11/07/2025

Assim também eu giro (Ou: porque ao MEC não basta ser, deve parecer)

Heitor Baltazar

 

A gestão pública da Educação Superior no Brasil se baseia no tripé Regulação, Avaliação e Supervisão. No geral, o governo, através do MEC, me diz o que fazer e o que não fazer, confere se eu fiz ou não fiz do jeito que ele disse e me pune se eu fiz errado ou se deixei de fazer o certo. Concentremo-nos no primeiro.

A doutrina jurídica define “regulação” como uma função típica de Estado, de caráter diretivo, normativo e, por vezes, sancionatório, que visa à intervenção direta ou indireta do Estado na atividade econômica, com tecnicidade – quer dizer, respeitado o princípio da livre iniciativa, não há muito espaço para diálogo, aqui. O Decreto nº 9.235 deu uma guinada aparentemente positiva quando diz que o a regulação, no Sistema Federal de Ensino, seria realizada com o objetivo de “promover a igualdade de condições de acesso, de garantir o padrão de qualidade das instituições e dos cursos e de estimular o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e a coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. Muito bonito, no papel; mas e no dia a dia das IES, isso existe?

Na prática, as faculdades vivem pisando em ovos e agindo como malabaristas das normas, recebendo novas ordens a cada semana e tentando não se afogar nesse oceano de “pode/não pode” e “até dia tal do mês tal”. Instituição de ensino não é vaca de presépio. Normas confusas e que complicam a vida da IES devem ser obedecidas, claro, mas avaliadas e contestadas na medida que a legislação e os sistemas administrativo e judicial permitem. Em encontros, oficinas e colóquios, o MEC não escuta, só espera para ser ouvido. Nos raros casos de consultas públicas sobre assuntos do Ensino Superior, a comunicação é fraca e o prazo é curto.

Essas IES, coitadas, andam a reboque. Como esperar, por exemplo, ações inovadoras (que o INEP, no Instrumento, define como a “adoção de práticas e procedimentos que oportunizem a criação ou o desenvolvimento de novos produtos ou ideias e permitam a melhoria de processos, apontando para ganhos de eficiência e para a adaptação inédita a situações que se apresentem”) de IES cujos profissionais passam o ano letivo inteiro tentando equilibrar preenchimento de Censo, regularidade de Enade, expedição de diplomas digitais com instruções complexas e atendimento a um calendário regulatório cada ano mais complicado - o exemplo deste ano é bizarro: o calendário de 2025 foi publicado na mesma Portaria das regras de transição do novo Marco Regulatório da Educação a Distância... Gerir assim é fácil – jogar os balões à balda para as focas e esperar que elas os devolvam uma a uma por ordem de tamanho e ameaçar não jogar o peixe no final.

Falando em calendário, em um exemplo claro de ausência total de transparência e de desrespeito às próprias normas, os Procuradores Institucionais foram informados via comunicado no Sistema e-MEC que um dos processos regulatórios estabelecidos pelo calendário, o de criação de polos EAD, que teria início em 1º de julho, foi prorrogado para 1º de agosto. Essa mudança, que a própria SERES admite ter sido “antecipada no evento da Oficina Nacional da Nova Política EAD e Sistema e-MEC”, foi feita assim, de forma extraoficial. Não houve qualquer retificação ou nova portaria alterando o texto da original. Algo dito em um evento foi informado aos PI e ficou como normativo – aliás, no site oficial do MEC, ainda consta do Calendário Regulatório a data de 1º de julho. Pois é.

Com uma conjuntura regulatória tão confusa, não é de se espantar as IES que citamos mais acima sejam avessas aos riscos da inovação. Guias de gestão de projetos e governança corporativa trazem o conceito de “apetite ao risco”, definindo-o, em linhas gerais, como o grau de incerteza que a agência ou o agente estão dispostos a aceitar para atingir os objetivos, na expectativa de uma recompensa, criando e protegendo valor para as partes interessadas. A Educação Superior é um setor pesadamente regulado, supervisionado e avaliado do tecido econômico brasileiro, então é natural que a maior parte das IES tenha um baixo apetite ao risco, pra não dizer nulo. Especialmente, como no nosso caso, quando essa tríade não é balanceada, com muita regulação, avaliação cíclica e com monitoramento seletivo e supervisão muito mais corretiva do que preventiva.

Essa conversa faz lembrar do Paradoxo da Cerca. Organizações e pessoas têm diferentes abordagens em relação ao risco, uns mais propensos a ações mais ousadas e outros mais conservadores. Os corajosos o bastante para se arriscarem podem levar um tombo - ou, no nosso negócio, um procedimento sancionador em um processo de supervisão. Embora ninguém fique feliz, é normal, acontece. Aqui entra o governo: as autoridades não gostam de risco. Pessoas tomando riscos e sofrendo consequências em um volume muito grande pode levar à perda da confiança no status quo - o sistema precisa parecer firme e seguro, então as autoridades constroem cercas, para limitar muita movimentação. Essas cercas se consolidam na forma de regulações. Muitas. O problema é que a cerca faz as agências e os agentes subestimarem o risco, já que se sentem seguros demais – importante lembrar que quem está disposto a correr esse tipo de risco não são as IES pequenas e sérias.  Aí, quando a cerca é forçada e se quebra, muitos caem ao mesmo tempo, porque a percepção de risco foi alterada pela falsa aparência de segurança. Foi o que aconteceu com a educação a distância, por exemplo, fazendo IES ofertarem cursos de graduação a R$ 49,90 e sem qualquer estrutura de polos de apoio presencial ou abrindo turmas com mais de mil alunos por docente. Quando veio o Decreto nº 12.456, a cerca da EAD quebrou.

Em poucos meses, tivemos definições de novos conceitos, nova regulação dos formatos de oferta da EAD, nova regulação de modalidades de Enade, encerramento de semestre letivo e expectativa de nova versão do XSD do diploma digital. “Exposição ao MEC” deveria gerar adicional de insalubridade ao técnico em assuntos educacionais.

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