01/10/2019

Da cultura organizacional à cultura de escola

Jorge Barros

Pós-graduado e Mestre em Administração e Gestão Escolar, Doutor em Administração e Gestão Educativa e Escolar, Professor no 2.º Ciclo do Ensino Básico no Agrupamento de Escolas Dra. Laura Ayres (ESLA), Quarteira

 

A cultura pode ter várias interpretações. O seu conceito é difícil de definir, uma vez que é multidimensional, tendo muitas componentes e a diferentes níveis. Contudo, em sentido literal, a palavra cultura refere-se diretamente ao cultivo da terra e, de modo indireto, ao cultivo das atitudes próprias do ser humano, tendo um significado metafórico equivalente ao de educação. Esta primeira aceção adquiriu maior complexidade como consequência da importância que os antropólogos atribuíram ao estudo dos povos primitivos, em meados do século XIX. Desta forma, a cultura passa a ser um conceito com alcance global que se manifesta em formas de pensamento e comportamento, e que refletem um conjunto de atitudes e de manifestações de uma sociedade, com o intuito de se adaptar ao meio em que se desenvolve.

Assim, pode-se afirmar que a cultura é um constructo de raiz antropológica para a compreensão de comportamentos sociais, que tem vindo a ser utilizada como conceito-chave, a nível organizacional. Podemos ainda defini-la como um conjunto complexo de representações, de juízes ideológicos, de sentimentos e de obras do espírito que se transmitem no interior de uma comunidade urbana.

Pode, igualmente, ser o conjunto específico de valores e normas que são partilhados pelas pessoas e grupos numa organização e que controlam a forma como interagem entre si e com os stakeholders no exterior da organização.

Julgamos ainda que a cultura pode ser o modo de vida, de interação e de cooperação numa família, associação, coletividade ou organização, assim como a forma como estas interações são justificadas por um sistema de crenças, de valores e de normas.

Uma concetualização mais abrangente diz-nos que a cultura não são só ideias, crenças, normas e valores, mas também práticas, comportamentos, atitudes, criações, obras de arte, entre outros aspetos, e que está diretamente ligada à ideia de totalidade, pois a cultura abarca tudo o que é adquirido, aprendido e pode ser transmitido. Ela compreende desde os aspetos tecnológicos e organizacionais, até formas de expressão, criações, comportamentos aprendidos e partilhados.

Em forma de síntese, podemos dizer que se coloca hoje a cultura no âmago da discussão que tem sido desenvolvida pelos estudos organizacionais. Quanto à resposta à pergunta «O que é a cultura?» já é visível que ela não poderá ser única nem tão pouco consensual. As respostas dependerão sempre da perspetiva adotada.

Em tudo na vida está presente a cultura, como por exemplo no desporto, nas empresas em qualquer outra organização. Neste último caso é designada por cultura organizacional e embora o seu conceito não seja consensual entre os investigadores, ele apresenta-se como um elemento altamente relevante para a compreensão das organizações. Tendo em conta que a cultura da organização não é algo estável, na medida em que intervêm diversos atores organizacionais é um fenómeno que resulta do conjunto de interações individuais em que nenhuma delas é determinante. Ela desenvolve-se no decurso da interação social.

Sabendo-se que não existe consenso face ao conceito de cultura organizacional, assinala-se que a investigação deu um forte impulso a esta temática ao permitir a emergência de elementos consensuais que integram aquele conceito, designadamente: a cultura organizacional existe; cada cultura organizacional é relativamente única; é um conceito socialmente construído; constitui um modo de compreensão e de atribuição de sentido à realidade; baseia-se num poderoso meio de orientação para o comportamento organizacional.

A cultura organizacional significa um modo de vida, um sistema de valores e crenças. Enfim, são as caraterísticas próprias da organização e dos seus valores. Pode ainda definir-se como um conjunto de valores, crenças e hábitos partilhados pelos membros de uma organização que interagem com a sua estrutura formal produzindo normas de comportamento.

Julgamos, também, que a cultura organizacional resulta do facto de existir uma interação sociocultural entre a organização e o seu meio. No entanto, embora se consigam descortinar as suas principais caraterísticas, existem diferentes entendimentos sobre o que é a cultura organizacional, como seguidamente passamos a apresentar.

A cultura organizacional exprime um certo número de assunções, crenças e valores sob formas materiais concretas ou artefactos e, ainda, dispositivos simbólicos que são partilhados pela totalidade ou parte dos membros de uma organização.

Também poder ser definida como o conjunto de crenças que são traduzidas em valores, símbolos, rituais e hábitos partilhados pelos membros da organização, que determinam uma identidade específica e distinta tanto para os próprios membros quanto para o meio ambiente, no qual a organização se insere.

Salienta-se também a cultura organizacional como um conjunto complexo de ideologias, símbolos e valores importantes partilhados por toda a organização e que influenciam a maneira como tudo é administrado.

Outra perspetiva em relação à cultura organizacional considera-a como uma ferramenta de gestão de pessoas.

A cultura organizacional alimenta-se e é composta por valores que a organização adota como próprios, a partir daqueles que os seus membros transportam consigo e transmitem ao longo da sua vida. Ela transmite-se aos trabalhadores e colaboradores da organização de diversas formas, sendo que as mais comuns e eficazes se processam através das histórias, dos rituais, dos símbolos e da linguagem.

A cultura organizacional está sujeita a influências externas que resultam dos valores existentes na sociedade em que a organização se insere e, também, de grupos externos organizados com os quais se relaciona direta ou indiretamente através dos seus membros.

A cultura organizacional constitui-se, nos dias de hoje, como um dos instrumentos de eficácia, de eficiência e de repositório de boas práticas, contribuindo para esclarecer e reduzir a incerteza e a insegurança dos seus membros quanto a processos operatórios. As boas práticas são instituídas e ensinadas aos trabalhadores para que estes as sigam e para que os resultados desejados sejam atingidos. Mas, por outro lado, os próprios trabalhadores descobrem e propõem novos procedimentos que melhoram a atividade e os resultados da organização, os quais enriquecem a cultura organizacional. Este processo acentua o caráter dinâmico, progressivo e participativo que se desenvolve ao longo da história da existência da organização e da sua própria cultura organizacional.

Facilmente conseguem-se perceber alguns dos aspetos da cultura organizacional enquanto outros são menos visíveis e de difícil perceção. Esta situação assemelha-se a um iceberg, em que a sua parte superior é perfeitamente visível, uma vez que se encontra acima da linha de água e a sua parte inferior fica oculta sob água e totalmente fora da visão humana. Da mesma forma, a cultura organizacional mostra aspetos formais que são facilmente percetíveis, como as políticas, as diretrizes, os métodos e os procedimentos, os objetivos, a estrutura organizacional e a tecnologia adotada. Já alguns aspetos informais são ocultados como, por exemplo, as perceções, os sentimentos, as atitudes, os valores, as intenções informais e as normas grupais. Estes aspetos da cultura organizacional são os mais difíceis de compreender, de interpretar, de mudar e de sofrer transformações.

Podemos, ainda, referir que a cultura organizacional constitui a maneira pela qual cada organização aprendeu a lidar e a relacionar-se com o seu ambiente. Resume-se à forma particular que cada organização tem de funcionar e de trabalhar, que resulta de uma complexa mistura de pressuposições, crenças, comportamentos, histórias, mitos, metáforas e outras ideias.

Por último, podemos acrescentar que cultura de uma organização permite que os seus membros se identifiquem como tal e, através do conjunto de mensagens e indicações que ela contém, leva a que cada um deles seja capaz de indicar os comportamentos considerados aceitáveis e considerados indesejáveis, uma vez que as culturas organizacionais são a fonte do comportamento numa dada organização. Ela também pode ser o catalisador da mudança.

Ao contactarmos com a literatura relacionada com a cultura organizacional pudemos verificar que, de uma forma geral, os conceitos encontrados são muitos parecidos ou complementam-se.

À semelhança das outras organizações, também as escolas são organizações com uma cultura organizacional própria e específica e os elementos que a determinam são os seus objetivos, o ambiente em que operam e as pessoas que a constituem.

O conceito de cultura organizacional foi transposto para a área da educação a partir da década de 70 do século passado, originando alguns trabalhos / estudos com muito interesse. Na atualidade, a problemática da cultura organizacional em contexto escolar constitui ainda um eixo de investigação fundamental e de grande importância. Contudo, apesar de nas últimas quatro décadas os estudos de âmbito internacional de que foi objeto terem permitido um significativo desenvolvimento em torno desta temática, não nos parece fácil encontrar uma delimitação do conceito de cultura escolar que seja genericamente aceitável, consensual e reconhecida, já que esse conceito é definido de várias maneiras (tal como muitos dos conceitos usados em pedagogia), parecendo, assim, quase impossível encontrar para ele uma delimitação inequívoca e única.

Desta forma, apresentaremos algumas conceções e abordagens que se conhecem tendo por base a literatura desta especialidade.

Assim, a cultura escolar manifesta-se no comportamento de seus membros, as decisões curriculares, a distribuição de tempos, espaços, responsabilidades e outras capacidades existentes, bem como as estruturas de poder, visíveis e invisíveis, que operam no sistema, funcionando a mesma como um cimento, o que ajuda a manter os elementos unidos de toda a organização escolar.

Pode também ser um conjunto de fenómenos decorrentes da interação de seres humanos na organização, no caso, escolar. Revela-se, portanto, como fenómeno grupal, resultante e caraterístico de uma coletividade. Trata-se de um conceito que engloba tanto os factos materiais como os abstratos, decorrentes da convivência humana institucional.

A cultura escolar também pode ser entendida como um conceito que inclui o clima escolar, o estilo como cada pessoa se organiza, o trabalho em conjunto na aplicação de estratégias comuns, conceções pedagógicas, definição do papel das pessoas na escola, relações interpessoais, fatores de motivação, am­biente físico da escola e a sua imagem.

Da cultura da escola fazem parte os símbolos (objectos naturais ou fabricados, configuração dos espaços, pessoas e funções), a linguagem (jargão, calão, gestos, sinais, signos, canções, humor, anedotas, maledicência, rumores, metáforas, provérbios e slogans), as narrativas (histórias, sagas e mitos) e as práticas (rituais, tabus, ritos e cerimónias).

A cultura escolar pode ainda ser definida como um conjunto de su­posições, abordagens e princípios geralmente perfilhados numa determinada esco­la e mantidos durante um longo período de tempo. Este tipo de cultura sempre manifestou determinados sinais que permitiram concluir a sua aceitação ou rejeição por parte da população escolar, o que inclui a tradição, a capacidade para mudar, o caráter e a capacidade de autotransformação. Esta cultura é ativamente construída pelos atores escolares, mesmo que essa construção permaneça, em grande parte inconsciente. Trata-se de um processo dinâmico, evolutivo e de aprendizagem que se estabiliza como conjunto de regras do jogo que organiza a cooperação, a comunicação, as relações de poder, a divisão do trabalho, os modos de decisão, as maneiras de agir e interagir, a relação com o tempo, a abertura para fora, o estatuto da diferença e da divergência, a solidariedade.

Podemos igualmente atribuir-lhe o significado de algo que se constitui pelo conjunto de normas, valores, sistemas de crenças, estruturas cognitivas e significados das pessoas nas escolas.

Ainda em relação à cultura escolar, verifica-se um contributo importante da gestão para o uso deste conceito. Nesta área, pode-se relacionar a cultura escolar com a eficiência da organização escola. A este respeito, a cultura de uma escola é um fenómeno interno que é criado em pri­meiro lugar e só depois utilizado no âmbito da gestão pelos atuais empregadores escolares. Ainda no âmbito desta temática podemos acrescentar que existe explicitamente a relação entre cultura escolar e a eficiência escolar. Para tal, socorremo-nos das pesquisas realizadas por alguns autores que referem que as escolas que conscien­temente trabalham com projetos educativos que incluem uma cultura de escola são melhor nas suas atividades.

Numa perspetiva mais abrangente, podemos dizer que a cultura escolar engloba um um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas.

A cultura de escola também ajuda a definir e a caraterizar cada escola como tendo uma cultura sua, uma cultura própria, uma cultura que a identifica e a distingue das restantes. Por exemplo, podemos encontrar escolas com uma cultura vigorosa, onde existe um alto grau de coesão entre seus membros e no qual se dá primazia aos valores e propósitos institucionais, e não a indivíduos ou grupos. Entre outros aspetos, essas escolas têm uma filosofia amplamente partilhada, atribuem grande importância ao elemento humano e partilham práticas ou rituais de natureza positiva. Pelo contrário, existem instituições escolares com uma cultura fraca ou fragmentada, em que há um baixo nível de coesão entre as diferentes áreas e elementos da organização. Neste tipo de organizações, os interesses individuais ou de certos grupos destacam-se mais, surgindo o fenômeno das subculturas que em um determinado momento passam a ter um peso maior que o da cultura institucional.

A escola cria uma cultura ou uma subcultura se quisermos, que transmite normas, crenças, valores e mitos que regulam o comportamento dos seus membros. Esta cultura própria que cada escola apresenta deve-se ao facto dela ser uma organização que se estrutura sobre processos, normas, valores, significados, rituais e formas de pensamento. Esse processo de socialização na escola condiciona as suas estruturas, a forma de organizar o espaço e a maneira de articular as relações. Desta forma, ela revela-se capaz não só de reproduzir, como também de produzir cultura, inclusive a sua própria cultura, daí emanando esquemas coletivos de significados estabelecidos por meio de interações desenvolvidas nessas mesmas práticas institucionais. Assim, a escola é capaz de moldar as ações dos seus atores, seguindo um esquema de referências comum.

Deste modo, a cultura organizacional de uma escola ajuda a explicar, por exemplo, o assentimento ou a resistência ante as inovações, certos modos de tratar os alunos, as formas de enfrentamento de problemas de disciplina, a aceitação ou não de mudanças na rotina de trabalho, etc.. Essa cultura organizacional de escola, diz respeito às caraterísticas culturais não apenas de professores, mas também de alunos, funcionários e pais e encarregados de educação. Este tipo de cultura escolar pode aparecer sob duas formas: como cultura instituída e como cultura instituinte. A cultura instituída refere-se a normas legais, estrutura organizacional definida pelos órgãos oficiais, rotinas, grelha curricular, horários, normas disciplinares, etc.. A cultura instituinte é aquela em que os membros da escola criam, recriam, nas suas relações e na vivência cotidiana, portanto, podendo modificar a cultura instituída.

As culturas organizacionais são importantes para o sucesso das escolas, para a concretização dos objetivos definidos. Elas oferecem uma identidade organizacional aos seus membros (pessoal docente, não docente e discente) e uma visão definidora daquilo que cada uma deste tipo de organizações representa. São, ainda, uma fonte de estabilidade e de continuidade para cada escola. O seu conhecimento possibilita aos novos atores educativos da escola interpretar o que ocorre no seu interior, o que facilita a sua integração e a sua adesão ao trabalho para a consecução dos objetivos previamente definidos. As culturas organizacionais próprias de cada organização específica que é a escola ajudam a estimular o entusiasmo dos seus membros para a realização das suas tarefas, tendo sempre em vista os mesmos objetivos, que a organização escola já tinha traçado. Por último, julgamos que estas culturas atraem a atenção, transmitem uma visão da organização e, normalmente, valorizam os membros criativos e com excelente desempenho como heróis. Desta forma, as culturas organizacionais ao reconhecerem e recompensarem tais membros, identificam-nos como modelos a serem seguidos. Em muitas escolas algarvias este tipo de situações tem tradução prática com a instituição dos quadros de mérito académico e dos quadros de mérito especial para o pessoal discente, assim como no passado com a implementação dos prémios Jack Petchey(*), dirigidos ao pessoal docente, não docente e discente.

Julgamos que uma cultura de escola que se queira própria, identitária e significativa tem de passar pela participação dos diferentes atores que nela atuam, trabalham e que com ela se relacionam e nunca ser imposta, devendo antes desenvolver-se através da interação social dos seus membros.

Num Agrupamento de Escolas ou numa Escola não Agrupada, julgamos que uma das formas que o Diretor tem ao seu alcance para alterar a cultura da organização escola é mudar as pessoas, ou seja, passa por indicar ou nomear outros docentes para as estruturas intermédias e, também, para a chefia do pessoal não docente.

 

(*) Os prémios Jack Petchey, constituíam-se como prémios de realização e liderança que se dirigiam à comunidade escolar. Estes prémios eram entregues, mensalmente, aos jovens dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico, que se distinguiam ou contribuíam de qualquer modo para o seu clube, para o seu projeto, para a sua escola ou para o seu grupo associativo. São, também, atribuídos, anualmente, a adultos que tivessem demonstrado de uma maneira saliente, uma habilidade para encorajar e motivar os jovens. Os prémios Jack Petchey visavam a construção de uma tomada de consciência da identidade pessoal e social; a valorização das dimensões relacionais da aprendizagem e dos princípios éticos que regulam o relacionamento com o saber e com os outros; a participação na vida cívica de forma livre, responsável, solidária e crítica. Este tipo de prémios pretendia, assim, premiar e valorizar os alunos e os adultos, da comunidade escolar, que evidenciassem atitudes concordantes com as finalidades da Fundação Jack Petchey. Este tipo de prémio deixou de ser entregue na região do Algarve, em Portugal, no início da segunda década deste século.

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