03/12/2019

Dissonância Cognitiva

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante e Docente – www.wolmer.pro.br

 

            A dissonância cognitiva é um conceito que nos acompanha de forma sempre corriqueira, e neste texto seguiremos dois vieses que são o da inclusão nas escolas  e o da política.

            Assim sendo, em ambos poderemos encontrar bons exemplos nas fábulas, como a Raposa e a Uva, criada por volta de 620-564 a.C. por Esopo.

            Segundo Esopo, havia uma raposa que por dias caminhava sem conseguir uma caça sequer para se alimentar, até que passou por um pomar avistando um cacho de uva bem apetitoso. O mesmo estava no ponto de colheita e exalava um cheiro delicioso, como não havia nenhum predador por perto, a raposa parou e deu o máximo de si para alcançar as uvas, pois já estava faminta e precisava amenizar sua fome e aquelas uvas seriam ideais.

            Entretanto, fez inúmeras tentativas e todas frustrantes, pois as uvas estavam altas demais e por mais que a raposa tentasse, ela não conseguia, fazendo-a ficar mais cansada e ainda mais faminta a ponto dela desistir das tentativas, mas não sem inventar uma boa desculpa para consolar o seu fracasso, afirmando que as uvas não estavam tão boas assim e que poderiam até estar estragadas.

            O que a raposa fez, foi justamente encontrar uma desculpa para minimizar a dissonância cognitiva que é uma teoria criada por Leon Festinger em 1957, que implica na incoerência entre atitudes e comportamentos.

            A dissonância é um mecanismo de defesa do ego, ou seja, ele contraria a lógica e nega as evidências, criando justificativas para servir de proteção as críticas pelo fracasso.

            Através desta dissonância, criamos verdadeiros tigres de papel, como aconteceu com a raposa, já que tal tigre não causa temor algum ou tampouco respeito.

            Assim tem sido nossa educação pública no quesito inclusão de crianças com Necessidades Educacionais Especiais, pois a não aceitação de suas especificidades por parte de seus responsáveis, os privam de um atendimento especializado que poderia potencializar certas habilidades, no entanto, infelizmente ficarão esquecidas e desprezadas, deixando consequentemente uma apatia moral e intelectual.

            Oliveira e Poletto[1]  no artigo Vivências emocionais de mães e pais de filhos com deficiência, publicado em 2015, esclarecem que a sociedade tem seus padrões e estes são embasados nos quesitos força, eficácia, beleza e perfeição, o que comina geralmente na efetivação de pelo menos um destes quesitos,  o que nem sempre ocorre.

            Para as autoras, uma mulher quando está grávida, em seu ventre coexistem três tipos de bebês, um edípico, um imaginário e outro real. O primeiro representa o bebê da fantasia e de seus desejos infantis.

            O segundo denominado imaginário é construído durante a gestação, somando sonhos e expectativas. Ele é o produto de desejo de maternidade da mulher e encontra-se inserido neste bebê, todo o desejo de normalidade expressado pela mulher.

            O terceiro e último é o bebê propriamente dito, ou seja, bebê real, o qual é aquele cujos pais segurarão nos braços, e ele poderá vir com alguma "deficiência" de acordo com padrões estipulados acima pela sociedade, e isso representará para os mesmos a perda do bebê edípico ou do bebê imaginário, e também a perda deste estereótipo, que para as autoras instaura uma ferida narcísica nos pais e faz com que o sonho da perfeição se desmorone

            Buscáglia (2006) citado por Oliveira e Poletto (2015) é enfático ao afirmar algumas reações por parte dos pais em relação a este bebê real desprovido do que é visto como normalidade pelos familiares  e/ou sociedade e tais reações são vistas como negação da deficiência, lamentação através da auto piedade, ambivalência nas ações sendo que ora motivando e ora boicotando suas potencialidades, não identificação dos seus rostos no filho, não reconhecimento como pertencente a família, dentre outras negações.

            Alguns pais sabem que é uma criança especial e que tem suas limitações e especificidades em relação as outras crianças, mas não aceitaram esta ideia, privando-o de forma que suas potencialidades simplesmente atrofiem.

            Interessante é perceber que estes mesmos pais enxergam as dificuldades de outras crianças, mas não aceitam as de seu filho.

            Este processo é chamado por Mattos[2] no artigo O Processo de Luto Diante da Deficiência Física Adquirida: Análise de um Relato de Caso, publicado em 2015, como não aceitação do luto, pois para os pais a questão do luto é algo que se faz sempre presente, já que a sensação psíquica da pessoa e da família é comparada com uma perda, ou seja, houve a morte do que foi desejado e do que foi idealizado.

            Segundo a autora, para que os pais aceitem a atual situação de seu filho, é preciso aceitar a realidade, é preciso vivenciar o processo de luto, e obviamente, quanto mais esclarecidos forem os pais, menos tempo se dará nesta imersão.

            O outro viés de dissonância cognitiva abordado neste texto está intrinsecamente ligado a política, na qual nossos governantes em todas esferas justificam suas improbidades e imbecilidades várias em ações ocorridas no passado por outros políticos.

            Como visto, esta dissonância é algo corriqueiro e precisamos de discernimento para trabalhá-la de forma a esclarecer quando a mesma se trata de uma inclusão social ou repudiá-la quando a mesma se relaciona com maus políticos que tem a sua incompetência e nesciosidade justificada com falácias

 

[1] OLIVEIRA, Isaura Gisele de; POLETTO, Michele. Vivências emocionais de mães e pais de filhos com deficiência. Rev. SPAGESP,  Ribeirão Preto ,  v. 16, n. 2, p. 102-119,   2015 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-29702015000200009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  30  nov.  2019.

[2]Para mais informações vide https://psicologado.com.br/atuacao/psicologia-clinica/o-processo-de-luto-diante-da-deficiencia-fisica-adquirida-analise-de-um-relato-de-caso

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