25/09/2025

Ancestralidade na Educação Infantil: Identidade, Diversidade e Formação Humanizadora

Coraline-2

Adalgisa Pereira Corrêa Alves

Licenciatura em Letras - Língua Portuguesa e Inglês. Especialista em Docência para Educação Profissional. Primavera do Leste, MT.

Sandra Ribeiro da Silva

Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Docência para educação Infantil. Primavera do Leste, MT.

Heloiza Tainá de Souza

Graduanda em Psicologia. Primavera do Leste, MT.

Silvana Regina Brancalhão Mazzo

Licenciatura em Pedagogia. Graduação em Administração. Primavera do Leste, MT.

Joelma Veiga da Silva

Licenciatura em Pedagogia. Primavera do Leste, MT.

 


      A ancestralidade na educação infantil constitui um campo fundamental de reflexão e prática pedagógica, pois trata-se do momento em que a criança inicia suas primeiras experiências escolares e de socialização mais ampla. Ao abordar a ancestralidade, não se trata apenas de trazer para o espaço escolar aspectos históricos ou culturais de determinados grupos, mas de reconhecer que cada criança carrega em si marcas, memórias e saberes transmitidos por suas famílias e comunidades, que precisam ser valorizados e incorporados ao processo educativo. Nesse sentido, a ancestralidade está diretamente relacionada à formação da identidade e ao fortalecimento da autoestima, especialmente em um país diverso como o Brasil, marcado pela presença de povos indígenas, africanos, europeus e por suas múltiplas formas de interação cultural.

      A educação infantil, por ser a etapa inaugural da escolarização, tem papel decisivo no desenvolvimento integral da criança. É nesse período que se constroem as bases cognitivas, sociais e emocionais que acompanharão o indivíduo ao longo da vida. Incluir a ancestralidade nesse processo significa promover uma pedagogia que respeita as diferenças, valoriza a diversidade e reconhece a importância da memória coletiva. Segundo Gomes (2017), a ancestralidade não se limita ao passado, mas constitui uma dimensão viva que orienta a forma como os sujeitos se percebem e se relacionam com o mundo. Para as crianças pequenas, esse reconhecimento é essencial, pois favorece a construção de identidades seguras e positivas, capazes de resistir a estigmas e preconceitos que ainda permeiam a sociedade.

      A escola, como espaço de socialização de saberes, tem a responsabilidade de romper com práticas pedagógicas que invisibilizam ou inferiorizam determinadas culturas. A aprovação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana, reforça a necessidade de contemplar a ancestralidade como dimensão pedagógica. Na educação infantil, esse trabalho pode ocorrer por meio de atividades lúdicas, narrativas orais, músicas, danças, artes visuais e brincadeiras tradicionais, recursos que dialogam diretamente com a linguagem e a sensibilidade das crianças. Silva e Fonseca (2010) destacam que a inserção da ancestralidade no cotidiano escolar possibilita o desenvolvimento de práticas educativas mais inclusivas e próximas da realidade dos alunos, criando um ambiente em que cada criança se sente representada.

      Além disso, o trabalho com ancestralidade contribui para que as crianças aprendam desde cedo a respeitar as diferenças, ampliando sua visão de mundo. Quando expostas a histórias, mitos, símbolos e tradições de diferentes grupos culturais, elas passam a compreender que a sociedade é composta por múltiplas vozes e experiências. Essa valorização da diversidade não apenas combate o preconceito, mas também forma cidadãos mais críticos e solidários. Freire (1996) já alertava que a educação deve ser um ato de reconhecimento e libertação, capaz de dar visibilidade aos sujeitos historicamente marginalizados. Assim, trazer a ancestralidade para a educação infantil é, também, uma prática de resistência e de construção de uma sociedade mais justa.

      Entretanto, esse processo não está isento de desafios. Muitos professores ainda não receberam formação adequada para trabalhar com conteúdos relacionados à ancestralidade e às questões étnico-raciais. Gatti (2014) observa que a formação inicial docente, em geral, dedica pouco espaço à diversidade cultural, o que pode gerar insegurança ou até mesmo resistência em lidar com o tema em sala de aula. Soma-se a isso a persistência de currículos engessados, que privilegiam narrativas eurocêntricas e silenciam outras perspectivas históricas e culturais. Para superar tais obstáculos, é necessário investir em formação continuada, ampliar o acesso a materiais didáticos representativos e promover práticas pedagógicas que dialoguem com a realidade das crianças e de suas comunidades.

      Outro ponto fundamental é o envolvimento das famílias no processo educativo. A ancestralidade não se limita ao espaço escolar, mas é vivida cotidianamente nos lares e comunidades. Projetos pedagógicos que envolvem pais, avós e demais familiares podem enriquecer as práticas escolares, trazendo para a sala de aula saberes tradicionais, histórias de vida e práticas culturais que fortalecem o vínculo entre escola e comunidade. Esse diálogo possibilita que as crianças reconheçam suas origens e se sintam orgulhosas de sua história, contribuindo para a construção de uma autoestima positiva.

      A ancestralidade, portanto, deve ser entendida como dimensão constitutiva da educação infantil. Ao valorizá-la, a escola contribui para formar crianças mais conscientes de si, respeitosas com os outros e críticas diante das injustiças sociais. Não se trata apenas de cumprir uma exigência legal, mas de assumir um compromisso ético e pedagógico com a construção de um mundo em que todas as identidades sejam reconhecidas e respeitadas. Nesse processo, o professor torna-se mediador de saberes, criador de experiências e incentivador de uma visão de mundo plural e inclusiva.

      Conclui-se que trabalhar a ancestralidade na educação infantil é abrir caminho para uma aprendizagem significativa, que integra cultura, identidade e cidadania. Ao reconhecer no passado e nas memórias coletivas os fundamentos da vida presente, a escola contribui para que as crianças cresçam não apenas com conhecimentos acadêmicos, mas também com orgulho de suas origens e sensibilidade para conviver em uma sociedade marcada pela diversidade.

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