Educação a distância: presente, passado e o futuro a partir da nova Resolução CES/CNE nº 1, de 11 de março de 2016
O tema da educação a distância (EaD) ainda não está bem resolvido no Brasil. Apesar de existirem cursos e metodologias de alta qualidade, ainda existem questões pendentes, como o percentual de carga-horária semipresencial em cursos presenciais, a definição das funções do tutor e a situação dos polos em face da possibilidade de cursos totalmente feitos para ambientes virtuais.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou em a resolução que define as Diretrizes e Normas Nacionais para a Oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância. Esta Resolução, que é complementada por substancioso Parecer, cuida dos dois últimos temas citados, mas, infelizmente, não adentrou no tema de cursos semipresenciais.
A questão da carga-horária semipresencial em cursos presenciais, descrita na Portaria 4.059/2004, é uma evolução importante do ponto de vista prático - e, provavelmente, do ponto de vista didático-pedagógico, que não será aqui abordado - mas ainda pode ser tratada como um problema jurídico. Isto porque a EaD é tratada como uma modalidade de educativa e não como uma metodologia que poderia ser usada em cursos presenciais e poderia também criar cursos totalmente à distância.
Ora, se a EaD é modalidade, com credenciamento (regulação) e sistema de avaliação próprios, não poderia ser ofertado por instituições que não possuíssem este tipo de credenciamento. Portanto, mesmo divergindo quanto a classificação da EaD como modalidade, pensamos que existe hoje um problema jurídico em relação aos momentos semipresenciais, o qual poderia ter sido resolvido pelo CNE em sua nova resolução.
Ressalvado esse assunto, que aparentemente manter-se-á como no passado, as outras questões jurídicas são detalhadamente abordadas na nova norma do CNE.
A resolução, entretanto, deve ser entendida como um todo e com foco e sua concepção. Trata-se de uma norma que parte da premissa de que a EaD é uma modalidade educativa que se efetiva a partir de metodologias e dinâmicas pedagógicas propostas pelas Instituição de Ensino, bem como por meio da gestão e da avaliação.
A nova resolução se divide em 6 capítulos, assim denominados:
- Disposições gerais;
- Material Didático, avaliação e acompanhamento da aprendizagem;
- Da Sede e dos polos na modalidade de educação a distância;
- Dos Profissionais da educação;
- Dos Processos de avaliação e regulação da educação a distância; e
- Disposições finais e transitórias.
O primeiro capítulo traz definições importantes, que demonstram uma preocupação com aspectos técnicos, com documentação e até mesmo com o uso de “tecnologias e recursos educacionais abertos por meio de licenças livres”. Nesta parte existem poucos temas de cunho estritamente jurídico, mas é importante observar que o conceito de EaD é mais amplo do que o contido no Decreto 5.622/2005, que regulamenta a LDB em relação a educação a distância no Brasil.
O segundo capítulo mostra a preocupação com as metodologias e dinâmicas pedagógicas e traz assuntos que merecerão, certamente, análises de especialistas. Neste resumo, destacamos apenas a ênfase no direito de acesso dos alunos e a valorização dos documentos institucionais, como os projetos pedagógicos de curso (PPC) e institucionais (PPI).
O terceiro capítulo versa sobre tema que interessa bastante aos estudiosos de direito educacional: a questão dos polos EaD.
Historicamente o tema é controvertido, pois em tese limita o ensino feito exclusivamente por meio da internet. Originalmente, o decreto já mencionado previa os polos como opcionais, mas isto mudou em 2010, quando surgiu a figura do credenciamento de polos. Além disso, a LDB é omissa em relação a exigência desses locais de apoio operacional.
A resolução define o polo como sendo uma "unidade acadêmica e operacional descentralizada" um "prolongamento orgânico e funcional da Instituição no âmbito local". Estas definições são mais amplas que as do Decreto 5.622/2005, que menciona apenas o apoio operacional.
Com relação aos objetivos, o CNE acrescentou o apoio tecnológico às atividades de suporte administrativo e pedagógico. Este tema, da tecnologia, está presente em diversos artigos da resolução. Porém, a grande novidade é o respeito a diferenças regionais quanto a infraestrutura em informação e conhecimento (IC). Na norma existem dois dispositivos que expressamente tratam de “níveis diferenciados de atividades, virtual ou eletrônica”, o que é perfeitamente possível se considerarmos as diferenças regionais no Brasil e a possibilidade de polos no exterior.
Mesmo com o destaque dado à tecnologia, as parcerias para instalação de polos são o tema novo incluído na norma. “Novo” porque não havia sido tão bem detalhado nas normas anteriores.
Ficam expressamente permitidas as parcerias entre IES credenciadas para EaD e outras IES e o compartilhamento de polos entre IES credenciadas, mas destaca-se a permissão indireta para parcerias com empresas que não são caracterizadas como instituições de ensino. A resolução do CNE diz que: “É vedada à pessoa jurídica parceira, inclusive IES não credenciada para EaD, a prática de atos acadêmicos…”, e uma interpretação simples da expressão “inclusive IES não credenciada para EaD” indica que além dessas instituições poderão existir outras pessoas jurídicas parceiras.
Além disso, o limite das parcerias ficou mais claro, pois está previsto que são vedados convênios e parcerias “com fins exclusivos de certificação”. Assim, empresas não credenciadas ficam expressamente proibidas de comprar certificados ou usar o credenciamento alheio para sua atividade, ou seja, seus cursos.
Estes trechos poderão ter grande repercussão e gerarão segurança jurídica para as parcerias efetivas nos polos.
No capítulo quatro há outro tema de grande relevância: os profissionais da educação na EaD.
Ficam bem definidas as funções do…
- Docente: “autor de matérias didáticos, coordenador de curso, professor responsável por disciplina, e outras funções que envolvam o conhecimento de conteúdo, avaliação, estratégias didáticas, organização metodológica, interação e mediação pedagógica, junto aos estudantes”; e
- Tutor: “suporte às atividades dos docentes e mediação pedagógica juntos a estudantes”.
Em complemento, a norma do CNE diz que o tutor é um profissional de nível superior com formação na área de conhecimento do curso. Neste ponto, entendemos que há um vício de ilegalidade, pois a norma criará uma exigência que não está contida em lei alguma.
Por outro lado, o detalhamento de tarefas pode ser muito positivo, pois há várias discussões na Justiça do Trabalho sobre quais seriam as funções dos docentes e dos tutores. Mais uma vez, será criado um ambiente regulatório mais seguro e com informações mais claras.
No capítulo seguinte, o sexto, o tema é regulação e avaliação. Este assunto será analisado em artigo próprio. Até porque, é nesta parte do texto que podem ser encontradas algumas das mais importantes questões de direito.
Por fim, o último capítulo traz disposições que, de certa forma, surpreendem. Primeiro, menciona-se a possibilidade de credenciamento institucional EaD simultâneo ao credenciamento presencial, o que hoje não é possível. E, em segundo lugar, ficou estabelecido que a alta qualificação para o ensino cumulada a conceitos positivos poderá render para as IES a possibilidade de expandir cursos e polos de EaD sem previa autorização estatal, o que seria um grande avanço.
Expostas essas questões, resta apenas dizer que todo o documento é bastante liberal em relação à regulação, pois dá ênfase aos documentos institucionais como base para estruturar a IES, os cursos e até a situação dos profissionais no EaD. Este, talvez seja o viés geral da proposta: uma proposta liberal que não descuida da avaliação estatal no âmbito do EaD.
Autor: Edgar Gaston Jacobs Flores Filho - edgarjacobs@gmail.com