26/11/2013

Decreto 8.142/2013: Mais rigor e a mesma falta de técnica

Nos últimos anos a legislação educacional está assumindo um espaço ainda mais relevante na educação: normas sobre descontos em mensalidades, nova regra de isenção sobre o PROUNI, instruções normativas, portarias normativas e até notas técnicas (que deveriam ser usadas no âmbito de processos administrativos específicos) estão criando procedimentos, alterando direitos e impondo novas formas de atuar para as Instituições de Ensino Superior (IES).

Em paralelo, o Ministério da Educação consolidou sua política de aplicação medidas que estão  além das suas competências legais, especialmente as medidas denominadas "cautelares". Sobre elas já escrevemos antes, criticando o uso de avaliação preliminar, que deveria ser provisória, o CPC. Também criticamos a falta de requisitos específicos da cautelar administrativa, notadamente o risco extremo de dano iminente, que justificaria uma medida imposta sem prévio contraditório. E, por fim, criticamos a óbvia falta de previsão legal das medidas.

Agora, no final de 2013, o MEC reconheceu, de certa forma, nosso terceiro argumento. Apesar de não normatizar todos tipos de "cautelares" - o que implicaria no reconhecimento de sua atuação à margem da lei nos últimos anos - o Órgão alterou o Decreto 5.773/2006 para incluir novas hipóteses de medidas acautelatórias.

Desta vez o alvo das restrições cautelares serão os programas federais de "acesso e incentivo", o FIES e o PROUNI. Mesmo sendo redigida em um desnecessário “juridiquês”, que repete os termos das cautelares impostas no últimos anos (o MEC "...poderá, motivadamente, em caso de risco iminente ou ameaça aos interesses dos estudantes, adotar providências acauteladoras nos termos do art. 45 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999" e "assegurar a higidez dos programas federais") a mudança contida no Decreto 8.142/2013 indica, claramente, que quatro "punições" antecipadas poderão ser impostas às IES com indicadores de qualidade - Índice Geral de Cursos (IGC) ou Conceito Preliminar de Curso (CPC) - considerados insatisfatórios. Em resumo, o MEC poderá:

  • Impedir novos contratos de financiamento para determinados cursos;
  • Suspender o PROUNI, por meio da retirada do curso do SISPROUNI, a possibilidade da oferta de bolsas e, via de consequência, da obtenção de isenções tributárias em relação a determinados cursos;
  • Suspender repasses às IES relativos a esses ou outros programas de incentivo e acesso - como financiamentos, bolsas de aperfeiçoamento e o PRONATEC, talvez;
  • Impedir a participação das IES em novos programas de incentivo e acesso à Educação Superior.

Não conseguimos, entretanto, vislumbrar hipóteses concretas das duas últimas restrições. É difícil imaginar o Governo Federal cortando recursos de programas vigentes, até porque existem regras e contratos regendo essas relações, havendo consequentemente legítima expectativa quanto aos pactos já firmados. Também é desconcertante pensar que novos programas possam excluir instituições e cursos por causa de uma "cautelar", pois a medida de cautela acabaria se transformando em uma punição efetiva e muitas vezes irreversível.

As duas primeiras medidas, nesse momento, parecem ter uma intenção clara: afastar os cursos com CPC menor que 3, do FIES e do PROUNI. Isto porque o indicador de qualidade será divulgado nas próximas semanas e, como nos últimos anos, virão  também as cautelares.

Todavia, haverá problemas. No caso do FIES há norma expressa que sobrepõe o valor do Conceito de Curso (CC) ao do CPC; assim, uma cautelar baseada numa nota baixa neste último índice, independentemente do CC, seria uma inovação absurda e de legalidade no mínimo duvidosa.

Outro problema é que, no caso do PROUNI, haverá reflexo operacional importante, pois a isenção de impostos é proporcional ao resultado de um cálculo que considera o número de bolsas preenchidas em relação às devidas. Nesse contexto, após uma "cautelar" de restrição de acesso ao PROUNI, qual será o número de bolsas devidas? As bolsas restritas serão consideradas devidas e não preenchidas? Além disso, dependendo da escolha do MEC as IES terão um prejuízo indireto por não ofertar o PROUNI, mas manterão sua proporção de bolsas e sua isenção. Diante dessas circunstâncias, num local onde não exista muita oferta de vagas o prejuízo maior poderá ser dos estudantes mais carentes, que perdem seu direito ao PROUNI.

Ainda em relação ao PROUNI, cabe lembrar que há um termo de adesão de 10 anos, no qual não consta a punição "cautelar". Por outro lado, vários desses termos vencerão em 2014, quando as IES poderão ser impedidas de assinar novos ajustes por causa de uma medida cautelar, ou seja, de uma decisão provisória. Desta forma, tanto num caso quanto noutro, poderá ocorrer ilegalidade.

Além dessas questões não se pode olvidar que mesmo com uma norma expressa existem outras duas críticas às cautelares: a primeira é a evidente falta de urgência. Os cursos que podem ser afetados agora, dentre os quais Direito e Administração, têm sua qualidade avaliada pelo CPC, que tem por base o resultado e as opiniões dos alunos no ENADE de 2012. Portanto, o fato - suposta falta de qualidade - não é atual e, se caracterizasse risco, não seria iminente. Na realidade, qualquer problema ocorrido em 2012 poderia nem mesmo persistir no final de 2013.

A segunda crítica, sobre o uso do CPC para punir, continua também sendo relevante, pois a Lei do SINAES estabelece como referencial de qualidade a avaliação baseada, OBRIGATORIAMENTE, em visitas de comissões de especialistas. Neste caso, só a mudança da lei regularizaria o uso do CPC, que não considera a visita in loco, mas provavelmente considerou-se que mudar a lei no congresso não é tão simples quanto modificar um decreto do Poder Executivo.

Enfim, mesmo com este renovado marco legal, provavelmente uma tentativa bem intencionada de regularizar uma política criada à margem da lei, continuarão existindo irregularidades gravíssimas nas "cautelares" do MEC. E, em função disso, o Judiciário terá que continuar anulando essas medidas para que prevaleça o Estado de Direito, triste rotina num país em que gerar notícias espetaculares é mais importante que respeitar os direitos das partes afetadas.

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