2008).

Nesse sentido, um dos maiores peritos na área de separação e divórcio, Richard Gardner, identificou que na disputa litigiosa, os genitores tinham como objetivo o afastamento definitivo do ex-cônjuge dos filhos através de uma espécie de manipulação mental (MADALENO, 2008).

Sendo assim, é possível perceber que trata-se de um transtorno psicológico através de um conjunto de ações promovido por um dos genitores, avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que modifique a formação psicológica da criança ou adolescente por meio de estratégias de atuação, com o objetivo de repudiar, impedir, destruir seus vínculos afetivos com o outro genitor, sem justo motivo.

Nesse contexto, é necessário ressaltar que a alienação parental, propriamente dita, conforme salienta Darnall (2009) em seu início geralmente nas disputas judiciais pela guarda dos filhos, cujo sentimento de abandono, traição, mágoa, tristeza, frustração, medo, dentre outros, ultrapassam os limites do relacionamento amigável, gerando conflitos interpessoais, rompendo laços familiares fortes entre pais e filhos. Muitos desses sentimentos têma ver com a não aceitação do fim do relacionamento afetivo entre cônjuges, somado a instabilidade emocional, podem fazer com que pais utilizem seus filhos como instrumento de vingança.

É a combinação de manipulação mental com a contribuição da própria criança ou adolescente contra seu genitor não detentor da guarda, que age inconscientemente movido pela imagem errônea implantada sobre si através do seu genitor, criando fatos, opiniões, imagens, desagradáveis, perturbadoras e hostis. Assim, a criança pode apresentar problemas graves como depressão, crises de identidade, comportamento agressivo, desarranjo mental, e possivelmente pode ocorrer suicídio.

Desta forma, verifica-se que os meios para identificar a ocorrência desse fenômeno são variadas, necessitando de um enfoque interdisciplinar, em que vários profissionais podem contribuir para auxiliar o trabalho da jurisdição brasileira, corroborando para eliminar qualquer forma de conduta que vise violar o direito ao convívio familiar da criança e uma série de outras prerrogativas.

 

4A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL FRENTE À VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS MENORES DE IDADE

A conduta descrita como Alienação Parental pode causar uma série de prejuízos para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, ferindo uma série de direitos fundamentais, assim como princípios assegurados à pessoa humana, sendo importante compreender essas prerrogativas violadas e as formas de coibição adotadas pela legislação brasileira contra esses casos, inclusive no tocante a aplicação da responsabilidade civil, consistindo no dever de reparação do dano causado a esse indivíduo alienado.

 

4.1. Da violação dos direitos fundamentais da criança e dos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança e do adolescente nos casos de alienação parental

Diante dos vários problemas que a Alienação Parental pode desencadear e a violação de diversos direitos fundamentais da criança, verifica-se que isso impulsiona uma tortura emocional não somente para o menor, mas também para todos os envolvidos, inclusive para terceiros como seus avôs e demais entes por se tratar da mesma família e ver todo o desenlace afetivo e estrutural.

Nesse contexto, tratando-se da criança e adolescente, sabe-se que o problema emocional proveniente da alienação parental pode desencadear problemas extremamente sérios em toda fase de desenvolvimento do menor, surgindo problemas até mesmo de convívio social.

Por esse motivo, conforme Pereira (2003) aponta, a alienação parental é uma afronta ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e também ao Melhor Interesse do Menor disposto no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90. Previsto no ordenamento brasileiro, garante ao ser humano a preservação da sua integridade física e psíquica, consta no Art.1º, III, Constituição Federal de 1988, ao qual a Alienação Parental atingiu não somente a este princípio, mas também ao princípio do Melhor Interesse do Menor.

Nesse sentido, de acordo com o ECA os menores são considerados seres em desenvolvimento, porém atingem as mesmas condições de “pessoa”, fazendo jus às prerrogativas, apenas estão temporariamente em situação diferente de quem já atingiu a capacidade civil completa, conforme demonstra o Art.3º desta normativa. Por esse motivo, devem ter a sua dignidade e seus interesses respeitados, assegurando-lhes seu desenvolvimento, assim como protegendo a criança e o adolescente de todas as relações as quais faça parte.

Desta forma, estabelecidos os amparos legais, seja constitucional ou lei específica, percebe-se que qualquer dano causado por seus genitores, ferindo a dignidade da criança ou adolescente, atua de maneira inteiramente criminosa, previsto sem sombra de dúvidas no Art. 3º da Lei 12.318/10, ato identificado com alienação parental.

 

4.2. Medidas para coibição da Alienação Parental e a possibilidade da responsabilidade civil nesses casos

A demanda processual deve ser priorizada nos casos de alienação parental, cujas decisões judiciais sejam capazes de preservar os interesses do menor, assim como protegê-los de mal grave e psicológico. A Lei da Alienação Parental é clara com relação a finalidade de preservação e proteção, rechaçando qualquer possibilidade de tentativa de alienação parental, impondo ao juiz a tomada de decisão quando oportuna em caráter de urgência.

No caso de identificação da alienação parental, o juiz deve restabelecer as visitas do genitor alienado, e se houver necessidade o magistrado deve ordenar a realização de perícias psicológicas com perito devidamente habilitado, para diagnosticar a síndrome e o seu grau. Havendo indícios de pronto, antes mesmo nas análises, deve o juiz independente da responsabilidade civil ou criminal, evitar que se agravem os atos de alienação, através da utilização de instrumentos legais como: advertência, ampliação de visitas, estipulação de multa contra o alienador, ordenar terapias para os pais como forma de tratamento alternativo, e impor a guarda compartilhada ou alternar a guarda para o alienado em último caso, suspender o poder familiar do alienador (WAMBIER, 2015).

De igual forma, verifica-se que a Lei 12.318/10 inserida para alentar as famílias, assim como garantir os direitos das crianças e adolescentes no tocante a continuar tendo o direito de convivência com ambos os genitores essenciais para o seu desenvolvimento como pessoa, assim como garantir a dignidade da pessoa humana, exercida pela representação de seu genitor alienado.

Considerando essa perspectiva, pode haver casos em que essa conduta gere um considerável dano, evidenciando um nexo de causalidade com a conduta praticada pelo alienante, surgindo, assim, a responsabilidade civil, consistindo no dever de reparar o dano sofrido pela vítima.

Nesse contexto, etimologicamente o termo responsabilidade deriva do vocábulo Respondere, spondeo e possui ligação direta com o conceito de obrigação de natureza contratual originária do direito romano. Neste sistema a responsabilidade vinculava o devedor ao credor por meio de um contrato realizado verbalmente, com perguntas e respostas (AZEVEDO, 2004).

Sendo assim, a responsabilidade civil tem como função principal reparar os danos causados a uma determinada pessoa, ainda assim, existem mais dois tipos de funções no ordenamento civil, trata-se da função compensatória e a função reparatória, sendo essa última, conforme saliente Cavalieri Filho (2009, p. 13), a função principal da responsabilidade civil, ou seja, a de restabelecer o equilíbrio jurídico violado, encontrando parâmetro “no mais elementar sentimento de justiça”.

Portanto, ainda que persista a divergência doutrinária a respeito dos requisitos da responsabilidade civil, passa-se a abordar pela jurisprudência majoritária os quatro pressupostos de responsabilidade civil, quais sejam: a ação ou omissão do agente (conduta humana), nexo de causalidade, dano e culpa, apenas há distinção quanto a classificação que pode ser objetiva ou subjetiva. 

Nesse sentido, a culpa do agente não pressupõe elemento essencial para a responsabilidade civil, admite-se na legislação a culpa como pressuposto, na responsabilidade civil, a culpa se caracteriza quando o agente causador do dano não tinha a intenção de praticá-lo, mas por imprudência, negligência ou imperícia, sendo o autor obrigado a reparar. (VENOSA, 2011).

Assim sendo, no tocante à responsabilidade civil no contexto da Alienação Parental, destaca-se que o Estatuto da Criança e Adolescente institui que é dever da sociedade assim como de quem tem o poder de família, dar proteção e manutenção dos direitos relativos às crianças e adolescentes. Portanto, o art. 73 deste diploma legal estabelece que “a inobservância das normas de prevenção importará emresponsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei” (BRASIL, 1990).

Desta forma, a responsabilidade em que trata o artigo também diz respeito à responsabilidade civil, onde pode haver a responsabilidade por danos morais nos casos que envolva poder familiar, em que esta responsabilidade pode se dar na modalidade subjetiva, tornando-se obrigatório a comprovação dos seguintes elementos: ato ilícito, nexo causal, dano e culpa.

Corroborando com a compreensão acerca desta temática, Theodoro Júnior (2001 p.06) salienta que: “chegar-se à configuração do dever de indenizar, não será suficiente ao ofendido demonstrar sua dor. Mas somente ocorrerá a responsabilidade civil se estiverem reunidos todos os seus elementos essenciais”.

Portanto, verifica-se que a comprovação destes requisitos configuradores da responsabilidade civil na Alienação Parental, por vezes pode se demonstrar como um verdadeiro desafio, tendo em vista que esta conduta em sua maioria ocorre às ocultas e nem sempre é perceptível que a mesma esteja ocorrendo.

Nesse sentido, constata-se que o Abuso Afetivo decorrente de alienação parental é passível de configurar uma responsabilização para o responsável, a título de danos morais que pode ser pleiteada pelo alienado, pois sua prática automaticamente gera o dever de indenizar, sendo que a conduta do alienador e os demais requisitos inclusive a culpa, são os elementos que caracterizam a responsabilidade de indenizar o alienado, seja ele o menor ou até mesmo seu genitor, normalmente a punição estabelecida pelo ordenamento jurídico é de suspensão do poder familiar e a inversão da guarda do menor (HIRONAKA, 2009, p. 231).

Além disso, o art. 6º da Lei que dispõe sobre a Alienação Parental dispõe que:

Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso (BRASIL, 2010).

 

Assim sendo, verifica-se que a alienação fere o direito fundamental da criança ou do adolescente, não há que se falar do contrário. De acordo com Hironaka(2009, p. 212) é:

essencialmente justo, de buscar-se indenização compensatória em face de danos que os pais possam causar a seus filhos por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles são negados a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência materna ou paterna concretas, o que acarretaria a violação de direitos próprios da personalidade humana (...)

 

Portanto, a responsabilidade quanto ao poder familiar repercute na sociedade, cabendo aos genitores exercê-lo da melhor forma, a sua desídia caracteriza responsabilidade civil, onde o Estado tem o pleno direito de exigi-lo, assim como caso seja necessário, pedir a extinção do poder familiar, dentre outras medidas a fim de prevenir e de dar a efetiva punição a essa conduta alienante.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família sofreu por várias transformações ao longo dos anos, mas é inegável que a mesma exerce um papel fundamental para o desenvolvimento da criança e do adolescente como pessoa em diversas áreas de sua vida, mesmo que exista o rompimento do elo conjugal de um casal, é direito dos filhos manter a convivência com seus pais/responsáveis.

Assim sendo, a Alienação Parental e a Síndrome da Alienação Parental afetam consideravelmente muitas famílias, ainda que para muitas pessoas a síndrome  não tenha importância, e mesmo que não tenha uma patologia que seja especificada pelos profissionais da saúde, muitos são os problemas que crianças e adolescentes carregam ao longo dos anos em decorrência da alienação, causando transtornos severos psicológicos, estresse, ansiedade, depressão, agressividade, dificuldade de comunicação, entre outros. Inclusive, essa conduta prejudica a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana, assim como os direitos fundamentais da criança e adolescente estabelecido pelo Estatuto da Criança e Adolescente e demais legislações.

Conforme foi possível perceber, por muito tempo os casos de Alienação Parental eram tidos como atitudes comuns, em que não havia nenhuma interferência do Estado, ficando o menor desprotegido e sofrendo as circunstâncias do ato, por esse motivo, viu-se a necessidade de existir uma Lei específica que tratasse da alienação parental, lei essa de n. 12.318/10, a qual trouxe os respaldos necessários para a resolução dos conflitos familiares, ficando assim o judiciário incumbido de identificar com precisão a necessidade do menor que sofre com alienação parental e protegê-lo, neste caso ressaltasse a necessidade de trabalho em conjunto com os profissionais da psicologia para a solução seja satisfatória em todos os sentidos, sendo tomada uma série de atitudes para prevenir e punir tais casos, inclusive a possibilidade da responsabilização civil desses alienantes, desde que comprovados os requisitos necessários deste instituto legal.

 

REFERÊNCIAS

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___________. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF.

___________ . Lei da Alienação Parental. Lei n. 12.318, de 26 de agosto de 2010. Brasília, DF.

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GARCEZ,SergioMatheus. O novo direito da criança e do adolescente. Campinas: Alínea, 2008. p. 18

GAMA,Guilherme Calmon Nogueira da. Função social da família e jurisprudência brasileira. In: MADALENO, Rolf; MILHORANZA, Mariângela Guerreiro (Coord.). Atualidades do direito de família e sucessões. Sapucaia do Sul: Notadez, 2008. p. 115.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Os contornos jurídicos da responsabilidade afetiva na relação entre pais e filhos. In: EHRHARDT JUNIOR, Marcos; ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Leituras complementares de Direito Civil: Direito das Famílias. Salvador: JusPodivm, 2009. p. 212.

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