As Muitas Culpas de Um País de Condenados
Prof. Nilton Bruno Tomelin
Vive-se num país e num tempo em que facilmente condena-se pois dependendo de quem se quer condenar, acham-se culpas das mais inusitadas. O fascínio por condenação transforma qualquer sujeito comum em algoz, inclusive de si mesmo. Munidos de certezas, convicções e de um fatalismo histórico constroem-se culpas que se pretendem inquestionáveis. Por outro lado, uma minoria com profunda capacidade de convencimento acerca disto, torna-se impune pois a grande massa algoz de si própria vê esta minoria como imune a qualquer culpa ou condenação. Senão vejamos.
Historicamente costumou-se convencer os nascidos pobres, que por um destino natural, seu maior progresso seria sobreviver com um pouco mais de dignidade trabalhando mais e melhor que seus pais. Assim a escola que deveriam frequentar é a que os profissionaliza para poderem sobreviver silenciosamente sem questionar se o destino que lhe foi dado é efetivamente natural. A culpa de sua pobreza e submissão decorre do natural motivo de ter nascido pobre.
Os que ascendem legitimamente por meio de oportunidades e rompem com este ciclo histórico de destino, por vezes esquecem sua origem, escancaram práticas e discursos preconceituosos. Para estes, sua ascensão é fruto exclusivo de seus méritos e a culpa da estagnação da maioria é de sua preguiça e falta de vontade. Desconhecem a seletividade típica da sociedade em que as oportunidades não são iguais para todos. Mais do que isso, reverenciam a elite a quem entregam todo o poder, por mais ranzinza e mesquinha que possa ser, como denunciava o saudoso Darcy Ribeiro.
Nascer e viver mulher também não é tarefa fácil. O padrão que se estabelece como natural, é o de submissão da mulher ao homem conforme descreve Marina Colassanti em sua crônica Para que ninguém a quisesse. Se for pobre e/ou negra a culpa torna-se ainda pior e a condenação ainda mais cruel. Se for estuprada e por acaso não for do tipo recatada e do lar, o estuprador torna-se vítima da imoralidade feminina.
No país das muitas culpas, o jovem marginal não escapa à execração pública. Ao contrário, na clássica versão do “vai trabalhar vagabundo” é visto como vadio e seu delito facilmente é considerado passivo de pena de morte, afinal bandido bom é bandido morto. Já o megamarginal do colarinho branco, arrasta malas de dinheiro público tem seus delitos perdoados pelo esquecimento coletivo. Seu “deslize” é atribuído a problemas de natureza psicológica ou de convivência com situações que lhe permitem roubar ou então por que as leis são muito brandas. Se o pequeno marginal é sem caráter o mega foi estimulado a fazer pelas circunstancias.
Ao final de tudo, como os pobres são preguiçosos e incapazes, alguns que se julgam de “bom coração”, apesar de considerar políticas públicas de distribuição de renda um prêmio a vadiagem, fazem pequenas doações, criam ONGs ou fundações para fazer caridade. São os mesmos que estrategicamente desejam extinguir direitos dos mais fragilizados para condená-los à uma condição “natural” de pobreza e miséria.
Num pais de condenados à ignorância, à submissão e à subserviência é evidente que o opressor distribui a culpa entre suas vítimas que a aceitam e a incorporam. Assim, por gerações, viu-se uma legião de pessoas nascendo condenadas e alguns poucos vivendo e morrendo impunes.
Prof. Nilton Bruno Tomelin