07/04/2004

'As universidades brasileiras são elitistas e distantes da realidade', afirma diretora da FE


Em meio às discussões do Fórum Mundial de Educação, que ocorreu na semana passada em São Paulo, a professora e diretora da Faculdade de Educação (FE) da USP, Selma Garrido, defendeu que as universidades brasileiras não cumprem um de seus papéis primordiais: a defesa da inclusão social. Para ela, esse caráter inclusivo se perdeu ao longo da história e a educação ficou subjugada a interesses de grupos de poder que querem a manutenção dos mecanismos de desigualdade social.

Selma participou da mesa de discussões sobre A formação do educador na cidade educadora: cultura do medo versus cultura do desejo e tratou, principalmente, da necessidade de resgatar a característica inclusiva do ensino. “Não são suficientes salas de aula que integram alunos especiais, afrodescendentes, indígenas e pessoas socialmente desfavorecidas.Os professores, que são os responsáveis pelo aprendizado, não estão preparados para lidar com estas diferenças, e o processo só levaria à maior exclusão. É preciso incentivar um processo de miscigenação entre os estudantes”, explica Selma.

Para a professora, em uma sala de aula formada com alunos de diferentes experiências de vida, é preciso que o professor tenha treinamento suficiente para promover a integração entre estes alunos sem que nenhum tipo de conhecimento seja anulado para que o outro prevaleça. Ou seja, é preciso preparar alunos e professores para que haja, efetivamente, integração e troca de conhecimento entre eles. É a este processo que Selma chama de miscigenação.


Ação

Foi neste sentido que a FE implantou, há quatro anos, um programa de capacitação de professores das redes públicas municipais. Trata-se de um curso de graduação, realizado em apenas dois anos e oferecido somente a professores da rede pública. A intenção dos organizadores é capacitar estes profissionais para as mudanças que ocorreram no sistema de ensino, incentivando a formação continuada destes professores, e promover a sua inclusão no mercado de trabalho. “Nós queremos capacitar estes professores para que eles tenham condições de competir em pé de igualdade no mercado de trabalho com os professores que tenham formação universitária, proporcionando, inclusive, o aumento do piso salarial destes profissionais”, explica Selma.

Um programa semelhante também foi criado em 2003 para atender somente a população indígena. Trata-se, também, de um curso de graduação menor, com duração de dois anos, que procura oferecer aparato teórico para os professores indígenas, mas sem interferir no conteúdo e na cultura local. “Nós não queremos que o nosso conhecimento seja excludente, anular o conhecimento destes professores e impor o nosso modo de ensino; queremos, apenas, oferecer a oportunidade destes professores aprimorarem os seus métodos de ensino, somando conhecimento e experiências entre a universidade e estas comunidades”, defende a professora. Neste sentido, a universidade está desenvolvendo um curso de extensão em língua indígena que deverá ser aberto à comunidade até o início do segundo semestre deste ano.

Os dois programas são especiais e o seu ingresso não está vinculado ao vestibular. No entanto, os docentes da universidade planejam integrar as turmas especiais e os alunos regulares da universidade ainda durante este ano, proporcionando a verdadeira miscigenação cultural, segundo a definição da própria professora Selma. “Existe, por exemplo, um programa de estágios em que os nossos alunos regulares vão trabalhar nas escolas em que atuam os nossos alunos especiais (professores da rede pública de ensino). Isso promove o intercâmbio de conhecimento e o aprendizado de ambas as partes”, garante a professora.


Contribuição francesa

Diferentemente da professora Selma, para Louis Weber, professor de matemática do Instituto Universitário de Formação de Mestres da Universidade de Paris, o principal desafio da educação atualmente é como atrair a atenção dos alunos e despertar o seu interesse pelos estudos. Para ele, os professores sempre difundiram a cultura do medo sobre os alunos para obrigá-los a estudar dizendo que somente os alunos que obtinham bom rendimento escolar poderiam conseguir grandes empregos na vida adulta. Weber explica que, atualmente, esse tipo de chantagem não funciona porque o aluno escuta o professor, vai para casa e vê que seus familiares ou conhecidos estão desempregados mesmo tendo estudado bastante durante a época de colégio.

O ensino na França é público e gratuito, fazendo com que todos os cidadãos tenham acesso à educação. A logo prazo esse sistema fez com que o mercado de trabalho não conseguisse absorver a mão-de-obra disponível e contribuiu para que o diploma de nível superior não fosse mais garantia da conquista de um emprego. Essa situação gerou um enorme desinteresse dos estudantes pelos estudos e a grande questão que se apresenta no país, e que foi proposta pelo estudioso durante o FME, foi como incentivar o desejo pela educação e o prazer em aprender no momento em que se vive a inserção da educação no sistema de mercado capitalista.

A grande questão para Weber não era, portanto, a inclusão, mas a participação efetiva dos alunos no processo de aprendizagem. A relatora da reunião, Luiza Cortesão, acredita que os professores apresentaram diferentes visões de um mesmo tema e que estas abordagens diversas não invalidam nenhuma das duas opiniões.

A discussão contou, ainda, com a participação de Eliézer Pacheco, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). (USP Oline)

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