Crítica da tradução de “Jabberwoky”, de Lewis Carroll por Alison Silveira de Morais.

Crítica da tradução de “Jabberwoky”, de Lewis Carroll por Alison Silveira de Morais.
Por Marcos Staub, Mestrando em Estudos Da Tradução - Universidade Federal de Santa Catarina 9UFSC) no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PPGET).
Alison Silveira de Morais traduziu “Jabberwocky (1871), de Lewis Carroll (1832-1898) para o dialeto nativo da ilha de Florianópolis, do "manezinho da ilha". Segundo o tradutor, trata-se de uma "tradução indireta", definida por Paulo Rónai (1907-1992), no livro Escola De Tradutores (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987), como traduções que partem não do texto fonte, mas de sua tradução para uma outra língua . Alison conta que verteu primeiro o poema para a língua portuguesa padrão e a partir dessa tradução, verteu o poema para o dialeto da Ilha.
“Jabberwocky” é um poema nonsense (sem sentido) que aparece em Trough the looking-Glass, e What Alice Found There(1871), de Lewis Carroll. É considerado um dos maiores poemas de nonsense escritos em língua inglesa, traduzido para diversas línguas inclusive Latim e Esperanto. O que faz da tradução de Alison (“Benrnuntatá”- 2019) diferente das outras tantas já existentes, incluindo a celebre tradução de Augusto de Campos (“Jaguadarte”) e a mais recente de Marcos Staub (“Kobolde” -2019)?
Alison Silveira de Morais apropria-se do referido dialeto regional nativo da ilha de Florianópolis para sua auto entitulada "adaptação/recriação" valendo-se de figuras mitológicas do folclore como sapo cururu, caipora, boitatá e bernunça. Estes últimos fundem-se para intitular o poema e nomear o monstro ou "monxtrengo" nesta versão; no poema de Carrol, Jabber é "aquele que conversa rápida ou incoerentemente, com expressão indistinta", o que encontra eco na versão de Alison, pois a "Bernunça" é uma criatura com uma bocarra que se assemelha a de um jacaré. Os elementos que recriam o fantástico, definido por Ceserani (2004/2006) e Furtado (1980) como o gênero literário da ambiguidade; a invasão do sobrenatural, do irreal e do inexplicável. Tal qual a metáfora da alma refletida no espelho em o conto The Lady in the looking-glass: a reflexion, de Virgínia Wolf (1929/1993).
É objeto de analise do fantástico tudo aquilo que é estranho e inexplicável racionalmente ao ser humano. Segundo Ceserani (2006), o fantástico é responsável por projetar as imagens de angústias e horrores, que até então são objetos de sonhos e pesadelos e materializar nossa própria obscuridade. Forma recorrente na literatura, sobretudo na literatura fantástica, de dar vida a esses conteúdos sombrios da mente é com a presença de um espelho. Esses elementos do sobrenatural são materializados nas figuras do "movosdebo" (o secretário do diabo), e "debrumu" (a criatura alada que prepara as mulheres para a iniciação à bruxaria) e também a "vassoura embruxada" que substitui "The Vorpal blade" de Carroll.
Em consonância com minha própria versão “Kobolde” (Marcos Staub 2019) que traz elementos do folklore alemão por influência de minhas origens; “Kobolde” é um espírito proveniente da mitologia germânica. “Kobolde ou Klabautermann” pode se materializar na forma de um animal, fogo ou humano. Imitando os humanos geralmente aparece com roupas de marinheiro e fumando cachimbo, sua fala é quase ininteligível. "Silfos e Ondinas" que introduzi na tradução são gênios da mitologia germânica da idade média, são elementais da Magia e mesclam perfeitamente com a atmosfera sobre-humana em que se travaria o combate. Quetzalcóat é uma divindade na cultura e na literatura mesoamericanas cujo nome vem da língua Nahuatl e significa "serpente emplumada", Leviatam é um monstro marinho do caos primitivo, mencionado na Bíblia, e cujas origens remontariam à mitologia fenícia "The Vorpal blade", que traduzi para Athame, ou Athame Celta é a espada cerimonial de um alto sacerdote, ou Mago Elemental e a batalha sobre-humana somente poderia ocorrer em um ambiente de magia sobrenatural; ambas as traduções/versões mantêm perfeito dialogismo.
Augusto de Campos (1931) é um poeta, ensaísta, crítico de literatura e música e um tradutor brasileiro, um dos criadores do movimento literário denominado Poesia Concreta, onde a poesia ganhava nova forma poética baseada na desintegração total do verso tradicional, para quem a língua portuguesa não impunha limites de expressionismo, verteu para a língua materna o poema, mantendo o contexto do "nonsense" com rigor da métrica poética e rimas sonoras. Em seus comentários, Campos explica que "o mínimo que se pode dizer (de Jaguadarte) é que é um dos poemas fundantes da modernidade". Para compô-lo, Carroll usou "palavras-valise, que empacotam dois ou três vocábulos num só".
"Era briluz.As lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos.Estavam mimsicais as pintalouvas, e os momirratos davam grilvos."
As palavras-valise não estão desprovidas de significado em favor do som: englobam nonsense e sentido, criam associações com a própria sobreposição. O poema, conta Campos, interessou os surrealistas.
Para Lewis Carroll não podemos perguntar, não ao menos para aqueles não familiarizados com nigromancia, pois o poeta já morreu; Se o sobrenatural e o fantástico influenciaram ou não o poema. Disso podemos auferir com uma certa margem de segurança, devido á contemporaneidade do poema (1871), época em que o gênero fantástico era mais proeminente, lembrando, contudo, que Carroll fundou uma nova escola o nonsense inglês. De acordo com Umberto Eco (1932) traduzir seria dizer a mesma coisa em outra língua, ou... "quase a mesma coisa"; ou verter para outro idioma, "se não o que o autor quis dizer, ao menos o que o texto quis dizer." Desta forma temos:
Jabberwocky BY LEWIS CARROLL
'Twas brillig, and the slithy toves Did gyre and gimble in the wabe: All mimsy were the borogoves, And the mome raths outgrabe.
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Bernuntatá Alison Silveira de Morais
Alumiado côsa brilhóza, sapo Cururu na rebardaria
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Kobolde Marcos Staub
Era resplandescente, salamandra a rastejar Retorcia na grama a vagar: Silfos esvaneciam E as Ondinas a serpentear.
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Jaguadarte Augusto de Campos Era briluz. |
Em suma o número de possibilidades interpretativas está apenas limitado ao número de tradutores que se empenharem na tarefa de traduzir Jabberwoky e é nisso que reside a beleza da tarefa do tradutor; aproximar o leitor da obra original, gerando uma sensação de "same look and feel", porém exercendo uma liberdade criativa, dentro dos limites da deontologia profissional permitidas ao tradutor. Disso usou e abusou Alison na brilhante tradução/versão do poema de Lewis Carroll.