19/07/2018

Biblioteca Virtual Na Educação Superior e o Princípio da Razoabilidade

Edgar Jacobs*

 

O Decreto 9.235/2017 e as portarias que o regulamentaram trouxeram dentre outras novidades, a possibilidade de uma biblioteca totalmente constituída por livros virtuais, ou seja, por títulos eletrônicos que podem ser incluídos em e-books.

Essa mudança é muito significativa, embora pareça óbvia para quem vivencia as mudanças trazidas pela internet e pelo avanço das tecnologias de informação desde a década de 1990.

Nenhum dispositivo legal é explícito, mas várias regras deixam entrever a possibilidade de uso de bibliotecas virtuais, assim como a dispensa de livros físicos.

No Decreto 9.235/2017 está previsto que o PDI conterá deve conter, no detalhamento das instalações acadêmicas, a descrição da biblioteca com relação ao “acervo bibliográfico físico, virtual ou ambos” (Art. 21). Essa descrição, por si só, é bastante elucidativa, pois deixa claro que a opção de mesclar livros físicos e virtuais ou ter apenas acervo bibliográfico virtual é da ​Instituição de Ensino Superior.

 Antes mesmo dessa norma, a possibilidade do acervo virtual já estava prevista no Art. 11, da Portaria Normativa 11/2017. Depois, a Portaria Normativa 23/2017 reiterou a possibilidade, impondo até mesmo a divulgação da forma do acervo – virtual, física ou ambos – na página eletrônica da Instituição de Ensino (Art. 99). Portanto, as normas regulatórias evidenciam que as IES podem optar por um acervo totalmente virtual para suas bibliotecas.

Os instrumentos de avaliação seguem a mesma linha. Essa informação, inclusive, já foi disseminada pelo próprio INEP.

Entretanto, o documento para reconhecimento de cursos é bastante obscuro. Como requisito mínimo do indicador 3.6 (Bibliografia básica por unidade curricular), o instrumento impõe: “O acervo físico está tombado e informatizado, o virtual possui contrato que garante o acesso ininterrupto pelos usuários e ambos estão registrados em nome da IeS”. Essa referência de qualidade nos faz entender que os dois acervos têm de existir e ambos devem estar registrados. A dúvida é reforçada neste mesmo indicador, que, em relação aos acervos bibliográficos, atribui o conceito mais baixo se: “...pelo menos um deles não está registrado em nome da IeS”. Enfim, o instrumento de avaliação de cursos cria dúvida sobre a aplicação das regras regulatórias.

Noutra direção, o instrumento usado para avaliar instituições de ensino é bem mais simples e está em sintonia com as normas regulatórias.

Esse referencial exige apenas um plano de atualização de acervos e uma infraestrutura que pode ou não ser utilizada para acervos físicos. Ou seja, no instrumento de avaliação institucional não há nenhuma exigência que induza ao entendimento de que ainda é obrigatório o acervo físico.

Diante desse novo panorama, cabe aos avaliadores implementar a mudança usando o princípio da razoabilidade. Uma diretriz jurídica que indica: (1) adequação dos meios aos fins; (2) proporcionalidade nas decisões. Ser razoável, juridicamente, é atender a finalidade das normas e não se exceder em eventuais penalidades e sanções.

No caso da nova interpretação sobre os acervos bibliográficos, cabe aos avaliadores entender que os livros virtuais ou físicos atendem ao objetivo didático-pedagógico de ofertar aos alunos um bom ensino e que induzir o atendimento dessa meta qualitativa é a finalidade das normas educacionais. Por outro lado, punir instituições por não ter acervo físico seria um exagero, assim como aceitar acervos virtuais sem garantias de funcionamento, manutenção e acesso. Portanto, agir com ponderação e foco na qualidade do curso é o mais importante neste momento de transição.

Essa mesma razoabilidade é o que se espera do CNE, MEC e do INEP, que analisarão os relatórios e, em última instância, decidirão sobre os acervos totalmente virtuais.

Em suma, no momento atual, em que não existe jurisprudência administrativa sobre o assunto, é de se esperar razoabilidade do sistema de regulação e avaliação da educação superior quanto aos acervos bibliográficos. Aos poucos, usando inclusive a inovação como critério de máxima qualidade, os e-books passarão a ocupar, no todo ou em parte, as bibliotecas e, talvez, esses espaços serão mais espaços de estudos individuais e em grupo, espaços de compartilhamento de conhecimento e de acesso individual.

Dito isso, cabe apenas acrescentar que, como já previa em  o Autor Jeremy Rifkin há 20 anos, estamos na Era do Acesso* e que nesse novo momento da humanidade o acesso aos bens e recursos substitui a propriedade. Bens, outrora limitados e disputados – como livros em uma biblioteca – agora podem ser acessados por todos, o tempo todo.

Eu mesmo, visivelmente trilhando um caminho sem volta, abri mão de exemplares físicos para leitura do dia-a-dia e até estou pensando em reformular a velha frase “...não abro mão de um livro físico”, substituindo-a por “será mesmo necessário guardar e usar tanto papel”? Talvez essa seja pergunta que os reguladores, os avaliadores e os gestores da educação superior devam se fazer nesse momento.

* RIFKIN, Jeremy. Era do Acesso. São Paulo, Pearson Makron Books, 2001.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×