27/07/2015

Desafios da Gestão do Curso de Nutrição com as Lacunas na Formação Docente

No Brasil e no mundo, as modificações ocorridas nas últimas décadas, tem criado um novo modelo de sociedade, no qual, a formação universitária é estabelecida como uma exigência para o mercado de trabalho, e, também, como um direito do sujeito para a construção do seu ser cidadão. O questionamento da sociedade quanto à capacidade das Instituições de Ensino Superior – IES de cumprirem seu papel tem crescido no mundo inteiro. Uma das áreas que é alvo de questionamentos e críticas é a área da saúde, e nela está a nutrição.

O primeiro curso de nutrição no Brasil foi criado à 76 anos (1939) e de lá para cá muita coisa mudou. O nutricionista se formava com apenas 1 a 2 anos de estudo. Com o passar do tempo, em 1972 o Ministério da Educação determinou que os cursos tivessem no mínimo quatro anos. Em 2001 as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Curso de Graduação em Nutrição foram publicadas. De acordo com as DCNs, o perfil do profissional nutricionista pode ser dois, em primeiro lugar deve ser “generalista, humanista e crítico, capacitado a atuar, visando à segurança alimentar e à atenção dietética, em todas as áreas do conhecimento em que alimentação e nutrição se apresentem fundamentais para a promoção, manutenção e recuperação da saúde e para a prevenção de doenças de indivíduos ou grupos populacionais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida, pautado em princípios éticos, com reflexão sobre a realidade econômica, política, social e cultural”. Em segundo lugar, o “Nutricionista com Licenciatura em Nutrição capacitado para atuar na Educação Básica e na Educação Profissional em Nutrição”. Entretanto, essa formação em licenciatura é facultativa.

De acordo com a Lei nº 8234/1991, que regulamenta a profissão de nutricionista, são atividades privativas desses profissionais: direção, coordenação e supervisão de cursos de graduação em nutrição. Já a Resolução/CFN nº 380/2005 dispõe sobre a definição das áreas de atuação do nutricionista e suas atribuições, sendo a área IV a docência.

Mas generalista é uma pessoa que tem conhecimentos gerais, e não especializados em determinada matéria. Claro que, por exigência das IES, os nutricionistas que atuam na docência têm, de preferência, pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado), ou, pelo menos pós-graduação lato sensu (especialização). Essas pós-graduações tornam os docentes especializados em determinada área da nutrição, eles deixam de ser generalistas. E será que esses cursos preparam docentes? Uma disciplina de 45 horas em média sobre o assunto é suficiente? Que tipo de docente é o nutricionista em sala de aula? Certa vez escutei de uma professora: “Eu dormi nutricionista e acordei professora”. Que caminho é esse que se percorre em tão pouco tempo?

Vemos os nutricionistas docentes, na sua maioria, aprendendo no dia-a-dia, com as experiências dos colegas. Muitos fazendo cursinhos ou oficinas de curta duração sobre como elaborar um Plano de Ensino, como avaliar os alunos, como utilizar práticas pedagógicas diferentes e atrativas, como utilizar as tecnologias de informação - TIs na sala de aula. Cursos esses na sua maioria oferecidos pelas IES em que o docente está atuando.

Então, estamos hoje em dia, na maioria das IES atuando com professores sem ou com insuficiente experiência acadêmica capaz de viabilizar a aprendizagem dos nossos discentes. Discentes esses que nos chegam com maturidade científica e pessoal insuficientes para atender ao desenvolvimento de atividades acadêmicas no ensino superior.

Por outro lado, as DCN colocam que o PPC do curso de nutrição deve ter o aluno no centro do aprendizado e o professor como facilitador e mediador desse processo. O professor precisa estar ciente de seu papel na formação do novo profissional, precisa discutir com os alunos o seu papel político como profissional da saúde e sua posição na sociedade.

Atualmente, no Brasil, não existe nenhum curso de nutrição com formação em licenciatura. Além disso, na literatura, existe pouca ou nenhuma discussão sobre esse tema.

Entretanto, é preciso incrementar, com urgência, as discussões sobre a formação do docente de nutrição e a prática pedagógica desse docente na área da saúde, com o objetivo de incrementar o ensino de nutrição no Brasil. O docente atual ensina como aprendeu e mostram resistência às mudanças e às novas práticas pedagógicas, como as TIs.

O coordenador de curso está nessa mesma situação, ou talvez até pior, pois além de dever estar preparado para a docência, precisa ser gestor. Muitas vezes a escolha dos coordenadores de curso não segue nenhum critério específico. Ele é escolhido por conveniência, por ser o único professor do curso que está disposto a assumir o cargo pelo período de dois anos (primeiro mandato) ou no máximo quatro anos (segundo mandato), pois em algumas IES o estatuto assim determina. Então, o coordenador, além de se aperfeiçoar como docente, precisa se aperfeiçoar como gestor. Na função de gestor, ele precisa ter capacidade de liderança de maneira a influenciar o corpo docente a participar de propostas que vão agregar valor ao curso.

O coordenador precisa, também, ser dinâmico e dar tratamento diferenciado aos docentes, respeitando as diferenças. Em primeiro lugar, o coordenador precisa fazer um diagnóstico do docente, para então tratá-lo com flexibilidade de acordo com seu empenho e sua competência. Nesse processo, é extremamente importante o coordenador saber dar e receber feedback

Nesse processo, o coordenador deve contar com o NDE – Núcleo Docente Estruturante de seu curso. O NDE deve ser uma equipe com objetivos claros, com habilidades complementares e uma abordagem comum. Será esse o caminho? Será que os membros do NDE, muitas vezes escolhidos por exigências legais em termos de titulação e de dedicação ao trabalho, são os docentes mais preparados para apoiar o coordenador?

A coordenação, o NDE e os demais docentes do curso precisam de capacitação em docência. Não treinamento porque esse termo remete à adestramento. Já o termo capacitação está implícito convencimento, habilitação e persuasão. Essa capacitação tem que ser permanente. 

Mas não é uma ação isolada em uma única IES que irá modificar esse cenário. Claro que uma IES bem estruturada, com visão e missão bem definidas pode dar um aporte melhor à construção dos cursos e seus PPCs. Entretanto, depois de construídos os PPCs é que vem a parte difícil. Uma delas é a seleção do coordenador de curso que deverá ter a capacidade de implantar e avaliar constantemente o que foi planejado no PPC. E, construir um corpo docente que o ajude nessa tarefa.

Pensar na formação do docente de nutrição é uma tarefa que deve envolver os órgãos reguladores do ensino superior, com a definição de exigências legais mais rígidas para atuação do nutricionista na carreira docente. Com essas exigências, os órgãos de classe deverão ajustar suas próprias legislações e ordenamentos. A partir daí, as IES deverão rever suas matrizes curriculares dos cursos de graduação e pós-graduação (stricto sensu  e lato sensu) para se adaptar à essas exigências. E, finalmente, mas não menos importante, o profissional que optar pela docência deverá ter claro que essa opção deve ser pautada na vocação. Essa vocação inclui a sua predestinação, sua disposição, seu talento e aptidão. Essa escolha não deve ser feita pela valorização individual e econômica, e, pela estabilidade em alguns casos.

Entretanto, até que essas novas legislações, diretrizes e ordenamentos sejam implantados, precisamos contar com nutricionistas coordenadores e professores de cursos de nutrição dispostos a aprender a ser, a conviver, a fazer e a conhecer, com competências pessoais, relacionais, produtivas e cognitivas suficientes. O profissional nutricionista que optar pela carreira docente precisa atender às mudanças atuais. Esse nutricionista docente precisa estar ciente que será um aluno eterno, sempre em busca de aperfeiçoamento.

É indispensável à contínua discussão da formação do docente em nutrição, não de forma isolada, mas de maneira a atingir o nível profissional desejado, envolvendo todas as esferas.  

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×