Deficiências no desenvolvimento do Trabalho de Conclusão de Curso: discrepâncias entre os pontos de vista do professor e do aluno
Resumo
Este trabalho aborda o problema da dificuldade dos alunos de um curso superior no desenvolvimento de texto associado ao Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. Buscou-se identificar as possíveis causas desse problema por meio de uma análise comparativa dos pontos de vista do professor de Metodologia do Trabalho Científico e dos alunos. A análise foi realizada pela explicitação do modelo mental do professor e comparada com as respostas a um questionário estruturado aplicado a um conjunto de alunos. Observou-se que a ausência de intertextualidade nos trabalhos escritos não advém da falta de leitura ou da incapacidade do aluno em associar objetivos profissionais e TCC. Embora ocorram similaridades entre o modelo mental do professor e o ponto de vista dos alunos, se faz necessário aprofundar a pesquisa para que seja possível identificar por quais razões os alunos não são capazes de promover autonomamente a intertextualidade.
Palavras-chaves
Trabalho monográfico, desenvolvimento da escrita, organização do trabalho intelectual, inteligência.
1.Introdução
Desenvolver um trabalho científico demanda, além de planejamento, alta carga de trabalho (GIL, 2009). A falta de planejamento é um dos fatores responsáveis por fazer com que o pesquisador não seja compreendido e não consiga disseminar adequadamente sua pesquisa. Porém, observa-se ainda, a dificuldade na expressão escrita, que representa para muitos, uma barreira de difícil transposição, em razão do português técnico, que deve ser utilizado, distanciar-se muito do português coloquial, sendo este primeiro, dominado por uma parcela pequena da população, a chamada “minoria culta” (BIZZOCCHI, 2013). É notório que uma ideia precisa ser bem estruturada para se tornar um texto e o processo de concepção de uma ideia e sua estruturação em um meio pelo qual possa ser difundida, pode ser considerada parte relevante e indissociável da pesquisa científica.
De maneira mais abrangente, a pesquisa cientifica é definida pela busca do conhecimento sobre um determinado fato ou conceito que, submetidos a procedimentos formais, geram condições de entendimento sobre um construto. O senso comum difere da pesquisa científica, e está associado ao conhecimento do dia-a-dia, à experiência não formal e à tentativa e erro (BEZZON et al, 2009).
No âmbito do ensino formal, a pesquisa cientifica é de extrema importância para o desenvolvimento sociocultural dos indivíduos que participam dos cursos superiores, uma vez que instiga a busca pelo conhecimento por meio do emprego de técnicas de analise racional que conferem credibilidade ao resultado da pesquisa. Não obstante, se observa um nível alto de dificuldade manifestado pelos alunos em elaborar a monografia que relata, além de outras coisas, o método e os resultados do trabalho científico executado. Essa dificuldade aloja-se não apenas no âmbito linguístico, da expressão e da escrita, como também, no plano da utilização de normas acadêmicas e metodológicas, uma vez que o texto resultante deve possuir coerência de ideias (GIL, 2009).
Na condução normal das aulas de Metodologia do Trabalho Científico do curso de Administração de Empresas de uma Instituição de Ensino na cidade de Piracicaba, São Paulo, foi observada pelo professor, a dificuldade generalizada na expressão escrita, bem como da leitura, dos alunos da disciplina. Essa dificuldade é expressa pela falta de intertextualidade do aluno, além da dificuldade de conversão do pensamento em texto. Entende-se por intertextualidade a criação de um texto a partir de outro texto já existente, tanto afirmando as mesmas ideias da obra citada quanto contestando. Quando se trata de um texto científico, o autor citado é indicado e o leitor utiliza seu próprio conhecimento do mundo, um saber prévio, para reconhecer e identificar quando há uma conexão de ideias entre os textos (KOCH e ELIAS, 2009).
Nesse contexto, este trabalho propõe a averiguação, por meio de um estudo qualitativo, descritivo e não intervencionista, do alinhamento do modelo mental do docente da disciplina de Metodologia do Trabalho Científico sobre as dificuldades de seus alunos em desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso – TCC e os pontos de vista dos alunos sobre a mesma questão. Na explicitação dos pontos de vista dos alunos, foi utilizado um método descritivo, apoiado em um questionário fechado, enquanto que para a análise do ponto de vista do professor utilizou-se o Modelo Orientado à Representação do Pensamento Humano – MORPH (ZAMBON, BAIOCO, MAGRIN, 2012), cujo fim é a explicitação, por meio de diagramas, da estrutura de pensamento de uma pessoa, ou seja, seu modelo mental.
Dessa maneira tornou-se possível comparar o ponto de vista dos alunos com o modelo mental do professor, visando identificar similaridades entre ambos e avaliar a origem real das dificuldades dos alunos.
O presente trabalho está organizado em seis seções, além da introdução. Na seção 2 é apresentada a evolução deste tema por meio dos trabalhos a ele relacionados. Na seção 3 aborda-se a dificuldade dos alunos com o domínio da escrita e os reflexos sobre a produção científica. Subjacentemente aborda-se a obrigatoriedade da produção de monografias no desfecho dos cursos superiores e a problemática da representação do conhecimento por meio de modelos mentais. A seção 4 contém as informações referentes ao MORPH, que serviu à explicitação do conhecimento do professor, um dos agentes avaliados. A seção 5 apresenta as impressões dos alunos sobre as próprias dificuldades, vivenciadas durante o desenvolvimento do TCC, além da análise comparativa dos pontos de vista do docente e dos alunos. Por fim, na seção 6 se descrevem as conclusões sobre a análise comparativa realizada.
2.Trabalhos relacionados
Conforme Topczewski (2002), o aprendizado da escrita é visto como uma tarefa primaria do ser humano estando diretamente relacionado ao aprendizado formal, e que conduz o individuo à intelectualidade, criatividade e produtividade, ampliando suas possibilidades de crescimento pessoal e profissional. Consideração também apoiada por Vygotsky (1978, 2012) por meio do socioconstrutivismo ou sociointeracionismo. O modelo de ensino proposto por Piaget (1958), com um claro foco na educação infantil, preconiza a evolução da capacidade de construção do conhecimento pelo ser humano, com teorias voltadas a explicar como se desenvolve a inteligência a partir dos primeiros contatos com instrumentos de ensino-aprendizagem.
Em pesquisa realizada pelo Diário Web (ABREU e MAGALHÃES, 2011) com 334 alunos de escolas estaduais, particulares e faculdades em uma cidade do interior paulista, revelou-se que os estudantes desconhecem conteúdos da língua portuguesa que deveriam dominar no ensino fundamental a gramática da língua portuguesa. Observou-se nessa pesquisa que não há coerência e nem coesão de pensamento e que os alunos escrevem da mesma maneira que falam, confundindo o leitor, pois o alunado pesquisado entende que “produzir uma redação é apenas repetir a língua oral, sem a noção de que a escrita envolve o domínio da língua padrão, que se consegue pela leitura” (ABREU e MAGALHÃES, 2011). A média de erros na prova de português aplicada pelo Diário Web atingiu 82,5%, a pior na comparação, com matemática, geografia e história. Nenhum dos 334 alunos avaliados acertou todos os itens, comprovando a dificuldade do aluno em interpretar textos e analisar gramaticalmente uma frase.
Pretende-se, com este trabalho, verificar essa constatação por meio do emprego de instrumentos qualitativos em uma Instituição de Ensino Superior.
3. A dificuldade de expressão escrita e a pesquisa científica nos cursos superiores
As exigências de formação do aluno no ensino superior focam a necessidade de construção de capacidades que o tornem apto a assumir rotinas profissionais. Sob esse argumento, a responsabilidade das Instituições de Ensino Superior, é preparar o aluno para reflexão, raciocínio, resolução de problemas e não para a escrita (FONSECA, 2009).
O conhecimento está relacionado com o “aprender a prender”, sendo possível sustentar que sua construção se dá por um processo reflexivo que envolve o pensamento racional e o empírico, a mente e o corpo, a análise e a experiência, o implícito e o explícito (LIBARDI, 2011). Dessa maneira, o conhecimento vai além da memorização de fatos específicos, direcionando a apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-los e posteriormente utilizá-los.
A construção do senso crítico pelos alunos durante o processo de educação formal, oriunda da capacidade de pensar sobre os problemas afetos à sua área de estudo, os tornam, supostamente, capazes de dialogar com temas complexos. Embora seja possível identificar uma frequência satisfatória de desenvolvimento de tais temas por meio de projetos de pesquisa apresentados pelos estudantes, sua evolução para a representação escrita não ocorre com a mesma intensidade (SILVA, 2011; BARBOSA, 2010).
Geraldi (2004) insiste que os docentes devem ter uma reflexão crítica acerca das práticas pedagógicas que interfaceiam a produção textual dos alunos, visando à criação de condições que facilitem ao estudante romper a barreira do ler e escrever, fomentando o desenvolvimento do raciocínio lógico e sistêmico também na escrita.
Embora essas considerações estejam presentes no meio universitário, Silva (2011) observa o crescimento de um problema, presente na dificuldade do aluno em estabelecer uma relação entre os textos escritos e o seu significado, o que influenciará seguramente no resultado do TCC.
As ideias ocorrem pela contemplação dos fenômenos do mundo e o desenvolvimento científico pressupõe que elas devam ser expressas pela escrita (BARBOSA 2010; KOCH e ELIAS, 2009). Espera-se da leitura, que ela seja o instrumento de avaliação e crítica das ideias apresentadas, e constitua o relacionamento entre autor e leitor resultando na disseminação do conhecimento (KOCH e ELIAS, 2009).
Portanto, é necessário constatar as capacidades e as competências desenvolvidas pelos alunos nos cursos superiores, e um dos meios para essa constatação é o TCC.
3.1. Obrigatoriedade e desenvolvimento do TCC
De acordo com a LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação), incluído pela Lei nº 11.331, de 2006, o Art. 52 as universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano. O parágrafo 1º reforça que a produção intelectual deve ser institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista cientifico e cultural, quanto regional e nacional, ou seja, a própria lei de diretrizes e bases da educação obriga as faculdades a ter o TCC como condição parcial para a conclusão da graduação.
São encontrados no meio acadêmico, três tipos básicos de TCC, de acordo com Merlin e Merlin (2007): i) Monografias de graduação; ii) Dissertações de mestrado; iii) Teses de doutorado. O que diferencia os três tipos é a extensão e a originalidade do tema estudado. Porém, independente da modalidade, a pesquisa descrita em um TCC é um procedimento racional e sistemático que objetiva responder aos problemas propostos, devendo ser desenvolvida com o uso de métodos, técnicas e outros procedimentos científicos (GIL, 2009).
Considera-se que o desenvolvimento do TCC exige, além da experienciação, que envolve o saber-fazer, também a leitura, interpretação de texto e habilidade de escrita, que confere à técnica a sustentação linguística necessária para publicação e disseminação do conhecimento.
Antecede à execução do TCC, a esquematização da pesquisa, composta das etapas demonstradas no fluxo da Figura 1.
Figura 1 – Diagrama do processo de pesquisa
Fonte: Adaptado de Gil (2009, p.5)
Em cada etapa o autor deve ser capaz de conservar a objetividade. Como auxiliar desse processo, Barbosa (2010) sugere os seguintes procedimentos: i) interrogar o tema; ii) responder com a própria opinião; iii) argumentar; iv) pensar sob o ponto de vista oposto; v) buscar contra-argumentações.
A produção de um TCC ocorre de maneira tutorada, considerando que os alunos não produzem seus trabalhos sozinhos, mas sim, com a ajuda de um professor orientador. A relação entre dois agentes para a produção de um único texto pressupõe sinergia e atitude colaborativa, além da capacidade do orientador em compreender as limitações do aluno em relação à compreensão do tema, da utilização da lógica científica e da codificação do fenômeno estudado em texto.
3.2. Modelos Mentais
Modelo Mental é o meio que um indivíduo utiliza para interagir com o mundo. Pressupondo que o modelo mental de cada ser humano seja a maneira como ele enxerga o mundo, pode-se dizer que, o conhecimento e o aprendizado também dependem do modelo mental de cada individuo (SENGE, 2009).
De acordo com Riche e Alto (2001), o conceito de modelos mentais teve inicio na Antiguidade, mas a expressão tal qual a conhecemos foi utilizada pela primeira vez pelo psicólogo escocês Kenneth Craik, na década de 1940 e tem sido aplicada por psicólogos e cientistas cognitivos, em vários campos do conhecimento.
Modelos mentais são como blocos de construção cognitivos que podem ser combinados e recombinados conforme necessário (MOREIRA, 1996), sendo constituídos pelas regras pessoais de interpretação dos fenômenos físicos, por isso, são pessoais e inalienáveis.
Em razão de serem construídos a partir de regras semânticas concebidas por um indivíduo, os modelos mentais são tácitos, não podendo ser explicados por regras linguísticas convencionais, o que dificulta sua investigação. Moreira (1996) afirma que modelos mentais se baseiam na premissa de que as representações mentais das pessoas podem ser modeladas a partir de seus comportamentos e verbalizações. Alguns instrumentos, como diagramas de feedbacks (SENGE, 2009), além de mapas mentais (MOREIRA, 2012) e outros diagramas gerados pelo MORPH (ZAMBON, BAIOCO, MAGRIN,(2012); COSTA (2012); TOMÉ (2012)), podem ser utilizados para representar os modelos mentais de indivíduos, com o objetivo de interpretá-los e avaliá-los.
4. Modelagem do pensamento por meio do MORPH
Neste trabalho, o MORPH foi utilizado com o objetivo de explicitar o modelo mental de um professor da disciplina Metodologia do Trabalho Científico relativamente às dificuldades pelas quais passam os alunos que necessitam desenvolver uma monografia como TCC.
O MORPH é um instrumento para a representação de modelos mentais, que utiliza conceitos básicos de System Dynamics (FORRESTER, 1972) como a visão sistêmica e os diagramas de causa-efeito (BASTOS, 2003), além de conceitos de semiótica (GUDWIN, 2002) e psicologia cognitiva (MATLIN, 2004). Com o MORPH é possível representar o conhecimento de um agente (MORECROFT e STERMAN, 2000), em um contexto específico, sob determinadas características e em um determinado momento.
Segundo Zambon (2006), um agente é o portador do conhecimento e o MORPH representa uma estratégia para tornar explícito esse conhecimento. Estabelece ainda, que o conhecimento pode ser elicitado de um agente humano ou de mídia escrita ou audiovisual, e que esse conhecimento pode ser convertido em frames, cuja estrutura é demonstrada na Figura 2. Um frame é composto por i) uma rede proposicional; ii) eixo de temporalidade; iii) eixo de controlabilidade; iv) objetos; v) relacionamentos entre objetos; vi) pesos de relacionamentos.
Figura 2 – Estrutura de um frame MORPH
O frame representa um modelo mental e pode ser obtido a partir dos seguintes passos:
- Declaração de uma rede proposicional (P): é uma pergunta (frase) em período simples que expressa o domínio de onde se deseja elicitar o conhecimento para responder a uma dúvida ou explicar uma questão complexa.
- Declaração de objetos: são palavras (substantivos) ou frases curtas (sintagmas nominais) que remetem à questão proposta pela rede proposicional e que aprofundam ou explicam a discussão proposta na rede proposicional;
- Organização dos objetos nos eixos de temporalidade e controlabilidade: o eixo de temporalidade (horizontal) reproduz o sistema de recuperação de memória humano e associa os objetos aos níveis de memória Remota (RM), Recente (RC) e Imediata (IM). Sob esse pressuposto, o posicionamento dos objetos nas zonas desse eixo segue o esquema de recuperação de memória de um agente, que iniciando pela memória de trabalho (IM) identifica objetos que se relacionam mais diretamente com P (conhecimento explícito), para depois associar outros objetos ligados ao seu conhecimento tácito (RM e RC), que contribuam para tornar conhecidas as bases que originam os objetos contidos em sua memória de trabalho (IM). O eixo de Controlabilidade (vertical) parte do pressuposto de que um agente pode influenciar até certo ponto o estado das variáveis em um sistema complexo. Nesse eixo os objetos são posicionados nos níveis de controlabilidade (CT), penumbra (PN) e não controlabilidade (NC). Esses níveis determinam que o agente pode exercer modificações no estado de objetos dispostos no nível CT, e explicitam que ações do agente sobre os objetos posicionados em NC não afetarão seu estado. Por fim, os objetos posicionados em PN se encontram em um estado de incerteza, onde o agente pode exercer pressões sobre o objeto tentando modificá-lo, mas, não necessariamente obterá o resultado esperado.
- Relacionamento e atribuição de pesos: os relacionamentos entre os objetos posicionados na área delimitada pelos dois eixos recebem os pesos de reforço e balanceamento (R ou B). Os objetos são associados em causa e efeito, da mesma maneira que em sistemas de retroalimentação (Figura 2), sendo permitidas associações 1–N, N–1 e N–N. Existem, assim como nos diagramas causais, restrições de associações de todos os objetos com todos os objetos.
Para a realização da modelagem proposta neste trabalho, foi definida a seguinte rede proposicional:
P - "os estudantes universitários apresentam dificuldade para desenvolver o TCC por não terem o hábito de ler e escrever?”.
O processo de elicitação do conhecimento do professor foi organizado a partir da P, seguindo as recomendações de Costa (2012), e culminou na explicitação do modelo mental com o qual ele (professor) interpreta as dificuldades dos alunos para a realização do TCC, resultando no frame contido na Figura 3.
Figura 3 – Frame do modelo mental do docente
Identifica-se no modelo mental do docente que os objetos que influenciam a produção inadequada do TCC são, prioritariamente, aqueles que se posicionam na zona IM. A “Capacidade de associar ideias” se encontra em uma região PN, o que representa a manifestação de dúvida do docente sobre a capacidade do aluno em conseguir interpretar diferentes autores e identificar o grau de contribuição deles para o desenvolvimento de suas próprias ideias. Observa-se que esse objeto influencia “Capacidade intertextual”, objeto também posicionado em PN, o que corrobora com a hipótese anteriormente declarada pelo docente, da causa de incapacidade dos alunos em desenvolver o TCC.
A associação entre o objeto “Alcance do auto-objetivo”, que se encontra em PN e “Auto-aperfeiçoamento”, que se encontra em NC, identifica a dúvida do docente sobre a capacidade do aluno em associar o TCC a um objetivo próprio, que alimenta o seu aperfeiçoamento particular.
Segundo o docente, a “Falta de interesse pela leitura” advém dessa incapacidade de interpretar “Auto-aperfeiçoamento” que, segundo o docente, é influenciado por uma relação com “Concurso vestibular”. Essa relação, possivelmente implica em uma incapacidade do aluno em administrar no longo prazo, os interesses que ele tinha na ocasião de sua admissão na faculdade, que se perdem ao longo do curso.
É importante observar o objeto “Incapacidade de leitura do mundo”, que se posiciona na porção NC do frame e que pode indicar a incapacidade do docente em interagir com o background do aluno, composto por sua cultura clássica e vivência. Esse objeto é especialmente importante, posto que influencia “Capacidade de associar ideias” e “Compreensão do autor”.
Dessa maneira, a análise do modelo mental do docente por meio do MORPH define as seguintes pré-concepções:
Proposição 1: O aluno não dispõe de capacidade de entender o mundo e isso influencia negativamente sua capacidade de associar ideias e compreender autores e eu (professor), não consigo resolver esse problema;
Proposição 2: Existe uma falta de interesse por leitura que causa uma visão superficial dos textos. Esse problema, eu (professor) não posso resolver;
Proposição 3: Eu (professor) tento influenciar o aluno para que ele associe o TCC ao seu objetivo pessoal, porém, ele (aluno), não interpreta o TCC como auto-aperfeiçoamento, então, isso compromete sua atitude de inclusão do TCC como seu objetivo.
À luz das dificuldades expostas pelo docente da disciplina, foram coletados os pontos de vista dos alunos sobre as suas próprias dificuldades em desenvolver o TCC por meio da aplicação de um método descritivo, apoiado em um questionário fechado.
5. Impressões dos alunos sobre as dificuldades de concepção e escrita de um TCC
Para possibilitar a comparação do modelo mental do professor de metodologia com o de seus alunos frente à dificuldade que possuem na elaboração do TCC, foi aplicado a um conjunto de alunos um questionário fechado, de múltipla escolha, composto por onze perguntas, abordando os temas: a) hábito de leitura; b) estrutura e escrita de um TCC.
A pesquisa foi conduzida em uma sala de cinqüenta alunos, do 7º. Semestre do curso de Administração de Empresas em uma faculdade particular na cidade de Piracicaba-SP, no 2º. Semestre de 2012. O questionário foi aplicado em uma amostra de 28 alunos, e, segundo Crespo (2010), sendo a classe composta de 50 indivíduos, a amostra é aceitável, pois se localiza acima de 50% da população total.
O questionário foi desenvolvido visando obter dos alunos conceitos que comprovem ou refutem as proposições do docente, descritas na seção 4.
5.1. Análise da Proposição 1 comparativamente à capacidade de buscar fundamentação teórica
Em sua Proposição 1, o professor sustenta que os alunos não tem capacidade de entender o mundo, o que influencia negativamente a sua capacidade de associar os diferentes pensamentos de pesquisadores com o objetivo de formação de suas próprias ideias.
Provavelmente, ele se baseou no fluxo de alunos que procuram orientação. Verificou-se que 53,5% buscou orientação semanalmente, 39,5% quinzenalmente e apenas 7% mensalmente. Não houveram alunos que declararam não buscar orientação.
Entretanto, é possível observar nas respostas ao questionário, que os alunos se ocupam do levantamento da maioria das fontes bibliográficas, sendo que existe predominância de indicações obtidas por iniciativa própria, de acordo com os resultados demonstrados na Tabela 1.
Tabela 1: Pesquisa de referências bibliográficas para o TCC
Quem realizou a pesquisa
|
Qtde de alunos |
Percentual |
---|---|---|
Em sua maioria, pesquisadas e selecionadas por você | 9 | 32,14% |
Em sua maioria, indicadas pelo professor orientador | 2 | 7,14% |
Toda a pesquisa e analise foram feitas por você | 3 | 10,71% |
Toda pesquisa e análise foram feitas pelo seu orientador | 0 | 0,00% |
Ambos fizeram este trabalho em igual quantidade | 14 | 50,00% |
Total |
28 | 100% |
Conclui-se que a orientação se mostra importante, porém, os dados evidenciam a capacidade autônoma do aluno em identificar as bibliografias a serem utilizadas, pois 10,71% o fizeram de maneira autônoma, 32,14% em sua maioria e 50% de maneira compartilhada.
5.2.Análise da Proposição 2 comparativamente ao hábito de leitura
A Proposição 2 do professor indica que os alunos não possuem interesse pela leitura. Entretanto, conforme apresentado na Figura 4, do total de 28 alunos, 11 (39%) responderam que leem quatro ou mais livros por ano, e apenas 2 alunos (7%) disseram que não leem nenhum livro. Os outros alunos, afirmam ler de um a três livros por ano. Verifica-se que o grupo é composto predominantemente de leitores, com uma regularidade média de dois livros por indivíduo.
Figura 4 – Quantidade de livros lidos pelos alunos no período de um ano
Além disso, predominantemente, alunos leram as referências recomendadas pelo professor orientador, conforme demonstrado na Figura 5.
Figura 5 – Referências bibliográficas recomendadas pelo professor e lidas pelos alunos
Verifica-se que aproximadamente 64% dos alunos leram de 5 a 15 bibliografias recomendadas e apenas 36% do total leram de 3 a 5, conforme demonstrado no gráfico da Figura 5.
Observa-se que a proposição do professor não é correta, pois, de maneira geral, a leitura ocorre. Entretanto, o fato da leitura ocorrer, por si só, não define que o aluno possua capacidade de intertextualidade, que é o complemento fundamental para a associação de ideias e geração de textos novos.
5.3.Análise da Proposição 3 comparativamente à assiduidade do aluno e atenção dada pelo professor
Na Proposição 3 o professor afirma que busca influenciar proativamente o desenvolvimento do aluno, de maneira que ele venha interpretar a atividade de desenvolvimento do TCC como uma meta pessoal. Na Figura 6, esse esforço é identificado.
Figura 6 – Evidência do esforço do professor em dar atenção aos alunos
Observa-se no gráfico contido na Figura 6 que predominantemente os alunos afirmam ter recebido a atenção esperada do docente (89%). Essa condição de atendimento quase total às expectativas do aluno denota um baixo índice de frustração quanto ao respaldo técnico-científico recebido, afastando a desconfiança de que a incapacidade de realização das atividades pelos alunos tivesse como causa o desalinho com o professor.
Todavia, o professor sustenta que o aluno não associa seus interesses e objetivos pessoais com a realização do TCC. Se essa proposição for verdadeira, então, é uma variável independente ao esforço empenhado pelo docente, que atinge o objetivo de atender, mas não necessariamente de motivar.
Essa possibilidade é admissível mediante o indicador de assiduidade obtido pelo questionário que indica baixo absenteísmo, com uma frequência semanal média de 43%, 25% quinzenal, 25% mensal e 7% somente no dia da entrega do TCC. Embora a frequência seja expressiva, ela não está necessariamente ligada à motivação relativa aos anseios pessoais, podendo estar associada à obrigatoriedade do desenvolvimento do TCC.
5.4.Limitações decorrentes da aplicação do método
Embora tenha sido possível identificar algumas similaridades entre os objetos localizados no modelo mental do professor e as reações dos alunos, presentes nas respostas ao questionário, a presente pesquisa não obteve subsídios suficientes para identificar as razões pelas quais os alunos, em sua grande maioria (90%) não são capazes de promover autonomamente a intertextualidade em suas monografias de TCC.
Também não é possível explicar efetivamente, a partir do modelo mental do professor, porque, quando questionados sobre o grau de dificuldade de desenvolvimento do TCC, as respostas se concentraram em “Difícil” e “Dificuldade média”. Dos 28 alunos entrevistados, 15 alunos, ou 53,5% consideraram “Difícil” a elaboração do TCC e o restante dos pesquisados, ou seja, 46,5%, representado por 13 alunos consideraram ter “Dificuldade média” para a elaboração do TCC.
Entretanto, foi possível constatar que a ausência do domínio da intertextualidade não ocorre em razão de deficiências no hábito de leitura.
6.Conclusão
Este artigo teve como objetivo analisar se o modelo mental de um professor de Metodologia do Trabalho Científico representa efetivamente a realidade da dificuldade generalizada de desenvolvimento do TCC pelos alunos.
Após a explicitação do modelo mental do professor utilizando o MORPH, foi possível construir e aplicar um questionário fechado em um grupo de alunos e averiguar, por meio de suas respostas, a fundamentação de três proposições extraídas do modelo mental do docente.
Segundo a Proposição 1, o aluno não tem capacidade de associar ideias. Assim, a dificuldade de desenvolvimento do TCC se deve à deficiência de desenvolver intertextualidade. De acordo com as respostas, constata-se a incapacidade dos alunos em associar autônoma e adequadamente referências bibliográficas, sendo necessária a interferência do professor orientador.
A Proposição 2 aponta para uma causa hipotética dessa dificuldade, que é a falta de leitura. Todavia, se constata pela pesquisa, que os alunos predominantemente são leitores regulares. Assim, não se pode afirmar que a dificuldade em obter e associar bibliografias se deve à falta de leitura dos alunos, ou, que leitores regulares desenvolvem espontaneamente capacidade de promover intertextualidade em seus próprios textos.
Por fim, a Proposição 3 sustenta que o professor busca desenvolver nos alunos a motivação para o desenvolvimento do TCC. No desenvolvimento da pesquisa, essa proposição é comprovada, e que o estímulo aos alunos está presente nas atividades por eles realizadas. Porém, essa afirmativa não indica o sucesso do docente em fazer com que o aluno associe o TCC aos seus objetivos particulares, restringindo-se a revelar a qualidade de atendimento do docente, e não o sucesso motivacional.
Foram consideradas limitações quanto à aplicação do método, particularmente em relação à identificação do motivo pelo qual, alunos afeitos à leitura não são capazes de produzir espontaneamente intertextualidade de maneira autônoma em seus trabalhos escritos.
Recomenda-se que os trabalhos futuros que possam advir desta pesquisa, ocupem-se da ampliação do entendimento sobre a limitação dos alunos no desenvolvimento da intertextualidade em seus trabalhos escritos.
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