22/04/2012

As cicatrizes da Revolução: de Jango à comissão da Verdade

Um dos deveres intransferíveis da educação é formar a consciência (capacidade crítico-reflexiva) e a sensibilidade (capacidade de intervir) da população em relação a sua própria memória. Assim um dos episódios mais cruéis da história contemporânea do Brasil, a Revolução de 1964, que é descrito como passo natural para a nação,dadas as condições da época precisa ser recontado. Segundo as versões didáticas, vivia-se num tempo de instabilidade, de um governo fragilizado, comandado por um presidente fraco, com tendências comunistas e de competência duvidosa, o que justifica o uso da força e da repressão para restabelecer a ordem.

 

Além disso, passados 47 anos da Revolução de 1964, que na realidade se caracterizou por um golpe de Estado na mais crua acepção do termo, o Brasil ainda discute se deve ou não revelar a verdade sobre o que aconteceu em 21 anos de Regime. A criação da chamada comissão da verdade tem gerado discussões polêmicas em torno dos seus propósitos e resultados. O fato é que após décadas do fim do Regime, há ainda dúvidas, dores e cicatrizes que não permitem esquecer um dos períodos mais tristes e traumáticos da história recente do Brasil.

 

O que se percebe é que além da crueldade dos fatos há também a da forma como estes foram descritos. Personagens são lançados ao esquecimento ou ainda são descritos de forma absurdamente destorcida, beirando ao crime. Um destes personagens é o então presidente João Belchior Marque Goulart (Jango), visto como um político fraco, submisso e até incapaz por alguns autores, que inclusive o responsabilizam pelo ocorrido e por suas conseqüências. O desrespeito à sua memória o transformou em personagem condenado a marginalidade histórica expondo-o a ridicularização por ter sido um pacifista e legalista.

 

Se a nação ainda chora o sangue derramado e o horror vivido pelas vítimas da “revolução”, deve-se a Jango, a capacidade e a coragem de renunciar às próprias glórias, em nome da preservação da vida de milhares de brasileiros. Poderia, segundo a história, ele próprio ter lutado e deflagrado um golpe e sujeitado a nação a uma guerra civil, para manter-se no poder. Assim, é preciso reescrever a história para que se chegue o mais próximo possível à VERDADE. Assim como Jango, aos poucos desaparecem da história brasileira, personagens colossais, como Miguel Arraes, Leonel Brizola, Dom Paulo Evaristo Arns sem contar milhares de outros anônimos que de fato construíram o que hoje chamamos de “redemocratização”.

 

Alguns destes anônimos sacrificaram suas vidas, expuseram-se à humilhações, foram submetidos à torturas de toda sorte. Não é justo esquecê-los, simplesmente ignorá-los ou ainda macular sua memória considerando-os simples subversivos. Diante disto, ao criar a comissão da verdade, a atual geração está apenas restaurando parte da dignidade das vítimas de um período que envergonha a todos que acreditam no inviolável direito à vida. É um inegável momento histórico, que não pode passar despercebido sob pena, de enterrarmos, além das vítimas, a história e a dignidade do povo brasileiro.

 

Educar é também reescrever a história para que ela não repita seus horrores, para que os seres humanos possam lançar-se ao desafio de recomeçar de um jeito diferente. Educar é também honrar a memória de quem “não temeu a própria morte” diante da perspectiva de entregar às futuras gerações, uma “pátria mãe mais gentil”.

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