19/10/2016

DE VOLTA AO COMEÇO

Dênio Mágno da Cunha*

               Há anos encontrei um pequeno livro sobre gestão com uma expressão dessas que volta e meia retornam no pensamento: retornar básico, no sentido daquilo que é fundamental. O autor dizia que os princípios fundamentais da Administração deveriam ser preservados, sob pena de nos perdermos no vazio da falta de referência.

            Aqueles que me leem aqui sabem o quanto preservo expressões, na sua maioria títulos de livros a indicarem caminhos, serem referência. Entre outros: “O Artificie”; “Seis Propostas para o Próximo Milênio”, “A Condição Humana” e outros. São expressões que trazem em si o significado de alguns valores essenciais para a vida. Não são os únicos, mas estão entre os principais.

               O Artificie (Richard Sennet) me remete ao cuidado, ao esmero, a atenção, o foco, a concentração, o fazer, a solidão. Na educação, trás de volta o sentido da relação entre o mestre e seu aprendiz. No divino, a presença do artificie maior, Criador do Universo.

               Ressalva: óbvio que cada um de nós poderia fazer, e faz, ligações pessoais com as palavras. Se fosse outro a descrever essa relação, seria outro o resultado.

               Seis Propostas para o Próximo Milênio, é pura literatura, puro valores que se observados e interpretados nos dariam imensas possibilidades de aplicação em diversos campos da atividade humana. Já escrevi sobre eles inúmeras vezes e os persigo: “Leveza”, “Rapidez”, “Exatidão”, “Visibilidade”, “Multiplicidade” e (aquele que nunca foi escrito) “Consistência”. Não decorei. Faço questão de não sabe-los de cor, só para poder pesquisar e rememorá-los. Gostaria muito de ter sido o autor deste livro e por isso venero Ítalo Calvino.

               A Condição Humana (pode ser o de autoria do Andre Malraux), mas sempre me refiro ao escrito por ela, Hannah Arendt – com quem gostaria de ter conversado e ser amigo. Gosto sobretudo do Prólogo, onde rapidamente vemos pérolas para nossa reflexão – no tempo passado, quando o livro foi escrito e atualmente.

              Há um contexto, mas retiro de lá um trecho e proponho para a nossa reflexão.

              Falando de determinado tema, Hannah escreve:

É óbvio que isto requer reflexão; e a irreflexão – a imprudência temerária ou a irremediável confusão ou a repetição complacente de “verdades’ que se tornam triviais e vazias – parece ser uma das principais características do nosso tempo. O que proponho, portanto, é muito simples: trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo.

               Belo! Bravíssimo! Se prestarmos atenção e repararmos ao que estamos vivendo (fazendo) nesse mundo midiático, concluiremos sobre como estamos nos transformando e à vida em algo trivial e vazio, quando repetirmos conceitos, ideias sem sobre elas fazermos a mínima reflexão. Corremos o risco de sermos uma metralhadora ambulante a repetir clichês; a falar coisas que não resistem a um questionamento, de tão frágeis que são. Parece ser característica de um tempo que não tem tempo para ter tempo de refletir sobre si mesmo ou sobre o que acontece ao redor.

               Poderia citar milhões de exemplos, dos mais distantes como os acontecimentos de Aleppo, aos mais próximos como o furacão no Haiti, até aqueles que nos afetam, como as eleições municipais. Ouvimos, repetimos conceitos, não refletimos. Se houvesse reflexão veríamos e nos oporíamos aos absurdos, seríamos ativistas, mudaríamos o mundo. Nem tanto, nem tanto... Mas no mínimo faríamos diferença significativa se não repetíssemos conceitos, apenas porque “deu no New York Times”, como vaticinava Henfil ao prever que só seria verdade aquilo que fosse publicado no dito jornal – substituído aqui no Brasil pelas grandes redes de tv.

               Mas não só redes de tv, não é mesmo? Diariamente caímos em contos e lendas urbanas publicadas no Facebook, em posts do Whats app. Isto é, acreditamos em tudo o que estiver publicado sem checar sua veracidade, sua fonte. Matracas, somos.

               Peço ao leitor que não acredite no que estou dizendo, duvide e comprove se estou errado.

               Nesse instante, vemos que os três títulos mencionados no início do texto se unidos constituiriam em princípios fundamentais, pois seria necessário para mudar a ordem geral das coisas, uma atitude de cuidado com a Humanidade, de atenção, de espírito Criador; referenciado em valores fundamentais, nos permitindo viver com leveza d’alma, agindo rapidamente, atingindo exatamente o ponto chave, dando visibilidade às justas causas, multiplicando riquezas de forma consistente, para todo o sempre. Amém!

               E se me permitem, volto ao início e princípio de tudo: o Verbo que só existirá se houver o Mensageiro. Cabe a nós, professores, a missão nobre de quebrar o encanto das frases fáceis, das trivialidades vazias, chamando nossos aprendizes – quem dera fossem – à reflexão sobre o uso que farão do conhecimento. Mas não só: cabe despertá-los do feitiço de Medusa, travestida em telas fulgurantes que hipnotizam toda uma geração, movendo a vida para um espaço digital.

               Trabalho hercúleo, mas necessário. Necessário voltarmos ao essencial, ao começo, para irmos ao fundo. Para refletir.

DE VOLTA AO COMEÇO (Gonzaguinha)

E o menino com o brilho do sol

Na menina dos olhos

Sorri e estende a mão

Entregando o seu coração

E eu entrego o meu coração

E eu entro na roda

E canto as antigas cantigas

De amigo irmão

As canções de amanhecer

Lumiar e escuridão

E é como se eu despertasse de um sonho

Que não me deixou viver

E a vida explodisse em meu peito

Com as cores que eu não sonhei

E é como se eu descobrisse que a força

Esteve o tempo todo em mim

E é como se então de repente eu chegasse

Ao fundo do fim

De volta ao começo

Ao fundo do fim

De volta ao começo

 

* Dênio Mágno da Cunha, professor em Carta Consulta, em Una-Unatec, Doutorando em História da Educação pela Universidade de Sorocaba. Acredita na inovação disruptiva e incremental, trazida pela reflexão cotidiana.

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