Educação neutra e as cabeças bem feitas: uma dicotomia
Nilton Bruno Tomelin
De forma simples e objetiva, ideologia é um conjunto de ideias ou pensamentos que guiam uma pessoa ou um grupo de indivíduos. Por ela são tomadas decisões e assumidos posicionamentos frente a questões profissionais, pessoais, políticas, sociais, por exemplo. Na prática, qualquer manifestação de natureza crítica, opinativa ou escolha que fazemos tem uma forte relação com aspectos ideológicos que norteiam nossas vidas.
Assim, por exemplo, se a escola (professores, gestores e famílias) opta por uma educação emancipadora e libertadora está também definindo um posicionamento ideológico. Ao contrário, se for definido como princípio norteador da educação escolar o treinamento para o exercício de uma atividade laboral, adota-se outra perspectiva ideológica: a da (falsa) neutralidade. Neste sentido ARROYO (2001, p. 50-51) assevera
Educar como adestramento, como moralização para termos um povo ordeiro e trabalhadores submissos. Esta visão de educação é bastante divulgada. A escola, o ensino, a aprender as letras nos lembram processos sociais menos conformadores, mais libertadores[...] Ao longo de nossa história há resistências para que o povo vá à escola, mas há maiores resistências para que seja instruído, prefere-se que seja educado em uma ambígua e adestradora concepção de educação...Reduzir o papel da escola fundamental e média a ensinar é enfatizar dimensões docentes, ensinantes, e freqüentemente esquecer dimensões formadoras.
Portanto, não é exagero dizer que nada que se faça está isento de uma ou outra preferência ideológica. Ideologia pode ser de direita, esquerda, fascista, nazista, socialista, neoliberal, libertadora, emancipadora, conservadora, reacionária. Assumir esta ou aquela ideologia não significa partidarizar a educação. E nem poderia ser! Afinal poucos são os partidos políticos capazes de assumir e materializar uma única ideologia definida.
O que convencionalmente prega-se como escola sem partido é na verdade uma escola sem uma ideologia que possa ameaçar o poder político consolidado historicamente. Uma educação que se contraponha à práticas de dominação e exploração é vista por conservadores e reacionários, como uma educação convertida em doutrinação partidária, como se o que se viveu ao longo de séculos, tenha sido uma opção sincera da coletividade. Tudo deve parecer o mais “natural” possível, desvinculado de qualquer movimento histórico ou político. FRIGOTTO (2000, p. 21) doutrina que
O ideário liberal conservador de organização societária, por partir de um suposto falso que afirmava a existência de uma "natureza humana" com uma razão, motivação, desejos, egoísmo iguais, tinha no mercado auto-regulado seu ideário fundamental. Por este pressuposto imaginava-se que a tendência em todos os planos sociais, mormente o econômico, seria o equilíbrio, a igualdade. Esta visão de uma natureza humana sem história, isolada das relações de poder e de classe, teve como resultado uma profunda desregulação social, revoltas, guerras entre as nações, grupos ou classes sociais. A Europa no final do século XIX expõe a tragédia do desemprego e miséria, e milhares de seus cidadãos foram obrigados a emigrarem para novas terras noutros continentes.
Ora, se a educação engloba os processos de ensinar e aprender é preciso que adote um viés condutor e provocativo (ideologia) para que promova formação e transformação. Do contrário ela servirá apenas para manutenção e da perpetuação de pensamentos, sem qualquer vínculo com a emancipação e libertação de sujeitos. É o que Edgar Morin preconiza como uma “cabeça bem feita”. A este termo MORIN (2005, p 21) apresenta a seguinte definição:
“Uma cabeça bem feita” significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas; e de princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido.
Numa perspectiva de neutralidade, adota como cabeça bem feita, aquela que se apresenta dócil, submissa e incapaz de discordar. Portanto, uma educação sem ideologias é essencialmente um processo educativo que optou ideologicamente pelo treinamento profissional e adestramento pessoal. A escola se converte num ambiente dócil e estéril, os professores serão meros auleiros e os alunos bons tarefeiros. Em tempos de vivencias virtuais, uma educação com este perfil torna a escola obsoleta e dispensável, os professores descartáveis e os alunos um mero depósito de informações.
Neste contexto, o sucesso é fruto dos méritos (e não das oportunidades), do potencial competitivo (e não do solidário) e é reconhecido pelo quanto se tem (e não pelo quanto se é!). Essa também é uma ideologia: a meritocracia! Para tanto é preciso que as cabeças sejam preparadas para aceitar que o sucesso ou o fracasso são frutos exclusivos da naturalidade dos fatos. O mérito decorre da natureza do sujeito e não dos diferente vetores sociais que possam intervir no seu percurso de vida e de formação.
Quando as oportunidades são para poucos, quando não se tem preocupação pelos mais fragilizados e quando não se valoriza o ser (verbo e substantivo) humano, é fácil e conveniente pregar uma educação sem ideologias. Afinal ideologia tem a ver com compromisso!
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, Miguel G. Ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 3ª edição. Petrópolis: Vozes, 2001.
FRIGOTTO, Gaudêncio. A educação e o trabalho no contexto da globalização. IN: Jornadas Transandinas de Aprendizagem VIII. Anais - Conferências. Frederico Westphale/RS, URI, 2000: 16-38. (Realização do Evento: 19 a 21 de out. 2000).
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Tradução: Eloá Jacobina – 11ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.