07/08/2018

Cinegrafando a Educação - Experiências Formativas em Cinema: Até Onde a Sétima Arte Pode Chegar?

Ana Iara Silva de Deus

Carmem Silvia Rodrigues Pereira

Fernanda Monteiro Rigue

Valeska Maria Fortes de Oliveira

RESUMO

O Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social – GEPEIS – nos últimos vinte e um anos, trabalha com pesquisa, ensino e extensão na área de Formação de Professores, alicerçado no campo teórico do Imaginário Social, de Castoriadis. Participam do grupo alunos colaboradores e bolsistas de iniciação científica da graduação, mestrandos, doutorandos e professores de escolas da rede municipal, estadual e instituições de ensino superior. Este é um projeto que pretende – ao longo dos anos 2014, 2015 e 2016 – construir relações e vivências de professores com o cinema. Focamos nosso olhar ao que se refere às suas histórias pessoais e profissionais e às formas pelas quais o cinema nelas se faz presente, buscando compreender as visões e concepções, os saberes e fazeres docentes acerca desta arte em suas vidas. Igualmente, busca-se compreender não somente a forma como o cinema se faz presente na escola, as razões de sua ausência no trabalho docente, mas especificamente conhecer os significados e sentimentos inscritos nos encontros dos docentes, suas práticas com o cinema dentro e fora da escola. Com o desenvolvimento deste projeto vem sendo possível analisar o quanto o cinema faz sentido e tem significado na vida dos alunos e seus professores.

Palavras-chave: Formação Profissional. Cinema e Educação. Imaginário Social.

 

1. INTRODUÇÃO

O Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social – GEPEIS – vem nos últimos vinte e um anos trabalhando com pesquisa, ensino e extensão na área de Formação de Professores, alicerçado no campo teórico do Imaginário Social de Cornelius Castoriadis. Participam deste grupo alunos colaboradores e bolsistas de iniciação científica da graduação, mestrandos, doutorandos e professores de escolas da rede municipal, estadual e de instituições de ensino superior. Para consolidar a extensão como fator de inserção da Universidade Fedaral de Santa Maria, do município de Santa Maria/Riogrande do Sul/Brasil, na sociedade, o GEPEIS, propôs o desenvolvimento do Projeto: “Cinegrafando a educação - experiências formativas em cinema: até onde a sétima arte pode chegar?”, que visa o trabalho de formação profissional especificamente junto a professores de instituições federais, estaduais e municipais.

Este é um projeto que pretende – ao longo dos anos 2014, 2015 e 2016 - construir relações e vivências de professores com o cinema, passando pelo coletivo imaginário constituído nos espaços escolares (Oliveira, 1998). Para tanto, criou-se o “Cinema Itinerante”, que são encontros nas escolas de Santa Maria/RS/BRA, objetivando formar professores para colocar em voga a Lei nº 13.006, de 26 de junho de 2014, que discute a questão de assistência de duas horas mensais de cinema nas escolas brasileiras. Até este momento da realização do projeto já foram feitos cinco encontros, em diferentes escolas, com diferentes percepções e resultados e no ano de 2015 esses encontros continuarão acontecendo.

Os estudos que apontam as implicaçoes do cinema na educação levaram os participantes deste grupo de pesquisa abrirem seu foco de atenção para os olhares que evidenciam as ferramentas que ampliam o olhar dos estudantes sobre as realidades que poderão perceber. Da mesma forma, os professores poderiam lançar mão de um diálogo inspirado em pessoas mais distantes – ou próximas – épocas e lugares, para rodas que se dedicassem a olhar mais cuidado.

Os possíveis vínculos entre cinema e educação se multiplicam a cada momento, a cada nova iniciativa ou projeto que os coloca em diálogo. Fundamentalmente, trata-se de um gesto de criação que promove novas relações entre as coisas, pessoas, lugares e épocas. De fato, o cinema nos oferece uma janela pela qual podemos nos assomar no mundo para ver o que está lá fora, distante no espaço ou no tempo, para ver o que não conseguimos ver com nossos olhos de modo direto (Fresquet, 2013, p.19).

Entrelaçar os vínculos entre cinema e educação na formação de professores mostrou-se base na mediação e metodologia de discussão das questões acerca de ensino e aprendizagem. Assim,objetiva-se com este trabalho, atender as questões postas na formação profissional docente, o que remete, diretamente, ao trabalho com as histórias de vida e autobiografias dos professores e dos acadêmicos em formação inicial, bem como utilizar o cinema como dispositivo de formação, para provocar, refletir e reinvetar as práticas pedagógicas através das possíveis mudanças que a relação do cinema com a educação pode proporcionar.

2. METODOLOGIA

O projeto: “Cinegrafando a educação - experiências formativas em cinema: até onde a sétima arte pode chegar?” tem como tema delimitado o cinema, os cenários e enredos da escola, da docência e da formação como um todo. Ao longo do ano de 2014, visou-se perceber as diferentes concepções dos professores nas escolas em sessões de formação e estudo sobre o cinema e educação na escola, bem como desenvolver atividades em escolas de Santa Maria/RS/BRA que abrangessem o cinema como modo de expressão e de formação.

O primeiro eixo da investigação possuiu um sentido analítico, de pesquisa e levantamento de dados, intitulado “O cinema de cada um: viveres e memórias cinematográficas”. Com este eixo pretendeu-se investigar como o cinema estava colocado nas histórias e vidas pessoais dos grupos parceiros que também, inpeirados pelo cinema, deixavam-se envolver pelos olhares do cinema. Foram investigadas as práticas usuais, as experiências, o acesso e os significados, as concepções e as relações dos professores com o cinema em suas vidas, no passado e no presente, através da elaboração de memórias cinematográficas, discussões sobre cinema e sociedade, pensando nas diversas formas de afectos (Deleuze, 2000) que o roteiro cinematográfico pode implica para a educação.

O segundo vértice, intitulado “O cinema vai à escola”, procurou trabalhar com subprojetos e parcerias em atividades que envolvessem cinema e educação realizadas em instituições de ensino municipais, estaduais, federais e privadas, de quatro estados brasileiros. Teve-se como objetivo fortalecer as discussões sobre cinema e educação, capacitando os indivíduos para a produção cinematográfica a fim de que as pessoas que ali estivessem, registrassem suas percepções das realidades e promovessem a apreciação de livre inspiração da sétima arte, em regiões nas quais ir ao cinema não é uma atividade comum ou mesmo possível.

No terceiro vértice, intitulado “Professores no cinema e professores fazendo cinema” provocou-se reflexões sobre como se configuram as relações e experiências profissionais e pessoais dos professores e alunos com o cinema, além de termos promovido discussões sobre as produções fílmicas desenvolvidas pelos grupos parceiros. Aproveitamos para questionar, problematizando-o, tanto quanto valorizando-o no contexto local das instituições que ousaram mostrar-se pela produção visual.

Em todos os momentos, foram trazidas teorizações que embasam a entrada do cinema na escola, bem como produções que mostram mais do cinema na educação. É importante salientar que, depois de um convite lançado, as parcerias com os professores, alunos e comunidades escolares, sentimo-nos também acolhidos para assistir a filmes e conversarmos do fazer docente com o cinema na educação: a universidade senta-se junto aos professores em rodas de conversa e formação. O processo itinerante de formação, além de ser um dos pontos de destaque das atividades de pesquisa e extensão do Gepeis, mostra-se possível também pelo convite ao cinema que integra lazer e deleite por mais formas de leitura pela arte.

O fazer desta pesquisa quer aproximar formas de leituras outras que não atravessem apenas o que registrarem em entrevistas, questionários e comentários, mas em suas atitudes ao sentarem para, na tentativa de relaxarem, deixarem seus corpos falarem. Temos esta autorização por autores como (Oliveira, 2004) que inauguraram pesquisas que ampliaram formas que, ricamente, dessem indícios para comporem novos repertórios sobre os saberes docentes (Tardif, 2002) e o desenvolvimento profissional.

3. AÇÕES DESENVOLVIDAS NO PROJETO

Uma das ações desenvolvidas no projeto foi o “Cinema Itinerante”, que realizou encontros visando à formação continuada de professores, partindo da perspectiva do cinema nacional, acreditando na possibilidade de qualificar a educação pelas produções cinematográficas em momentos de exibição pública. Esta ação iniciou com a necessidade de informar e fundamentar, a partir da Lei nº 13.006/2014, que discute a questão de assistência de duas horas mensais de cinema nas escolas brasileiras. Até agora já foram feitos cinco encontros, em diferentes escolas, com distintas percepções e resultados, sendo que estes encontros continuarão acontecendo no ano de 2015 e 2016.

O “Cinema Itinerante” parte do princípio que é essencial aos professores, para – inclusive - colocar em ação esta lei, apropriando-se do cinema como um modo de discurso para viabilizar a expressão de diferentes culturas e criar um diálogo entre a Universidade e a comunidade Santa mariense, tendo em vista que a Universidade estará cumprindo seu papel como instituição pública, dando suporte aos professores desde a formação até a criação do cinema em suas escolas. Ganham neste processo a comunidade, que acredita, enviando seus filhos para a formação profissional universitária, e a universidade que, para além de seus discursos, imprime a legitimidade pelos saberes nos quais acredita quando conversa com as pessoas que usufruem de seus serviços e profissionais formados.

O primeiro encontro do “Cinema Itinerante” realizou-se nas dependências do SIMPROSM – Sindicato dos Professores Municipais de Santa Maria/RS/BRA. Nesse encontro foram propostas dinâmicas de apresentações dos professores para que os mesmos se sentissem próximos, como companheiros e não apenas pessoas que estão próximas. Este exercício provocou nos presentes a vontade de estar junto, de sentir-se parte, não sendo apenas seres que estão em um mesmo lugar, mas distantes nos desejos e ideias.  O Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social (GEPEIS) apresentou suas propostas e objetivos, bem como os professores representantes de cada escola contaram suas histórias com o cinema. No fim do encontro, os participantes assistiram a um curta-metragem chamado “Traz outro amigo também”, instigando a todos para se engajarem nessa rede de cinema.

Aos professores participantes deste primeiro encontro foi distribuída uma camiseta do GEPEIS que marcava com uma imagem o professor que vai ao cinema e começa a conhecer mais desta arte. Além de selar a parceria do grupo de pesquisa com as escolas da rede municipal e estadual de Santa Maria/RS/BRA em mais um projeto de formação de professores, vestir uma camiseta também intencionou mostrar que na escola, o cinema, em suas produções, provoca leituras que podem ser feitas para além do texto escrito: o simbólico pelas produções sociais (Castoriadis, 1982). Mesmo que não se queira ver no cinema mais um instrumento para a pedagogização do saber, pautar tais discussões é respeitar que elas existem, mas que outras formas de ver cinema são necessárias.

La pedagogia, es sabido, inventa procedimientos que permiten “ganar tiempo” respecto al desarrollo “natural” de los aprendizagens. Toda pedagogía es, evidentemente, uma simulación. Pero esta simulación tiene que respetar al mismo tiempo su objeto – la película -, sin reducirlo demasiado a um esqueleto, y la manera en que puede hacer su camino en la conciencia de alguien, sobre todo si se trata de um niño (Bergala, 2007, p. 47).

O segundo encontro do “Cinema Itinerante” foi realizado na Escola Estadual de Educação Básica Profª Margarida Lopes, dia 24 de setembro de 2014. Nesta instituição, os alunos e dois professores mostraram suas produções audiovisuais, e o grupo GEPEIS, percebeu que a discussão ficou apenas no lado técnico dos vídeos, sendo pouco tratada a formação de professores propriamente dita. Igualmente, percebeu-se neste encontro que o objetivo inicial do projeto não estava concretizando-se, ou seja, trazer a tona a discusão sobre o cinema nacional na escola.

É sabido da pouca valorização do cinema nacional em cidades que não oferecem um estabelecimento para a exibição de filmes, tanto mais, produções de impacto não industrial, como o cinema americano. Por sua vez, assistir a filmes em casa ou na escola acabava por aparecer como a parte ilustrativa de um conteúdo a ser pautado pelo currículo que a escola cumpre (SILVA, 2013). Ver-se pelo cinema que quer aproximar culturas distantes de um país continental, aproxima a cartografia que se quer territorial ou de produção de saberes.

No terceiro e no quarto encontro do “Cinema Itinerante”, respectivamente na Escola Municipal de Ensino Fundamental Francisca Weinmann, dia 22 de outubro de 2014 e dia 29 de outubro de 2014, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Rejane Garcia, o GEPEIS percebeu uma reprodução do que já vinha sendo produzido com o cinema na escola e novamente a discussão nos encontros tornaram-se técnicas, e não de formação, muito menos levou em consideração a Lei nº 13.006/2014 que discute a questão de assistência de duas horas mensais de cinema nas escolas brasileiras. Poderia ser um redirecionamento da porposta das discussões lançadas ou o pedido de mais estudo do que se chama cinema?

Deste modo, visando retomar o ponto de partida do projeto, nas reuniões semanais que o grupo costuma realizar como apoio às pesquisas em andamento, com todos os pesquisadores e bolsistas de iniciação científica, foram pensadas maneiras de chegar a um número maior de professores, dando conta da formação continuada destes e das discussões sobre cinema nacional. A formação docente a usar-se da inspiração pelas experiências (Fantin, 2011) que produz, queria conhecer mais do que os professores pensavam.

Assim, com base nas discussões do grupo, nas duas últimas escolas, foram distribuídos para os professores questionários, os quais investigavam sobre as visões do cinema nacional pelo olhar dos professores, se assistiam a filmes, com que frequência costumavam ir ao cinema, e questões outras que dessem a conhecer mais do cenário que se constituía as realidades destes que sentavam-se para a formação em momentos de exibição de filmes ou discussões. Com mais dados que enriqueciam um quadro de informações sobre as pluralidades acerca das concepções sobre o cinema e a educação pelos professores, foi possível traçar uma análise de como é utilizado o cinema em sala de aula. O que se constatou com a amostragem, que é pequena até o momento, são discussões parciais, cuja parte que mais se destaca, apresentamos neste artigo.

O quinto encontro do “Cinema Itinerante” aconteceu na Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr. Antonio Xavier da Rocha, no dia 19 de novembro de 2014. Este encontro foi realizado somente com professores e nele discutiram-se as produções que os professores e alunos estavam fazendo, além de debater a maneira de usar o cinema em sala de aula, sem que este se transforme em mero entretenimento. Passa por essa discussão a problematização a respeito de outras formas de olhar que os jovens estudantes levam para a tela quando assistem a filmes.

O espectador jovem é um espectador com um olhar diferente, determinado pelo seu contato com outros meios de comunicação que não só́ o cinema. A televisão, por exemplo, o habituou a se relacionar com as imagens através de uma tela pequena e num ambiente repleto de interferências de toda ordem, além de lhe permitir ter o controle absoluto do zapping (Mourão, 2001, p. 50).

Nos encontros realizados, semanalmente, em uma das instituições envolvidas neste projeto, Escola Municipal de Ensino Fundamental Francisca Weinmann (E.M.E.F. Francisca Weinmann), ouvimos o que os alunos tinham a dizer sobre a relação do cinema com suas vidas - se gostam de ver filmes, quais assistem e em que lugar, se costumam conversar com os amigos, familiares e colegas após verem os filmes, a fim de conhecerem as opiniões a respeito de seu imaginário sobre cinema, filmes e produções audiovisuais. Nos diálogos com os alunos constatou-se que alguns tinham planos de trabalhar com o cinema, outros, sequer gostavam de cinema – mas que ao longo do projeto ficaram curiosos a medida que foram assistindo a filmes na escola - e outros queriam que o cinema fosse usado em sala de aula.

Além disso, na E.M.E.F. Francisca Weinmann, realizamos uma seleção de filmes com os participantes do projeto (professores, bolsistas e alunos) com o objetivo de criarmos um acervo de filmes variados para serem assistidos, refletidos e discutidos no grupo, a partir das sugestões dos alunos. Esta atividade também nos possibilitou compor cenários que aproximasse à leitura um imaginário de práticas que possivelmente estivessem instituídas (Castoriadis, 1999) na escola, mas também a riqueza que a produção da experiência estética (Hermann, 2005) pelo cinema abre ao instituinte (Castoriadis, 1982) na educação.

Nesta sistemática, provocamos a oferta de uma proposta que se quisesse diferente do que a escola estivesse acostumada em suas formações para aprofundar o conhecimento dos alunos acerca do cinema em seus gêneros favoritos (ação, comédia, documentário, aventura, ficção, romance, comédia romântica entre outros) ou pouco conhecidos. Verificamos nesta ocasião que os alunos tinham preferência pela comédia, ação e suspense.  Nos questionamos: quais fatores são mais decisivos na escolha de um repertório que compõe o favoritismo a um gênero cinematográfico?

Na escola E.M.E.F. Francisca Weinmann, foi proporcionado aos alunos a oportunidade de manusear câmeras fotográficas para fotografar e gravar vídeos. Os alunos foram instigados a criarem roteiros de um minuto, utilizando a técnica “Minutos Lumière”. Estes exercícios tiveram como finalidade a criação de pequenos filmes com a duração de um minuto. Esta prática possibilitou aos alunos aprenderem acerca das escolhas dos cenários, dos enquadramentos, das situações de luz e sons, da construção das cenas a partir do seu olhar sobre as diferentes realidades. Para que pudessem fazer estas escolhas, oportunizamos oficinas de fotografias: observações de imagens em diferentes perspectivas de enquadramento, cores, entre outros cuidados que a fotografia – e a filmagem – exige. O manuseio da câmera fotográfica para, além da fotografia, compor um vídeo, foi o tema de mais uma oficina de edição de vídeo e criação de trilha sonora.

Com os alunos e professores desta escola foram criados roteiros para a produção de curtas-metragem e documentários, partindo das ideias dos alunos e dos seus interesses. Aqui sim, esteve presente a discussão e a parte significativa de redigir uma ideia e recortá-la em momentos que se tornassem possíveis de perceberem-se momentos importantes no desenrolar de uma narrativa compreensiva por aqueles que viessem assisti-la. Produzi-la e reconhecê-la nas produções dos colegas foi mais um dos pontos levantados durante os encontros de formação nas escolas.

Desta forma, a partir do que os alunos manifestavam nas discussões com os participantes do grupo GEPEIS, surgiu a ideia de criar um curta-metragem sobre a “Infância” – filmado na cidade de Silveira Martins/RS/BRA – com a finalidade de conhecer como eram as infâncias de seus avós. Nesse curta-metragem eles tiveram a oportunidade de brincar com os brinquedos da época dos seus avós, como bilboquê, peteca,  pião, bolitas, entre outros ainda mais antigos e pouco conhecidos. Para isto, o grupo assistiu a filmes que mostravam como eram as crianças, com quais brinquedos brincavam, que roupas vestiam, sua postura na época.

No decorrer das filmagens, os alunos tiveram intensa participação como atores, fotógrafos, diretores de cenas, auxiliando nas gravações e na organização do cenário. Este envolvimento mostrou o quanto o cinema faz sentido e tem significado na vida dos alunos. Uma sessão de cinema passou a ser tão mais rico nas leituras informativas, técnicas e recreativas que não poderia mais ser trocado por sessão não menos importante. A estética de um filme (Aumont, 1995) passou a dizer muito mais que a seleção da trilha sonora, fotografia, luz, elenco...

Aos professores, as formações continuam, pois o interesse passou a não se conter nas oficinas oferecidas, mas estendeu-se a aprofundamentos teóricos em participações de aulas e seminários em programas de Pós-graduação, inspirando e estimulando na busca por estudos pessoais de formação docente no desenvolvimento profissional. Tomando os estudos de Barthes (2004) que chama-nos a pensar sobre as sensações que ficam “Ao sair do cinema”, passamos a convidar os professores a “irem ao cinema”, a levarem o cinema para a escola e para a sala de aula. O cinema passa a ser um interesse que atrai para mais estudos dentro e fora das grandes salas e para as pequenas salas, pois educação não é privilégio dos espaços que a elegem, mas que a reconhecem.

3. REVISÃO DE LITERATURA

Pensar o cinema não apenas como ato pedagógico, mas legitimar seu lugar como ato criativo e estético é uma função muito importante nos espaços escolares, em tempo de tecnologias de informação e comunicação cada vez mais populares também na escola. Conforme salienta Bergala (2007), significa pensar os filmes como um gesto de criação, não como objeto de leitura decodificada, mas cada plano como uma pincelada de um pintor, como se pudesse compreender seu processo de criação. Entretanto, para visualizar o cinema dessa maneira, é necessário vê-lo como arte na escola.

Com essa visão, Bergala (2007) pretende deslocar o foco da leitura analítica e crítica dos filmes para uma leitura criativa, que estabeleça uma relação entre espectador e autor dos filmes, e que o leve a acompanhar, em sua imaginação, as emoções do processo criativo. Nessa perspectiva, o cinema passa a ser visto como arte no âmbito escolar, porque ultrapassa a ideia do puro e simples ato pedagógico, pelo qual apenas pretende-se atingir determinado objetivo com os filmes, ou que devem estar estritamente interligados aos conteúdos de ensino. Ao contrário, pensar o cinema como arte na escola significa legitimar seu espaço como criação, invenção, imaginação e experiência estética.

Entretanto, para que o cinema seja visto e, de fato, abordado dessa forma, é necessário, como recomenda Bergala (2007), propiciar um clima de autonomia, por parte de quem aprende, modificando a “explicação” pela “exposição” de muitos e bons filmes, procurando estabelecer uma cultura cinematográfica. E, para que esse processo ocorra, será imprescindível a mediação educativa que auxiliará a articulação, comparando trechos de filme para aguçar a observação das sutilezas. A estética (Eagleton, 1993) que passará a buscar pelas cenas que compuser virá a falar do que a nossa linguagem possa expressar.

Sob essa perspectiva, pode-se refletir que o cinema na escola proporciona outras formas de ser e estar em aula, pois descentraliza o papel do professor, como protagonista do processo de aprendizagem. Ultrapassa-se a ideia de massificação de conteúdos em currículos empobrecidos, para currículos que se abrem às possibilidades de um repensar pelas pautas do cotidiano (Alves, 2002); (Silva, 2003), pois, todos se colocam na mesma condição e direção (Fresquet, 2013) quando olham para uma tela que exibe um filme. Ao assistirem a uma produção cinematográfica, não há uma relação que coloque os corpos de frente uns para os outros, espelhando o enfrentamento de quem sabe e de quem não sabe.

Assim, pensar o cinema como arte na escola requer espaços de criação, de percepção de sons, imagens, luzes, planos, montagens, composições, bem como as impressões e sentimentos que afloram nesses espaços. Isso é o que assegura Bergala (2007) em seu livro A Hipótese-Cinema: pequeno tratado de transmissão do cinema dentro e fora da escola. A aproximação do cinema na escola é uma oportunidade para vê-lo como um bom objeto, mas, para que seja visto dessa forma, deve ser concebido antes como arte, para não preconizar o estudo de filmes em aula, com o famoso pretexto de “desenvolver o senso crítico”. Deste modo, com base nas afirmações dos autores citados, viabilizar o cinema como arte na escola necessita primeiramente romper com a concepção do “pedagogismo”, ou seja, assistir a filmes com caráter pedagógico e moralizador.

CONCLUSÃO

Um dos objetivos alcançados por este projeto foi o de ter promovido a parceria de alunos e professores das escolas públicas com os integrantes do GEPEIS, capacitando-os para o uso do cinema na escola e o trabalho interdisciplinar. Outro objetivo atingido foi o de ter proporcionado formação continuada aos professores que desejavam trabalhar com o cinema, desafiando tanto estes quanto seus alunos a produzirem roteiros e realizarem produções que ousassem serem chamadas de “cinematográficas”.

Nas formações proporcionadas aos professores, ao assistirem a filmes juntos, conseguiram pensar sobre a exibição do cinema na sala de aula. As discussões foram mais arriscadas quando se posicionavam ao emitir suas percepções e concepções provocadas pelos filmes até tratar acerca de temas que fossem desde identidade de gênero e orientação sexual à diversidade étnico-racial, infância, adolescência, inclusão, diversidade religiosa, despertando o interesse dos alunos e professores por esta prática.

Neste projeto também foi possível planejar roteiros e produzir curtas-metragens com os alunos e professores das escolas, trabalhando desde o roteiro até a edição, passando por cenografia, filmagem, iluminação, sonorização, entre outras técnicas necessárias para a produção até exibição de uma produção audiovisual. Prova de que o cinema não está para um didatismo que ilustra conteúdos listados em programas, mas elemento signifitivo de produção de conhecimento.

Nas pesquisas e nos encontros com os professores no “Cinema Itinerante” foi observado que está instituído no imaginário docente que o cinema nacional não merece atenção, por não ser um cinema de qualidade. O GEPEIS, através de seus projetos, está ciente de que é longo o caminho a ser percorrido em busca da formação e instituição de um novo imaginário quando trata-se não só de cinema nacional, mas do cinema por si só.

 

REFERÊNCIAS

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