As mudanças na legislação da Pós-Graduação lato sensu no Brasil
A legislação que envolve a Educação Superior no Brasil passou por diversas mudanças nos últimos 20 anos. Quando tratamos especificamente de pós-graduação lato-sensu o cenário se repete, porém com algumas peculiaridades. Em todas as resoluções, as regras para os cursos permanecem praticamente as mesmas quanto a reconhecimento, carga horária, frequência e corpo docente, sendo que as únicas mudanças, basicamente, são em função de uma questão latente: a oferta dos cursos fora da sede. As discussões em torno desta questão são fomentadas em função das contradições existentes em todas as resoluções e pareceres já expedidos. Entre os principais documentos, estão:
- A Resolução nº 2 de 20 de Setembro de 1996
- O Parecer nº 44 de 07 de Agosto de 1996
- A Resolução nº 1 de 03 de Abril de 2001
- O Parecer nº 263 de 09 de Novembro de 2006
- A Resolução nº 01 de 08 de Junho de 2007
E ainda, sobre o Credenciamento Especial de Instituições não-educacionais para oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, temos:
- A Resolução nº 05 de 25 de Setembro de 2008
- A Resolução nº 04 de 16 de Fevereiro de 2011
- A Resolução nº 07 de 08 de Setembro de 2011
Complementar a estas, recentemente a SERES – Secretaria de Regulamentação e Supervisão do CNE/MEC expediu a Nota Técnica nº 388/2013 que fala especificamente da Resolução nº 01 de 08 de Junho de 2007.
AS ANTIGAS RESOLUÇÕES E A DELIMITAÇÃO GEOGRÁFICA
A Resolução nº 2 de 20 de Setembro de 1996 juntamente com o Parecer nº 44 de 07 de Agosto de 1996 foram completamente revogados pela Resolução nº 1 de 03 de Abril de 2001. As principais mudanças que tivemos de uma resolução para outra estão compreendidas nos seguintes termos:
Art. 2:
“§ 1º Os cursos devem situar-se na unidade da Federação em que se localiza a entidade que os ofereçam.”
“§ 2º As instituições que não atendam ao disposto no caput deste artigo podem submeter seus projetos de criação de cursos à Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, desde que tenham no mínimo especialização consolidada na área, ou em área correlata.”
“Art. 3º O caráter dos cursos será sempre excepcional e emergencial, somente podendo tornar-se permanente se for instalado em um dos campi que integram a estrutura da Universidade.”
“Art. 4º A autorização de funcionamento dos cursos será sempre específica para o local solicitado.”
“Art. 9º A qualificação mínima exigida do corpo docente é de ¾ de seus membros com o título de mestre ou doutor, obtido em cursos reconhecidos.”
“§ 3º Os cursos poderão ser ministrados em uma ou mais etapas, não excedendo o prazo de 2 (Dois) anos consecutivos para o cumprimento da carga horária mínima.”
“Art. 12 Nenhum curso poderá iniciar seu funcionamento sem atender ao disposto na presente Resolução”.
“Parágrafo único. Na hipótese do art. 2º, § 2º, os cursos somente poderão ser objeto de divulgação e publicidade depois de autorizados pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação”.
Portanto, a partir da Resolução nº 1 de 03 de Abril de 2001, temos:
- Revogada a necessidade de autorização ou reconhecimento específico para cada curso e local, conforme Art. 6:
“Art. 6º Os cursos de pós-graduação lato sensu oferecidos por instituições de ensino superior ou por instituições especialmente credenciadas para atuarem nesse nível educacional independem de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento e devem atender ao disposto nesta Resolução.”
- A quantidade de Mestres e Doutores no corpo docente altera-se de 75% para 50%:
“Art. 9º O corpo docente de cursos de pós-graduação lato sensu deverá ser constituído, necessariamente, por, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) de professores portadores de título de mestre ou de doutor obtido em programa de pós-graduação stricto sensu reconhecido.”
Vale lembrar que a exigência de que o curso ocorra mesma Unidade da Federação (Resolução de 1996) não é citada na Resolução de 2011 tampouco na Resolução de 2007. É apenas revogada juntamente com os demais itens, através de seu artigo final:
“Art. 13 Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas a Resolução CFE 5/83, as Resoluções CNE/CES 2/96, 1/97 e 3/99 e demais disposições em contrário.”
Esta questão é citada somente no Parecer 263/2006, onde o então Secretário da Educação Superior, Nelson Maculan, sugere que haja uma delimitação geográfica de atuação das IES, conforme abaixo:
“Art. 13 As instituições de ensino superior e as instituições especialmente credenciadas para ministrar curso de especialização em nível de pós-graduação lato sensu devem restringir sua atuação à unidade da Federação em que estão sediadas”.
“§ 1º As universidades e outras instituições que tenham cursos de mestrado e/ou doutorado reconhecidos pela CAPES poderão ministrar cursos de especialização em nível de pós-graduação lato sensu fora de sua unidade federada, desde que constem dos respectivos Planos de Desenvolvimento Institucional (PDI) e evidenciem nos projetos dos cursos a existência, no local, entre outros requisitos, de corpo docente qualificado, de biblioteca especializada e material de apoio, incluindo recursos em informática e laboratórios, quando for o caso”.
Nas considerações do relator, o então Conselheiro, Milton Linhares, tem - em seu voto - o seguinte posicionamento sobre o tema:
“Entendemos, entretanto, que uma regulamentação que restrinja a área geográfica de atuação das IES devidamente credenciadas, no que concerne a cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de especialização, para suas unidades-sede da federação, e, ainda, estabeleça a exigência da vinculação da oferta desses mesmos cursos aos superiores de graduação pré-existentes e devidamente autorizados, obviamente poderá cercear a necessária expansão da pós-graduação brasileira, nos termos em que ela é legalmente definida (Art. 44-LDB), bem como sustará os efeitos da flexibilidade já alcançados pelo sistema de ensino superior em suas relações com o mercado de trabalho. Nesses dois aspectos, tanto as instituições particulares quanto as públicas seriam afetadas por tais entendimentos.
De outro lado, as instituições especialmente credenciadas para a oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, em nível de especialização, por não se enquadrarem como IES devem atuar, única e exclusivamente, na área do saber e no endereço indicados em seus respectivos atos autorizativos de credenciamento.”
A Câmara de Educação Superior aprovou, por unanimidade, o voto do relator.
OS CREDENCIAMENTOS ESPECIAIS
A resolução nº 07 de 08 de Setembro de 2011 trata especificamente do Credenciamento Especial de Instituições não-educacionais e, em suma, declara a impossibilidade destes credenciamentos, ressalvadas as escolas de governo, conforme Art. 1º e Art. 2º, respectivamente:
“Art. 1º Fica extinta a possibilidade de credenciamento especial de instituições não educacionais para a oferta de cursos de especialização, nas modalidades de educação presencial e a distância.”
“Art. 2º As escolas de governo criadas e mantidas pelo Poder Público, precipuamente para a formação e o desenvolvimento de servidores públicos, na forma do art. 39, § 2º, da Constituição Federal de 1988, e do Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, poderão oferecer cursos de especialização na modalidade de pós-graduação lato sensu, nos termos da Resolução CNE/CES nº 1, de 8 de junho de 2007, desde que se submetam a processo de credenciamento educacional pelo Ministério da Educação.”
As demais resoluções e pareceres ficam revogadas, inclusive o § 4º da Resolução de 2007, que rege a pós-graduação lato sensu até hoje, conforme Art. 6º:
“Art. 6º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogados a Resolução CNE/CES nº 5, de 25 de setembro de 2008, o § 4º do art. 1º da Resolução CNE/CES nº 1, de 8 de junho de 2007, e a Resolução CNE/CES nº 4, de 16 de fevereiro de 2011, ao mesmo tempo em que ficam sem efeitos os Pareceres CNE/CES nº 82/2008 e CNE/CES nº 908/1998.”
Ocorre que as escolas que não eram Instituições de Ensino Superior perderam o “Credenciamento Especial” junto ao MEC, conforme os Art. 4º e 5º, citados abaixo.
“Art. 4º As instituições não educacionais já especialmente credenciadas, cujo ato autorizativo em vigor não estipulou prazo de duração e que se enquadravam na condição estabelecida pelo art. 9º da Resolução CNE/CES nº 5, de 25 de setembro de 2008, ora revogada, poderão praticar os atos acadêmicos e administrativos para a conclusão da formação dos estudantes ingressados até o dia 31 de julho de 2011.
Parágrafo único. Os atos autorizativos de credenciamento especial com prazo determinado, ainda em vigor, permanecem válidos até o vencimento, não podendo ser renovados ou prorrogados.
Art. 5º Os processos de credenciamento especial em tramitação, tanto nas Secretarias do Ministério da Educação quanto no Conselho Nacional de Educação, e ainda não decididos, serão arquivados após a publicação da presente Resolução, ressalvado o disposto no art. 2º”.
A maioria destas escolas eram instituições muito conhecidas e tradicionais, sendo em alguns casos, referência até mesmo em cursos de Pós-Graduação Scricto Sensu.Para dar continuidade ao seu trabalho, estas escolas vincularam-se a Instituições de Ensino Superior (Faculdades, Centros Universitários ou Universidades), como Núcleos Avançados de Pós-Graduação ou entraram com recursos no MP para garantir a sua autorização de funcionamento.
A PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU NA ATUALIDADE:
A Resolução nº 01 de 08 de Junho de 2007 é abrangente e dá autonomia para que as IES trabalhem de forma livre com relação aos temas, especialidades e localização geográfica de seus cursos de pós-graduação lato sensu, sendo as suas exigências maiores em questão de carga horária mínima, que deve ser de 360 horas-aula, corpo docente composto por um mínimo de 50% de mestres e doutores e frequência mínima dos alunos de 75%. Obviamente, em algumas áreas não é possível realizar cursos observando apenas o mínimo exigido pelo CNE/MEC, como por exemplo, a Odontologia, que tem cursos de especialização que passam de 2.000 h/a.
O que ocorre é que em função da liberdade geográfica de atuação, algumas Escolas, antes especialmente credenciadas, que “vincularam-se” a IES em função da Resolução nº 07 de 08 de Setembro de 2011, recebem somente a “chancela” destas IES, sem que as mesmas tenha nenhum envolvimento acadêmico com as escolas, o que caracteriza a terceirização do curso, ou seja, a IES estende de forma ilegal os seus Atos Autorizativos a instituições não-educacionais. A Nota Técnica 388/2013surgiu com o intuito de regularizar situações como estas.
É importante ressaltar que neste caso a Nota Técnica 388/2013, trata especificamente da terceirização de atividades acadêmicas, não citando quaisquer proibições quando a contratação de outra estrutura para gerenciar administrativamente os cursos fora da sede, conforme item II.4, parágrafo 10:
“Quanto à hipótese de contratos, convênios ou parcerias, é importante informar que quaisquer atos autorizativos expedidos em favor de determinada Instituição de Educação Superior – IES após processos avaliativos específicos, são personalíssimos, portanto, restritos à IES para a qual foram emanados, vedada a terceirização de atividades academicas da IES e entidades não credenciadas. Assim, eventual terceirização de atividades acadêmicas de uma instituição, incluindo-se as relacionadas a oferta de curso de pós-graduação lato sensu e de transferência de prerrogativas institucionais, configura irregularidade administrativa, sem prejuízo dos efeitos da legislação civil e penal, nos termos do Art. 11 e parágrafos do Decreto nº 5.773/2006.”
AS CONTROVERSIAS DA NOTA TECNICA 388/2013
Há ainda alguns pontos discutíveis a respeito da Nota Técnica 388/2013, a exemplo:
- Se levarmos em consideração do fato de que uma Nota Técnica é a explicativa de uma Resolução, Parecer ou Lei, não tendo esta o poder de Emenda ou Lei Complementar, a Nota Técnica 388/2013 perderia o seu valor, visto que traz temas que sequer são citados na Resolução nº 01 de 08 de Junho de 2007, como por exemplo, a possibilidade de parcerias para a oferta dos cursos.
- Quanto a atuação da SERES ao expedir esta NT, a Lei 4.024/1961, Art. 7º § 1º, “d”, e § 9º, § 20, “h” e ainda o Art. 90 da Lei 9.394/1996 são claros na definição do papel do CNE que recebe a responsabilidade exclusiva de emitir quaisquer documentos explicativos quanto a legislação da Educação Superior, o que tornaria esta NT uma ação descabida e imprópria, mesmo havendo o decreto 7.480, de 02/03/2012, Art. 26 que concede estes poderes para a SERES, visto que um Decreto não tem poder superior a uma Lei.
- Conforme a Constituição Federal, em seu Art. 209 “o ensino é livre à iniciativa privada”, segue:
“Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”
- É válido lembrar também que a Resolução de 2007 não dá diretrizes para a contratação de professores, o que, inclusive, é citado no Parecer 146/2009 que expõe que não há forma específica para tal e onde o CNE diz não ser responsável pela determinação destas diretrizes, orientando o relator a procurar assessorias jurídicas das IES, conforme trecho:
“Pelo exposto, e para que se respeite a legislação infraconstitucional e não se incorra em conflito de leis, manifesto-me no sentido de que a este Conselho não compete emitir parecer esclarecendo a forma de contratação dos docentes que as IESs devem seguir no oferecimento dos cursos de Pós-Graduação Lato Sensu, se as IESs podem contratar docentes nestes programas de forma terceirizada ou se existe a necessidade da comprovação do vínculo empregatício, como solicita o Presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região em seu ofício.
Esse questionamento deve ser respondido por Assessorias Jurídicas das Instituições, às quais cabe orientação sobre o cumprimento da legislação aplicável.”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a disparidade do desenvolvimento social do Brasil e as gritantes diferenças de níveis de escolaridade entre os estados brasileiros, bem como a carência de profissionais qualificados em determinadas regiões, torna-se indispensável o incentivo e a difusão de cursos de pós-graduação lato sensu em todo o território nacional, portanto, a liberdade geográfica das IES para a instalação de tais cursos é inquestionável.
Entende-se que todas estas medidas têm como objetivo garantir a qualidade dos cursos, proporcionando aos alunos que cursam fora da sede a mesma proposta didático-pedagógica praticada na IES, porém, se houvesse atenção efetiva por parte do MEC as instituições – no que tange a pós-graduação lato sensu – estas regulamentações de caráter proibitivo nem seriam cogitadas, visto que a qualidade dos cursos é muitas vezes referendada pelas autarquias regulamentadoras das profissões e pela própria atuação dos profissionais.
Tiago João Giacomoni