A Teaoria Da Interação Verbal: O Ensino e a Aprendizagem de Línguas [ Adotar é Preciso]
A TEORIA DA INTERAÇÃO VERBAL: O ENSINO E A APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS [ ADOTAR É PRECISO]
Marinho Celestino De Souza Filho[1]
Resumo: Este artigo apresenta a Teoria da Interação Verbal, proposta por Bakhtin (1997), como instrumento mais adequado, profícuo para o Ensino e Aprendizagem de Línguas.
Palavras-Chave: Teoria da Interação Verbal. Ensino e Aprendizagem de Línguas.
Abstract: This article presents the Theory of Verbal Interaction, proposed by Bakhtin (1997), as more adequate instrument, useful for the Teaching and Learning of Languages.
Key Words: Theory of Verbal Interaction. Teaching and Learning of Languages.
1 Introdução
Tratarei nesse trabalho, ainda que sumariamente, de um dos maiores filósofos da linguagem humana que o Ocidente e o Oriente já conheceram: Mikhail M. Bakhtin.
Nesse sentido, abordarei brevemente parte de sua biografia e as principais contribuições que ele deixou no que tange à linguagem humana, ou seja, a Teoria da Interação Verbal e, a vantagem que se obtém, quando se adota essa Teoria para o Ensino de qualquer Língua.
2 Breve comentário sobre a vida e a obra de Bakhtin
Sabe-se que, de acordo com Yaguelo in Bakhtin (1997), Bakhtin nasce em 1895 em Oriol numa família de antiga nobreza mal sucedida.
Ainda, segundo a autora acima mencionada, estuda na Universidade de Odessa e de São Petersburgo, onde se forma em História e Filologia em 1918.
Nesse sentido, após a sua formatura, consoante Yaguelo in Bakhtin (1997), muda-se para Vitebsk, casa-se e ingressa na carreira do magistério. Além disso, frequenta um pequeno círculo de intelectuais dos quais participam entre outros: Marc Chagall, P.N Medviédiev e V. N. Volochínov.
De acordo com a autora, anteriormente assinalada, esses dois últimos estudiosos amigos e a posteriori discípulos de Bakhtin é que assinaram suas primeiras obras.
Dentre elas, O Freudismo, publicado em Leningrado em 1925 e Marxismo e Filosofia da Linguagem também publicado em Leningrado, em 1929. Essas obras aparecem com a assinatura de Volochínov.
Já, O Método Formalista Aplicado à Crítica Literária (Leningrado, 1928) surge com o nome de Medviédiev. E em 1929, Bakhtin publica com sua própria assinatura, Os Problemas da Criação em Dostoievski.
Contudo, em conformidade com Yaguelo in Bakhtin (1997), nos anos trinta, desaparecem Volochínov e Medviédiev devido às pressões stalinistas e Bakhtin muda-se, residindo entre a Fronteira da Sibéria com o Cazaquistão.
Em sua nova residência, continua a lecionar e começa a escrever seu trabalho sobre Rabelais.
Nessa perspectiva, conforme Yaguelo in Bakhtin (1997), em 1946 defende sua tese, no Instituto de Literatura da Academia das Ciências da U.R.S.S., publicando-a em 1965 em Moscou com o título: Rabelais e a Cultura Popular da Idade Média e do Renascimento. Infelizmente, falece em 1975.
Isto posto, vejamos abaixo como se dá o processo da Teoria da Interação Verbal formulada por Bakhtin (1997).
3 Teoria da Interação Verbal
Nesse item, apontaremos como funciona de fato A Teoria da Interação Verbal proposta por Bakhtin (1997), segundo esse autor essa teoria consiste basicamente no Dialogismo, ou seja, na relação do Eu com o Outro.
Nesse aspecto, a teoria acima mencionada privilegia a Ação do Nós em detrimento da Ação do Eu.
Por isso, de acordo com a assertiva acima mencionada, Bakhtin (1997) sugere que devemos aceitar alguns axiomas, são eles:
- A linguagem estrutura o pensamento, condicionando-o e não o oposto.
- A Linguagem está impregnada de Ideologia, a saber, a Linguagem é determinada pela Ideologia e vice-versa.
- A Ideologia afeta a Linguagem e a História Oficial e não-oficial.
- A Linguagem é afetada pelo Horizonte Social do qual o sujeito participa.
- A Linguagem, A Ideologia, a História Oficial e não-oficial e o Horizonte Social são determinados pela Cultura.
Assim, após os axiomas acima assinalados, trataremos abaixo de algumas concepções de linguagem construídas no transcorrer da História da humanidade, por isso, só citaremos três dessas concepções, porque uma delas estará intrinsecamente ligada com A Teoria da Interação Verbal proposta por Bakhtin (1997).
Nesse sentido, há três concepções relevantes de linguagem que merecem destaque, de acordo com Kock (1997, p.9), são elas: [...] Linguagem como expressão do pensamento, Linguagem como ferramenta (instrumento) de comunicação, Linguagem como forma (lugar) de interação.
Assim, adotaremos ao longo desse trabalho, a última concepção de linguagem, anteriormente citada, pois; ela está intimamente ligada com a proposta que Bakhtin (1997) faz acera da Teoria da Interação Verbal.
Nesse processo, cremos que a Linguagem estrutura o pensamento, e, para comprovar esta afirmação, embasaremo-nos primeiro em Bakhtin e a posteriori em Marina Yaguelo.
Yaguelo in Bakhtin (1997: 16), mostra-nos que [...] Se a língua é determinada pela ideologia, a consciência, portanto o pensamento, a ‘atividade mental’, que são condicionados pela linguagem, são modelados pela ideologia.
Ora se a linguagem condiciona o pensamento e este é afetado, atravessado pela ideologia, logo é a linguagem que estrutura o pensamento, uma vez que ele (o pensamento) é condicionado, subordinado à linguagem e esta à ideologia, ou seja, ambos: pensamento e linguagem são determinados pela ideologia.
Para ratificar o que foi dito no parágrafo anterior, citaremos ainda os seguintes autores: Sonia Kramer (1994), Maria Tereza de Assunção (1996) e Carlos Aberto Faraco (2001) os quais certamente confirmarão o que dissemos anteriormente acerca da linguagem e do pensamento.
Sendo assim, segundo Kramer (1994, p. 73):
[...] Nesse sentido, para Bakhtin não é a atividade mental que organiza a expressão, mas a expressão que organiza a atividade mental. Dessa forma, ele se opõe a uma concepção mecanicista que aparta a língua da história e se opõe também, ao racionalismo que não capta a língua nos seus fatos vivos. Supera, então, de um lado, o subjetivismo idealista que só leva em consideração a fala e que tenta explicá-la a partir da vida psíquica individual do falante, mas ultrapassa, de outro lado, o objetivismo abstrato que rejeita a enunciação por ser individual. Para Bakhtin, o ato de fala – e seu produto, aenunciação – não pode ser explicadaapartir das condições do sujeito falante, mas também não pode dele prescindir. A enunciação é de natureza social, sendo, pois determinada pela situação e pelomeio mais amplo. Assim, a atividade mental só existe a partir de uma orientação social de caráter apreciativo. O pensamento não existe, portanto, fora de sua expressão potencial, nem fora da orientação social dessa expressão.
Dessa forma, Kramer (1994) é enfatizada por Freitas (1996, p. 138), quando afirma que:
[...] O centro organizador e formador da atividade mental não está no interior do sujeito, mas fora dele, na própria interação verbal. Não é atividade que organiza a expressão, mas é a expressão que organiza a atividade mental, modelando e determinando a sua orientação.
Confirmamos com Faraco (2001, p. 118) o já afirmado:
[...] A esse propósito e diante das considerações feitas acima, gostaríamos de dizer que não nos incluímos ente aqueles que entendem o dialogismo como uma weltanschauung, como um olhar compreensivo e abrangente do ser do homem e de seu fazer cultural. Um olhar que não está mirando apenas aspectos desse real, mas pretende captá-lo numa perspectiva de globalidade; que pensa a cultura como um vasto e complexo universo semiótico de interações axiologicamente orientadas, e entende o homem como um ser de linguagem (e, portanto, impensável sob a égide do divórcio homem/linguagem), cuja consciência, ativa e responsiva (e não mero reflexo do exterior, nem origem absoluta da expressão, mas lócus dinâmico do encontro dialógico do externo e do interno), se constrói e se desenvolve alimentando-se dos signos sociais, em meio às inúmeras relações sociointeracionais, e opera internamente com a própria lógica da interação sociossemiótica, donde emergem seus gestos singulares.
Percebemos que Faraco (2001) reafirma o que vimos dizendo até o momento e a única ressalva que faz é a de que: não se pode deixar de considerar a linguagem, a consciência e o sujeito destituídos do meio social do qual são participantes, no entanto, ainda assim muito antes de Faraco, Bakhtin (1997) já estabelecia a primazia do social, do diálogo e do outro em toda a sua obra.
Do exposto, faz-se necessário, neste momento, trataremos dos elementos os quais, conforme Bakhtin (1997) constitui uma autêntica Teoria da Interação Verbal.
Nesse aspecto, é com Bakhtin (1997, p. 112-113), que veremos como se dá a Teoria da Interação Verbal e quais elementos estão contidos no bojo desta Teoria, portanto, observemos:
Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado pelas condições reais em questão, isto é, antes de tudo pela situação social mais imediata. Com efeito, a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.).
[...] Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma importância muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade.
Sendo assim, Bakhtin (1997) nos mostra que os elementos participantes da Teoria da Interação Verbal são: a enunciação, a situação social, os participantes imediatos, o signo ideológico manifestado através da palavra (esta orientada em função do locutor) e o diálogo.
A enunciação seria o ato ou efeito de enunciar, ou melhor, apropriação da língua por dois interlocutores, estes inseridos em um determinado contexto social, ou seja, não há enunciação sem dois interlocutores e ainda sem que estes estejam inseridos num meio social do qual são participantes, por isso, a enunciação depende, a priori, de dois fatores: dois interlocutores e do meio social, sem os quais não haveria enunciação, porque, como nos mostra Benveniste (1989): o sujeito deixa pegadas, rastros, marcas de si mesmo nos enunciados por ele produzidos.
A situação imediata também segundo Bakhtin (1997) seria a característica de que todo enunciado para ser plenamente realizável estaria imanentemente relacionado com a realidade social. E ainda, conforme Bakhtin (1997), Os participantes imediatos pressupõem os interlocutores envolvidos no processo da Interação Verbal.
E quanto à palavra, ideologicamente marcada, é orientada em função do locutor.
Por conseguinte, de acordo com Bakhtin (1997), toda palavra comporta em seu bojo duas faces, a saber, toda palavra por si só apresenta uma dicotomia: ela se determina pelo fato de proceder de alguém e de se dirigir a alguém.
Já o diálogo constitui uma das formas mais importantes da Interação Verbal. Aliás, sem ele não haveria Interação Verbal.
Portanto, é a Interação Verbal que, realmente, fundamenta a linguagem.
Nesse sentido, é bom enfatizar ainda que a linguagem só se realiza, plenamente, por meio de sua expressão verbal, visto que a expressão verbal determina a consciência e a atividade mental, e não o oposto.
Sendo assim, a atividade mental estaria, intrinsecamente, relacionada com a tomada de consciência, ou melhor, a tomada de consciência seria a ação de duas atividades distintas; a atividade mental do eu e a do nós, as quais serão retomadas a posteriori, uma vez que, neste momento, interessa-nos mais descrever como se daria a interação pela expressão verbal.
Em sua filosofia sobre a expressão, Bakhtin (1997, p.12) nos mostra que:
A teoria da expressão que serve de fundamento à primeira orientação do pensamento filosófico-lingüístico é radicalmente falsa. O conteúdo a exprimir e sua objetivação externa são criados, como vimos, a partir de um único e mesmo material, pois não existe atividade mental sem expressão semiótica.
Desse modo, a primeira orientação do pensamento filosófico-linguístico surge com Ferdinand Saussure (1995), um dos mais importantes estudiosos da linguagem, que confere à Linguística o status de Ciência da Linguagem humana. Sua doutrina influenciou sobremaneira todo o pensamento científico no século XIX. A influência foi marcante, tanto no campo das Ciências Humanas, quanto no das Ciências Naturais.
No entanto, talvez um dos maiores equívocos de Saussure (1995) tenha sido o de desvincular a língua do mundo.
Apesar de priorizar a fala, manifestação individual da língua, Saussure (1995) dá mais relevância, ênfase ao sistema, isto é, à língua em si, tomada como um sistema abstrato herdado pelos falantes, porque a língua, mesmo sendo um fator social, não poderia ser mudada, criada; no máximo, de acordo com Saussure (1995), a língua seria apreendida vagarosamente pelas crianças, pelas pessoas que se dedicassem, exaustivamente, ao aprendizado de línguas.
Embora seja bastante importante a teoria de Saussure (1995) para a compreensão da linguagem humana, Bakhtin (1997) discorda radicalmente dele, denominando a teoria saussuriana de Objetivismo Abstrato, já que Saussure (1995) (estruturalista convicto) defendia uma visão de linguagem como elemento abstrato e objetivo, herdado pelas gerações, sem qualquer possibilidade de influência do sujeito sobre esse sistema.
Por isso, esse sistema teria um caráter monológico, no que tange à enunciação, e adia a idéia de que a expressão seria determinada, estruturada pela atividade mental o que para Saussure (1995) não fazia sentido algum.
Mas, Bakhtin (1997), ao contrário de Saussure (1995), mostra-nos o oposto: é a expressão que regula, estrutura a consciência, visto que não há atividade mental sem expressão semiótica, significativa, previamente, estabelecida.
A expressão semântica-semiótica é que influencia a consciência e esta a atividade mental. A atividade mental está, portanto, diretamente, relacionada com a sua orientação social que engendra os possíveis tipos de enunciação: súplica, pedido, ordem, solicitação, desejo etc.
Além disso, a partir da relação estabelecida entre a atividade mental com um ouvinte real ou em potencial (suposto ou pressuposto) é que se distinguem dois polos para a tomada de consciência e a elaboração ideológica intimamente relacionadas com os dois pólos acima mencionados, que são os seguintes: a atividade mental do eu e atividade mental do nós.
Para Bakhtin (1997), a atividade mental do eu é reducionista, dado que a enunciação, neste caso, não sofre influência do caráter social sobre o qual a expressão está inserida; seria comparado a um grito qualquer de qualquer animal, que descontextualizado socialmente, não teria valor de expressão, por isso, considerado puramente fisiológico.
Não obstante, a atividade mental do nós, pode ser considerada a autêntica expressão, posto que é influenciada pela situação social da qual participa, sem esquecer que é a expressão que influencia, estrutura a consciência e toda atividade mental, principalmente, a realizada por nós.
No que concerne à segunda orientação filosófico-linguística, Bakhtin (1997) trata da teoria da linguagem proposta por Wilhelm Von Humboldt apud Ramanzini (1990), enfatizava que a linguagem deveria ser concebida como uma dinâmica e constante criação humana, por isso, talvez um dos maiores preceitos formulados por Humboldt e depois mais tarde retomado por Chomsky (1965), teria sido o seguinte: o falante faz uso infinito da língua, utilizando um conjunto finito de regras, ou melhor, o falante com um conjunto de regras finitas, produz um conjunto infinito de enunciados.
Afirmava ainda que não existe linguagem sem pensamento, isto é, não há linguagem sem a participação efetiva do sujeito, tinha como expoente (apesar das diferenças), de acordo com Kramer (1994), Wundt, Vossler, Spitzer, Lorek e Lerck, por isso, Bakhtin (1997) classifica o tipo de linguística praticado por estes linguistas de subjetivismo idealista.
Desse modo, mostraremos como este movimento é visto pela Psicologia e depois como é abordado na linguagem.
Sendo assim, Freitas (1996, p. 61-62) nos revela que:
[...] A Psicologia Subjetivista, partindo da concepção de homem como ser autônomo e livre, não determinado pelo ambiente social, vê como função do processo educativo a facilitação de situações favoráveis ao desenvolvimento pleno do educando, baseado em suas tendências e predisposições naturais.
Apesar de Freitas (1996) desvelar a relação do subjetivismo abstrato entre a educação e a Psicologia, importa mais para este trabalho apenas o que diz sobre a teoria acima mencionada, ou melhor; o subjetivismo idealista, o qual considera tão somente a relação do sujeito com a linguagem, a saber, o mais importante nesta relação é que o sujeito age e reage através da linguagem, há uma ilusão do sujeito, que nesse caso, seria totalmente livre para pensar e agir.
Porém, Japiassu (1982, p. 182-183), revela-nos, justamente, o oposto:
Marx viu nesta doutrina do sujeito pensante, simbolizada no Cogito de Descartes, mas que também foi retomada pela filosofia de Hegel, a manifestação da ideologia burguesa clássica. Ao criticar a filosofia idealista clássica inaugurada pelo Cogito, Marx quer conduzir o espírito a uma atitude de convicção relativa à realidade do sensível, mas depois da experiência de uma despossessão ilusória da convicção elementar. Ele não é nem pré-cartesiano nem pré-idealista, mas pós-hegeliano e, conseqüentemente, pós-idealista. Sua convicção realista não é mais ingênua. Para ele, é o idealismo que constitui uma aberração e uma ingenuidade. Daí passar a criticá-lo. E o resultado da crítica do ‘eu pensante’ filosofia idealista, apresenta-se de dois modos: como resultado dogmático e como resultado crítico:
a) Em primeiro lugar, o ‘eu’ do Cogito não pode ser reduzido ao simples ‘eu’ abstrato de um ato puro de pensamento, ao qual corresponderiam às realidades exteriores. Sem dúvida, ele é o eu pensante, consciente de si, embora solidário a um corpo individual e a um universo natural e social. A determinação da consciência não é apenas a atualização da vida mental. Tampouco se reduz à atualização do “pensamento”, como afirma Descartes, cortado do enraizamento efetivo no universo e no corpo vivo do ser consciente. Pelo contrário, a “determinabilidade” da consciência é a totalidade dessa atualidade condicionada, de fato, e determinada pela vida, e numa conexão com o universo natural-histórico de que podemos separar-nos sem tornar-nos filósofos abstratos. Não há autarquia do sujeito pensante, a não ser que a filosofia faça comédia. Eis o resultado dogmático da operação crítica do sujeito pensante;
b. Ao mesmo tempo, porém este sujeito pensante também é um sujeito vulnerável a essa ilusão de autarquia, ilusão que se produz naturalmente em virtude de suas pertenças afetivas e de sua educação prévia. Essa ilusão é tanto maior quanto mais se torna inconsciente e se incorpora à consciência de si do filósofo. O resultado consiste em convencer o “eu pensante” de ilusão, mais ou menos imbuído de autarquia idealista, e em demonstrar publicamente o mecanismo de sua ilusão. Eis o resultado crítico da mesma operação.
De acordo com citação acima mencionada, percebemos que o sujeito está condicionado ao universo natural, histórico e social do qual participa e Kramer (1994, p. 72) reafirma o que fora dito por Japiassu (1982), anteriormente:
Para o subjetivismo idealista, o fenômeno lingüístico é ato significativo da criação individual: a língua é atividade ininterrupta, as leis da lingüística são as leis da psicologia individual e a criação lingüística é análoga à artística. A lingüística seria, assim, no entender de Humboldt, Wundt, Vossler, Croce (em que pesem as diferenças entre eles) uma ciência da expressão. Dicotomizadas vida interior – vida exterior, a primazia é do interior do pólo subjetivo.
Por conseguinte, das duas correntes, anteriormente apontadas, podemos inferir que o objetivismo abstrato nega, totalmente, o sujeito, isto é, nega a participação do sujeito na linguagem, porém, o subjetivismo idealista afirma a participação desse mesmo sujeito na linguagem, dando-lhe lugar de destaque, deiviticando-o, ou seja, a linguagem se dá, exclusivamente, pelo e no sujeito, já que para esta tendência a linguagem seria considerada uma superestrutura, completamente diferente da visão bakhtiniana, porque, para Bakhtin (1997) o discurso estaria ligado à palavra e a palavra à enunciação.
Sendo assim, o autor de Marxismo e Filosofia da Linguagem busca um meio termo para tratar da questão acima mencionada, ou melhor, revela-nos que a linguagem não é desvinculada do mundo (como quer o objetivismo abstrato) e nem o sujeito é desvinculado do meio social – onde está inserido – (como quer o subjetivismo idealista), a saber; o sujeito age, mas age em função da linguagem e do meio social sobre o qual está inserido, por isso, o sujeito não é assim tão independente como apontava Descartes (1984) em sua teoria do Cogito.
3 Considerações Finais
Do exposto, adotar A Teoria da Interação Verbal proposta por Bakhtin (1997), coaduna, justamente, com o pressuposto acerca do Ensino e da Aprendizagem propalado por Freire (1976): ou seja, a Aprendizagem participa de um processo mais amplo da educação, cujo sentido não deve ser adotado unilateralmente, pois, se assim o fosse, haveria um forma de domestificação e não-libertadora, contudo, a Aprendizagem deve transitar em ambos os sentidos, dialeticamente, de tal forma que o professor além de ensinar, passa a aprender e o aluno além de aprender passa a ensinar.
Nesse sentido, o processo dialético proposto por Freire (1976) “casa” perfeitamente com A Teoria da Interação Verbal assinalada por Bakhtin (1997), especialmente, no que tange ao Ensino e a Aprendizagem de qualquer língua, já que esse processo dialético sobre a Aprendizagem está imanentemente relacionado com a proposta de Bakhtin (1997), demonstrando ser bastante profícua e vantajosa, pois, Bakhtin (1997) revela-nos que a linguagem além de estruturar o pensamento, ser atravessada e influenciada pela ideologia, expressando nossas emoções, sentimentos, desabafos, ou seja, o mundo, a realidade social que nos cerca e inclusive a criação de mundos possíveis (imaginados, fictícios, literários) por meio da ação do Nós sobre o Eu, porque, sabe-se de acordo com Bakhtin (1997), que o cerne da Teoria da Interação Verbal é mostrar, justamente, que é possível ensinar e aprender qualquer língua por meio do Dialogismo [que consiste, de certa forma, na dialética da aprendizagem propalada por Freire (1976) ], de sujeitos os quais falam, expressam sua opinião, seu pensamento, ou melhor, sujeitos que agem e reagem por meio da linguagem, sem deixar de considerar: a enunciação, a ação do Nós em detrimento do Eu, a ideologia, o horizonte social do qual participam e, principalmente, a linguagem que utilizam para se integrarem socialmente , podendo por meio dessa linguagem modificar o meio social em que vivem e até melhorar o mundo que os cerca.
4 Referências Bibliográficas
BAKHTIN, Mikhail (1997). Marxismo e filosofia da linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec.
BENVENISTE, E. (1989). O aparelho formal da enunciação. In: Problemas de Linguística Geral II. 3 ed. São Paulo: Pontes.
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DESCARTES, Rene. (1984). Principios da Filosofia. Editora: Guimaraes Editores, Lisboa.
FARACO, Carlos Alberto, CASTRO, Gilberto de & TEZZA, Cristóvão. (Orgs.) (2001). Diálogos com Bakhtin. 3 ed. Curitiba: Editora da UFPR.
FARACO, Carlos Alberto (2009). Linguagem e Diálogo: as idéias linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial.
FREIRE, Paulo. (1976). Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
FREITAS, Maria Tereza de Assunção. (1996). Vygotsky e Bakhtin – Psicologia e Educação: um intertexto. 3 ed. São Paulo: Ática.
JAPIASSU, Hilton. (1982). Nascimento e morte das ciências humanas. 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves S.A.
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RAMANZINI, Haroldo (1990). Introdução à Linguística Moderna. São Paulo: Ícone.
SAUSSURE, Ferdinand de (1995). Curso de Linguística Geral. 20 ed. São Paulo: Cultrix.
[1] Mestre em Linguística, Professor da Cadeira de Língua Portuguesa no IFRO – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia – Campus Ariquemes - Emeio: marinho.filho@ifro.edu.br