09/12/2014

Desenvolvimento da Instituição de Ensino Superior: Ensino, Pesquisa ou Extensão?

Autor: Bruno Leme

A coordenação de cursos exige uma relação profunda com todos os níveis organizacionais de uma IES (Instituição de Ensino Superior). No âmbito geral é necessário garantir um bom andamento do curso, conciliar o atendimento a docentes e discentes e manter uma frequente interlocução com o setor administrativo e com instâncias de coordenação organizacionalmente superiores, que também é da competência do coordenador. No contexto específico das ações estratégicas, o coordenador lida com questões como a preparação e coordenação das reuniões do Colegiado de Curso e Núcleo Docente Estruturante; acompanhamento dos projetos em andamento e das atividades de campo; suporte aos docentes na elaboração e desenvolvimento dos Planos de Ensino; reuniões com os representantes de classe e atendimento aos alunos; controle sobre o rendimento dos discentes, para citar os principais aspectos.

Todas essas atribuições requerem do coordenador uma atenção grande, um tempo para pensar e planejar as estratégias e que muitas vezes o mesmo não dispõe, seja pela necessidade de complemento de renda através de outras atividades profissionais ou sobreposição de atribuições que não são necessariamente típicas para a função de coordenação de curso. Mesmo assim, ele deve ser capaz de fazer com que as “engrenagens” da IES se movam e muitas vezes sem contar com o suporte total desejável da instituição, seja por falta de investimentos direcionados, pela pressão de um mercado concorrente e falta de apoio administrativo.

O desafio torna-se ainda maior quando confronta-se a necessidade de atender o mercado, fornecendo profissionais adequados a ele ao mesmo tempo atento à necessidade de investir também na formação de indivíduos capazes de atuar em atividades de pesquisa e extensão com produção científica relevante.

Um curso generalista pode, por um lado, atender a essa demanda de mercado, mas por outro lado cria uma lacuna na produção científica regional; o que leva a configurar um obstáculo ao desenvolvimento mercadológico e dificultar investimentos do setor privado. Muitas empresas capazes de alavancar mercados de cidades do interior, procuram fazer análises sobre a capacidade de produção científica da região. Se o resultado dessa análise não atende aos critérios definidos por esses potenciais investidores, outra região ou município poderá se beneficiar. O grande desafio é alcançar um equilíbrio entre as duas pautas: produção científica e formação de mão-de-obra técnica. Um meio termo que permita à IES atender a demanda local imediata e ao mesmo tempo criar oportunidades atrativas a novos investimentos. A IES deve ser capaz de permitir opções aos alunos a trilhar caminhos diferentes e ao mesmo tempo complementares, considerando que a atuação no mercado e produção científica podem estar conectados e não são opções excludentes.

 

O desenvolvimento está no poder da pesquisa

A UNESCO (United Nations Educational Scientific and Cultural Organization) em seu relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, faz uma análise clara da importância do papel da pesquisa para os países emergentes ou em desenvolvimento. A Universidade é apontada como o principal agente promotor desse aspecto, mas é preciso entender que em países como o Brasil há um grande desenvolvimento de IES particulares e de pequeno porte (MURIEL¹[1]). As pesquisas devem ter um foco prático e local, para resolução de problemas sociais e mercadológicos adjacentes mais graves, além da tarefa de formar o profissional com capacitação técnica.

A eficácia dos investimentos feitos na pesquisa em países em desenvolvimento é questionada, indicando assim uma comunidade de pesquisa própria menor, constituindo-se como uma grande limitação. O desenvolvimento industrial e tecnológico é atrelado completamente à capacidade de pesquisa de um país. Sua evolução depende em grande parte disso. Portanto, segundo a comissão, esses países devem ter foco no universo da ciência e da tecnologia. Os investimentos em matéria de educação e de pesquisa constituem uma necessidade e há uma grande preocupação da comunidade internacional com a exclusão dos que não serão capazes de acompanhar as rápidas evoluções do meio. Portanto seguem três abordagens simples e possíveis de serem aplicados a qualquer IES, demandando ações nos níveis estratégico, tático e operacional dos coordenadores, já que irão lidar respectivamente com as receitas que as IES recebem, planejamento das ações, principalmente contando com a ajuda do Núcleo Docente Estruturante (NDE) e uma boa liderança com os docentes e outros funcionários.

 

Uma questão de buscar parcerias

Uma maneira de se reforçar a pesquisa dentro da IES seria buscar parcerias no desenvolvimento de projetos educacionais com IES de regiões mais ricas, organizações públicas e também as ONGs (Organizações não governamentais).

Inicialmente existem três possibilidades de parceria:

  1. Contatar especialistas ou entidades de renome para visita ao campus da IES, desenvolvendo palestras/seminários, aulas, bancas de avaliação e/ou orientação dos discentes. Vale lembrar que esse tipo de parceria pode ser dispendiosa, pois a IES deverá, além de contar com recursos para pagar os honorários do docente, arcar com outras questões como: deslocamento, estadia e alimentação.
  2. Uma segunda opção tradicional seria a visita de campo, em que os discentes da IES se deslocariam para a Universidade ou organização parceira para fazer práticas em laboratórios, receberem aulas, seminários e outros eventos socioculturais. O aproveitamento desse tipo de opção depende do investimento dos próprios alunos envolvidos e do tipo de parceria criada pelo coordenador.
  3. Uma terceira opção inovadora, mais econômica e de grande valia para a IES seria a utilização de recursos tecnológicos como o de vídeo conferência através da internet, eliminando o fator distância. Empresas disponibilizam esse tipo de serviço pela internet em várias partes do país, com estrutura própria para receber uma pessoa ou um grupo e fazer o “stream”²  [2]através da internet. O recurso poderia ser utilizado para ministrar aulas, seminários, desenvolver grupos de discussões ao longo de um prazo estipulado, entre outros. Os gastos com transporte, estadia e alimentação nesse caso seriam eliminados, focando o investimento apenas nos honorários do docente e na empresa de serviço para vídeos conferências.  Esses encontros poderiam ser gravados e replicados, diluindo o investimento nos próximos semestres e permitindo o mesmo investimento em matérias EAD (Ensino a Distância).

É importante ressaltar que é desejável que a IES foque todas as possíveis funções básicas: pesquisa, que tem comprometimento direto com as demandas da sociedade, gerando inovações em processos, serviços e produtos ou até mesmo desenvolvendo uma tecnologia nova; extensão, levando o lado profissional para dentro da IES; ensino, preocupação com a formação técnica do profissional, que se configura como foco tradicional.

Outro aspecto da prática de parcerias entre IES e empresas é ressaltada como um procedimento inovador para captação de novos alunos (MURIEL e GIROLETTI³[3]). Uma matriz curricular que também possui o foco na formação do profissional para o mercado local é algo muito valorizado pelos candidatos e pela sociedade.

 

A preparação para o mercado local

Um curso de Ensino Superior mais do que nunca, deve preparar seu aluno para o mercado de trabalho, foco importante e valorizado. Há a crescente necessidade de profissionais capacitados e especializados, capazes de lidar com novas tecnologias e nichos diferentes. Trazer a prática do mercado para dentro da IES, seria uma maneira de simular com grande proximidade o que o discente irá se deparar, preparando-o melhor com conhecimentos específicos e práticos locais e possivelmente garantindo uma boa porcentagem de contratações dos melhores e mais aplicados profissionais envolvidos.

Isso seria possível com a prática das chamadas organizações universitárias (empresa júnior). A IES poderia abrir uma empresa em sua área específica, sob a coordenação de um profissional especialista e professor da mesma, para receber trabalhos da comunidade local e coordenar os alunos para executarem as tarefas e com isso exercer um laboratório real.

Deve-se ter a preocupação com as relações com os conselhos e profissionais locais específicos do nicho envolvido, pois costumam considerar e tratar este tipo de empresa como mais um concorrente. É necessário explicitar que é uma empresa de pequeno porte, que irá atender a nichos de mercado que normalmente não são focos dos mesmos, por exemplo, atendimento às prefeituras de cidades próximas pequenas e carentes, configurando mais como uma doação à sociedade do que uma concorrência. Pode-se sugerir uma espécie de regulamento firmado entre a empresa e o conselho ou sindicato.

 

A grave falta de investimentos para Pesquisa

A construção do orçamento em uma IES é complexa e muitas vezes não conta com a participação dos coordenadores de curso, dificultando ainda mais o foco necessário para as áreas de pesquisa e extensão. É necessário que os dirigentes da instituição entendam que o investimento nessas áreas traz um benefício a longo prazo, mas muito poderoso e estável para a IES.

Uma solução para o problema relacionado a falta de subsídios para que as IES se envolvam mais com pesquisas reais e aplicáveis diretamente no desenvolvimento do mercado e das tecnologias locais, está ligado novamente com a relação instituição e comunidade. Através de parcerias que possam contar por uma via com o investimento de particulares e noutra via sejam capazes de desenvolver e aplicar pesquisas voltadas a resolver os problemas de fato enfrentados pelos investidores.

Através de uma disciplina específica que contasse com um corpo docente especialista, para coordenar e acompanhar os discentes em projetos de pesquisas, poderiam desenvolver soluções para serem oferecidas à sociedade. Em um primeiro momento, passariam por todas as etapas de produção de conhecimento científico e investigativo, com produção de artigos focados em problemáticas locais e com a elaboração de possíveis soluções. Tais artigos seriam por sua vez apresentados em um seminário público, nas dependências da IES, em que seriam convidadas todas entidades e empresas que se interessassem por uma parceria com os projetos. Ambas partes poderiam se beneficiar e ajudar a desenvolver novas soluções, tecnologias, possibilidades de emprego, elevar a produção científica local e desenvolver a marca e a imagem da IES.

 

Considerações Finais

Está claro que o conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de um país e o aprimoramento de suas instituições. Apesar de uma nítida defasagem das IES nacionais se comparadas com o resto do mundo, percebe-se uma tendência de valorização da pesquisa e extensão no Brasil. Não é preciso buscar referências comparativas em países desenvolvidos. A Índia por exemplo ocupa o 7º lugar no ranking da quantidade de artigos produzidos (Folha de São Paulo, 2013), enquanto o Brasil ocupa a 13º posição.

 As instituições que investem no desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão são capazes de oferecer uma maior qualidade de formação. É claro que a questão dos investimentos não é solucionada apenas com as mensalidades pagas, mas é necessário se estabelecer uma política em relação à pesquisa e extensão na instituição. Questões são levantadas nesse aspecto como quais tipos de pesquisas podem ser desenvolvidas? Qual o campo de conhecimento se mostra mais compatível com a IES, uma vez que, o foco e a missão dessa são definidos? Por quais vias seria possível financiar e implantar o desenvolvimento dessas ideias? Como criar mecanismos que permita a longo prazo que essas ações se tornem sustentáveis, gerando um ciclo de ampliação de demanda?

Estas questões devem ser respondidas não apenas pela oportunidade acadêmica gerada, mas também por se tratar de uma oportunidade mercadológica. Conseguir se diferenciar das demais instituições e novas possibilidades de gerar receitas são pontos fortes para se considerar o investimento também nessas áreas, o que pode ser fundamental para a permanência desses cursos e das IES no mercado.

A inovação no âmbito nacional está ligada diretamente à ampliação da discussão sobre as estratégias relacionadas a produção científica, com vistas a melhorias possíveis de serem implementadas em escala local ou regional. Sendo estas as células iniciais de um processo saudável de aprimoramento da eficiência na formação dos futuros profissionais e da criação de um ciclo sustentável, em que os novos profissionais poderão gerar novas oportunidades para outras gerações.

 


[1] MURIEL, Willie - Curso de Capacitação de Coordenadores - 2014.

[2] Stream termo inglês que significa transmissão de mídia, vídeo e som, que é constantemente transmitido e apresentado para o usuário final ao mesmo tempo que é distribuído pelo provedor.

[3] MURIEL, Willie e GIROLETTI, Domingos – Captação Retenção de alunos no Ensino Superior.

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