12/11/2019

Ciência, Tecnologia e Sociedade: Considerações Acerca da Relação Universidade - Empresa

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RELAÇÃO UNIVERSIDADE - EMPRESA

 

Angelo Marcos Queiroz Prates

Doutor em Desenvolvimento Econômico, IE – Unicamp.

Professor no curso de Planejamento Territorial/UFABC

angelo.prates@gmail.com

 

RESUMO

O objetivo desse breve texto é trazer alguns apontamentos acerca da relação universidade – empresa. Busca-se fazer apontamentos acerca da conceituação teórica dessa relação e seu impacto para a sociedade, assim como sua regulamentação no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa, Universidade, Cooperação, Desenvolvimento.

ABSTRACT

The purpose of this brief text is to bring some note about the University = company relationship. We seek to make note about the theoretical conceptualization of this relationship and its impact on society as well as its regulation in Brazil.

KEYWORDS: Company, University, Cooperation, Development.

 

INTRODUÇÃO

            São recorrentes as discussões sobre a necessidade da presença de empresas e do setor produtivo em geral no ambiente das universidades. Têm sido uma tendência que as empresas gradativamente mudem seu paradigma de inovação, migrando seus departamentos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para plataformas externas, as chamadas inovações abertas, tais como as que estão estabelecidas nas universidades.

            No Brasil, em um contexto de recessão, tal como o de agora, onde ocorrem quedas substanciais na arrecadação do governo, e, por conseguinte, nos repasses feitos às universidades públicas, aumenta a procura por parcerias com o setor privado como forma de desonerar os gastos da universidade.

            Com isso, este trabalho tem como intenção avaliar a relação universidade-empresa, de modo a entender se existe um benefício mútuo ou um problema na natureza dessa relação, com base na revisão bibliográfica apresentada.

RELAÇÃO UNIVERSIDADE - EMPRESA

            Tradicionalmente, as universidades têm o papel de avançarem na fronteira do conhecimento por meio das pesquisas acadêmicas e formar estudantes, enquanto as empresas desenvolvem inovações para o mercado e utilizam a pesquisa para aumentar a competitividade e as margens de suas vantagens e, relação à concorrência (LOBO, 2000).

            É necessário entender o comportamento das duas partes envolvidas na questão.  As empresas consideram importante essa cooperação, mas geralmente acusam as universidades de não responderem de forma objetiva às demandas concretas do setor produtivo e entendem que os mecanismos de financiamento para esse tipo de atividade são caros e burocratizados (BENEDETTI, 2009).

            No passado, elites acadêmicas acreditavam que não se deveriam desviar da chamada "pesquisa pura", para atender as demandas da iniciativa privada. Houve casos até surrealistas, como o de uma universidade que recusou a doação de computadores de uma multinacional, entendendo a oferta como tentativa de cooptação (SALOMON, 2007).

            Hoje tem havido cooperações bem sucedidas entre universidades e empresas no Brasil e há núcleos de desenvolvimento tecnológicos ativos e competentes, embora de dimensões ainda insuficientes e, quase sempre, localizados em estruturas paralelas (LOBO, 2000).

            Os centros de cooperação com as empresas são desenvolvidos em estruturas à parte, geralmente sob a forma de fundações autônomas. Esses centros dispõem de liberdade excessiva de ação, não prestando contas a ninguém de suas atividades, e o trabalho neles desenvolvido pouco repercute no interior da instituição, por não estarem estruturalmente integrados a ela (SALOMON, 2007).

            Criam-se, então, mecanismos paralelos, que demonstram que as universidades, na verdade, não absorveram o discurso da colaboração. Em alguns casos, essa cooperação é entendida como mera forma de complementação salarial de professores (BENEDETTI, 2009).

 

A TRAJETÓRIA NO BRASIL DA RELAÇÃO UNIVERSIDADE - EMPRESA.

 

            As leis criadas pelo governo brasileiro tendem a diminuir esse atrito, facilitar e promover o relacionamento empresa-universidade. A primeira iniciativa foi feita em 1969 a partir do decreto-lei nº 719 (restabelecido pela lei nº 8.172, de 18/01/1991), criando o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(FNDCT), criado para dar suporte financeiro aos projetos e programas com prioridade de desenvolvimento científico e tecnológico, isso foi feito através de repasses a fundos e entidades específicos para "alimentar" financeiramente essas iniciativas científicas.

            Posterior ao decreto de 1969 veio a declaração, nos artigos 218 e 219, da Constituição de 1988:

"O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas"; e "o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem estar da população e a autonomia tecnológica do país, nos termos de lei federal".

            Dentre esses decretos e leis criadas, temos leis que apoiam a inovação, criada para estimular o desenvolvimento tecnológico do país através de pesquisas científicas e tecnológicas; leis como a "Lei do bem", nº 11.196 de21/11/2005, que trata sobre os incentivos fiscais que pessoas jurídicas podem usufruir, enquanto realizando pesquisa e desenvolvimento de inovação tecnológica, ou ajudas econômicas, dadas através de contratações de mestres ou doutores para que o aluno realize essas pesquisas.

            Como exemplo de incentivos fiscais temos:

            * Deduções de Imposto de Renda e da Contribuição sobre o Lucro Líquido de dispêndios efetuados em atividades de P&D;

            * Redução do Imposto sobre Produtos Industrializados, na compra de máquinas e equipamentos para P&D;

            * Depreciação acelerada desses bens;

            * Amortização acelerada de bens intangíveis;

            * Redução do Imposto de Renda, retido na fonte, incidente sobre remessa ao exterior, resultante de contratos de transferência de tecnologia;

            * Isenção do Imposto de Renda, retido na fonte, nas remessas efetuadas ao exterior, destinada ao registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

            Mais recentemente foi sancionado o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação - Lei nº 13.243/2016 - no qual regulamenta as parcerias de longo prazo entre os setores público e privado, dando maios flexibilidade para a relação entre Instituições Científicas e entidades privadas. As principais mudanças são:

            * Dispensa da obrigatoriedade de licitação para compra ou contratação de produtos para fins de pesquisa e desenvolvimento;

            * Regras simplificadas e redução de impostos para importação de material de pesquisa;

            * Permite que professores das universidades públicas em regime de dedicação exclusiva exerçam atividades de pesquisa também no setor privado, com remuneração;

            * Aumenta o número de horas que o professor em dedicação exclusiva pode dedicar a atividades fora da universidade, de 120 horas para 416 horas anuais (8 horas/semana);

            * Permite que universidades e institutos de pesquisa compartilhem o uso de seus laboratórios e equipes com empresas, para fins de pesquisa (desde que isso não interfira ou conflita com as atividades de pesquisa e ensino da própria instituição);

            * Permite que a União financie, faça encomendas diretas e até participe de forma minoritária do capital social de empresas com o objetivo de fomentar novações e resolver demandas tecnológicas específicas do país;

            * Permite que as empresas envolvidas nesses projetos mantenham a propriedade intelectual sobre os resultados (produtos) das pesquisas.

 

CORRENTES INTERNACIONAIS

            Para melhor entender o panorama atual da relação universidade-empresa, é necessário entender duas correntes internacionais de pensamento analítico dessa relação. Dagnino (2003) escreveu sobre as duas correntes que ganham força internacional na década de 1990, a primeira reforçando a ideia de um novo contrato social entre a universidade e a sociedade, na qual a universidade deve participar ativamente no processo de desenvolvimento econômico. Já a segunda, vê a empresa como agente de inovação e que a universidade um agente periférico (porém privilegiado) para a "promoção da competitividade das empresas e da nação".

 

O NOVO CONTRATO SOCIAL

            Entre as razões que explicariam esta ampliação das relações UE, de acordo com a primeira corrente de pensamento, estariam do lado das empresas:

            * Custo crescente da pesquisa associada ao desenvolvimento de produtos e serviços necessários para assegurar posições vantajosas num mercado cada vez mais competitivo;

            * A necessidade de compartilhar o custo e o risco das pesquisas pré competitivas com outras instituições que dispõem de suporte financeiro governamental;

            * Elevado ritmo de introdução de inovações no setor produtivo e a redução do intervalo de tempo que decorre entre a obtenção dos primeiros resultados de pesquisa e sua aplicação;

            * Decréscimo dos recursos governamentais para pesquisa em setores antes profusamente fomentados, como os relacionados ao complexo industrial militar. (WEBSTER; ETZKOWITZ, 1991 apud DAGNINO, 2003);

            Em relação a universidade, as razões seriam:

            * A dificuldade crescente para obtenção de recursos públicos para a pesquisa universitária e a expectativa de que estes possam ser proporcionados pelo setor privado em função do maior potencial de aplicação de seus resultados na produção;

            * Interesse da comunidade acadêmica em legitimar seu trabalho junto à sociedade que é, em grande medida, a responsável pela manutenção das instituições universitárias. (ibid., 2003)

            Portanto, é possível que devido os custos da pesquisa para as empresas e ao interesse sócio econômicos da comunidade acadêmica, um novo contrato social foi seguido e estimulou-se uma nova forma de diálogo entre a universidade e a empresa.

 

A UNIVERSIDADE COMO AGENTE PERIFÉRICO

            A segunda corrente de pensamento, chamada de matriz da Teoria da Inovação, credita à empresa o lócus da inovação e o industrial como o agente do progresso técnico, dessa forma ela é que tem capacidade de conceber inovações e difundir o progresso técnico (DAGNINO, 2003). Esta visão foi ampliada para conceber a competitividade da empresa como "resultante de sua capacidade de gerar internamente um processo de aprendizado permanente mediante a combinação dos insumos do ambiente externo com aquilo que é insubstituível, que só ela pode realizar - o contato direto com a produção e o mercado" (DOSI; SOETE, 1988).

            Nesse cenário, a universidade é entendida como um elemento privilegiado do ambiente inovativo. Embora sem ser situada no centro do modelo Sistema Nacional de Inovação, lugar este ocupado pela empresa, a universidade era considerada como um fator indispensável de competitividade sistêmica.

 

ESTRUTUR INTERNA - MODELO TRIPLA HÉLICE

            Composta por três elementos: Governo, Empresa e Universidade, neste modelo a empresa vê a universidade como fonte de conhecimento e informação para a criação de novos produtos, e a universidade vê a empresa como fonte de recursos tecnológicos e financeiros, e o governo faz o papel de mediador criando leis e incentivos para que essa relação EU ocorra mais frequentemente e de forma a cobrir ambos interesses e demandas (LEYDESDORF; MEYER, 2013).

            Dentre essas razões citadas existem muitas outras que servem como motivação para esse relacionamento EU, tais como:

Razões para as universidades colaborarem com as empresas

Razões para as empresas colaborarem comas universidades

Aumentar fundos para a pesquisa acadêmica e equipamentos de laboratório

Conduzir e reorientar P&D para novas tecnologias e patentes

Testar a aplicação prática da pesquisa

Desenvolver novos produtos e processos

Obter visões na área da pesquisa

Resolver problemas técnicos

Olhar para oportunidades de negócios

Melhorar qualidade do produto

Ganhar conhecimento sobre problemas práticos úteis para o ensino

Ter acesso à nova pesquisa através de seminários e workshops

Criar oportunidades de estágio e emprego para os estudantes

Manter um relacionamento progressivo com a universidade e recrutar graduados

 

(ibid, 2013)

            Porém, apesar desse relacionamento ser interessante para ambos os lados, as motivações são diferentes e acabam criando atritos, sobretudo devido a falta de visão estratégica da academia em lançar um produto no mercado, ao passo que a empresa prioriza o atendimento das necessidades do cliente. Os atritos de maior impacto são as necessidades temporais, valores culturais estabelecidos e propriedade intelectual. As necessidades temporais se dão pela pesquisa acadêmica de longo prazo que é imprevisível e tem liberdade para mudar de direção. Já os projetos empresariais são de curto prazo, específicos e são guiados por uma meta. O atrito sobre os valores culturais se dá pela importância da disseminação do conhecimento pelas universidades o que acaba fazendo parte da diferença sobre a propriedade intelectual onde as universidades priorizam a publicação de suas pesquisas, por outro lado, a prioridade das empresas é a busca pela patente na tentativa de dificultar o acesso à suas descobertas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAS

            A literatura têm dedicado considerável espaço para a discussão da transferência de conhecimento para a indústria a partir de centros de pesquisa e universidades, contudo, apontam a necessidade de se organizar essa discussão.

            A aproximação de universidades e empresas pode trazer benefícios para ambas as partes. As principais vantagens para as universidades seriam a utilização continuada de seu corpo docente, a experimentação e colocação em prática dos conhecimentos gerados e a possibilidade de introduzir mais diretamente seus alunos no setor produtivo. As empresas, por outro lado, teriam acesso ao desenvolvimento tecnológico, suporte em seus projetos de inovação e formação, treinamento e reciclagem de seu pessoal.

            Por se tratar de algo cujas informações só podem ser abstraídas através da observação empírica, qualquer objeções por questões ideológicas ou morais entre a relação UE se torna infundada, uma vez que, conforme mostra a literatura, ainda que os objetivos empresariais sejam distintos dos acadêmicos, a relação se mostra mutuamente vantajosa.

 

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

BENEDETTI, Maurício; TORKOMIAN, Ana. Cooperação universidade-empresa: uma relação direcionada à inovação aberta. São Paulo, 2009. Disponível em: http://www.anpad.org.br/admin/pdf/GCT1775.pdf. Acesso em 07/04/2019.

BRASIL. Decreto-Lei nº 719, de 31 de julho de 1969. Cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1969. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0719.htm. Acesso em 28/03/2019.

BRASIL. Lei nº 8172, de 18 de janeiro de 1991. Restabelece o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1991. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8172.htm. Acesso em: 30/03/2019.

BRASIL. Lei nº 10168, de 29 de dezembro de 2000. Institui contribuição de intervenção de domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o apoio à inovação. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10168.htm. Acesso em: 05/04/2019.

BRASIL. Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005 – “Lei do Bem”. Incentivos fiscais para a inovação tecnológica. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11196.htm Acesso em: 05/04/2019.

DAGNINO, Renato. A relação universidade-empresa no Brasil e o “argumento da tripla hélice”. Revista Brasileira de Inovação, v. 2, n. 2, 2003.

DOSI, Giovanni; SOETE, Luc. Technical change and international trade. 1998.

LEYDESDORFF, Loet; MEYER, Martin. The Triple Helix of university-industry-government relations. Scientometrics, v. 58, n. 2, p. 191-203, 2003.

LOBO, Roberto. Relação universidade-empresa no Brasil. Instituto Lobo. Disponível em: http://www.institutolobo.org.br/imagens/pdf/artigos/art_003.pdf. Acessado em: 12/04/2019.

SALOMNON, Maria; SILVA, Carlos. A relação empresa-universidade como ferramenta estratégica à gestão de aprendizagem organizacional. Revista GEPROS. UNIFEI, Itajubá, MG, 2007. Disponível em: https://revista.feb.unesp.br/index.php/gepros/article/view/165. Acessado em: 02/04/2019.

WEBSTER, Andrew; ETZKOWITZ, Henry. Academic-industry relations: The second academic revolution?: A framework paper for the proposed research workshop on academy-industry relations. London: Science Policy Support Group, 1991.

 

 

 

 

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