05/04/2019

ENTRELAÇANDO CORPO, CULTURA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

ENTRELAÇANDO CORPO, CULTURA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Maria José Souza Pinho

Bióloga, Doutora em Educação pela UFBA. Professora do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas e do Mestrado Profissional em Educação e Diversidade da Universidade do Estado da Bahia

Resumo

Esse texto traz parte das reflexões da pesquisa de doutorado, cuja intencionalidade foi perceber as potencialidades e limites da Educação Ambiental partindo das histórias e memórias do corpo e da cultura da comunidade local de Diogo, povoado do Município de Mata de São João/Ba. Aqui discutiremos a construção das relações entre a humanidade e a natureza mediados pela cultura e corporeidade. A questão ambiental vai ser trabalhada não como resultante de um relacionamento entre homens e a natureza, mas como um enfoque das relações entre os homens, isto é, como objeto da cultura, da política e da história.

Palavras chave:  Corpo, Cultura, Educação Ambiental

Abstract

In this text, reflections will be presented in a doctoral research project, the aim of which is to perceive the potentialities and limitations of environmental education based on stories and memories, the body and culture of The community of Diogo, belonging to the municipality of Mata de São João / Ba. We shall discuss here the construction of the relations between mankind and nature through the mediation of culture and corporeity. The environmental subject will not be treated as a result of the relationship between man and nature, but from the perspective of human relations, that is, as an object of culture, of politics And history.

Key words: Body, Culture, Environmental education.

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios de sua consciência, o ser humano pergunta-se onde terminaria seu caráter biológico e onde começaria o cultural e vice-versa. Em sua essência o ser humano é corpo e não apenas um objeto a ser estudado, um negócio ou uma mercadoria, contudo ainda é pensado apenas como matéria ou espécie de revestimento da alma que dá suporte de vida ao ser; herança de um discurso ocidental e do sistema capitalista. É também sujeito porque se configura numa unidade simbólica em todas as sociedades humanas. É elemento imprescindível na percepção do ser enquanto Homo sapiens e do ser enquanto sociedade.

A história de um povo está escrita em seus corpos, e através desses podemos observar as genealogias, a mestiçagem, a hibridização, as condições de vida, a influência do meio e o desenvolvimento de uma cultura. O ser humano possui no corpo sua maior identidade, é o lugar que marca sua existência no mundo, consigo mesmo e com o outro.  Pensar, agir, sentir são características da existência humana e se expressam no e pelo corpo. Neste corpo eu sinto, pelo corpo eu penso e pelo corpo eu atuo. O ser e estar no mundo são permeados pelas infinitas possibilidades de significados, e ao nos apropriarmos dela, modificamos e a reconstruímos. Silva (2009, p. 51) coloca muito bem essa questão ao propor que devemos nos convencer de que “[...] o corpo é realmente alvo de um processo de re/des/construção” e que a apreensão das implicações teóricas e políticas sobre o corpo serão assimiladas no momento em que conhecermos o funcionamento das engrenagens do sistema.

Os estudos sobre o ser humano, seus sentimentos, pensamentos e percepções têm início na Grécia, quando os filósofos buscavam compreender como o indivíduo se constitui e como se dava o processo de desenvolvimento do pensar. A partir desse momento surge uma discussão que persiste até os dias de hoje: qual a relação entre corpo e mente? Ao longo da história ocidental tem prevalecido uma divisão entre corpo e mente que termina por colocar o corpo num papel secundário, instrumental, que precisa de cuidados na medida em que proporciona o desenvolvimento intelectual. Essa ideia de corpo a serviço da mente ainda persiste e se constitui em um desafio para a educação repensar este papel do corpo e procurar significá-lo como indissociável do intelecto e até como expressão desta racionalidade.

A partir de sua célebre afirmação “penso, logo existo” (cogito, ergo sum) Descartes enfatiza a dicotomia corpo-mente. Ele considera corpo e alma como duas substâncias independentes, afirmando que o pensamento racional ocupa, apenas, um lugar no corpo. Le Breton (2003, p.18) afirma que Descartes “desliga a inteligência do homem da carne”. Este pensamento conduz a uma atribuição de valor maior ao trabalho mental do que ao trabalho manual. 

Esse texto traz parte das reflexões da pesquisa de doutorado, cuja intencionalidade foi perceber as potencialidades e limites da Educação Ambiental (EA) partindo das histórias e memórias do corpo e da cultura da comunidade local de Diogo, povoado do Município de Mata de São João/Ba. Isto posto, acreditamos que uma educação ambiental de qualidade, na perspectiva crítica, deve equilibrar equanimemente o desenvolvimento da capacidade técnica(manual) e o desenvolvimento das capacidades intelectuais de forma a tê-la como instrumento de construção da cidadania, do reconhecimento enquanto ser no e para o mundo, de pertencimento ao espaço.

CORPO ENQUANTO CONDIÇÃO HUMANA

René Descartes, em seus estudos, chega a compreender o corpo e a alma como estreitamente interligados, mas permanece a ideia de corpo como máquina que precisa ser observado e atendido em suas necessidades básicas para favorecer o desenvolvimento da mente, ou seja, do pensamento racional. O dualismo cartesiano dá início a um processo de afirmação do corpo em seus aspectos científico-biológico e psicológico, porém numa perspectiva de conservação deste corpo, por meio de recomendações e cuidados com a saúde, por exemplo.

O pensamento cartesiano acredita que o corpo se constituía num grande organismo vivo e era formado por diminutas partículas que ao serem estudadas poderiam explicar o mecanismo maior de funcionamento. Esse método reducionista vislumbrava as partes separadas e não a unidade humana, a totalidade.  Assim, a ciência médica daquela época dissociava corpo e mente resultando muitas vezes na forma desconexa em relação aos cuidados com a saúde do corpo e da mente e as patologias do corpo e da mente eram encaminhadas para áreas totalmente distintas. Pelas ideias psicossomáticas, o corpo modifica a mente e a mente modifica o corpo. Na análise de Silva (2009), a perspectiva reducionista se faz presente no século XIX nas ciências naturais através do desenvolvimento da microbiologia, da teoria celular, dos estudos preliminares da embriologia e da chegada das leis da hereditariedade alargando-se para além desse campo do conhecimento e repassada às ciências humanas. De acordo com Silva, (2009, p. 55) “a biologia e a ciência permaneceram ignorantes no que se refere ao todo corporal e à sua relação com os outros e com o meio ambiente”.  Há uma influência do ambiente social e cultural no organismo biológico, mas como tudo está fundado no princípio da separação, esse conhecimento torna-se mutilado.

O corpo se configura numa “linha de pesquisa” e não uma realidade em si. O conhecimento biomédico representa uma espécie de verdade universal do corpo, e apenas uma parte da sociedade conseguiu decifrar, excluindo das ciências os conhecimentos dos curandeiros, dos pajés, entre outros especialistas das comunidades tradicionais.

Neste entendimento, compreendemos que tentar perceber o corpo dissociado da mente é uma tentativa de afirmar a superioridade de um sobre o outro, da mente sobre a alma. Por que não dizer, um reducionismo também intelectual. Mas o corpo continua aí, presente, ativo e transformador em relação aos processos que o produz, reclamando perceptibilidade. O pensamento cartesiano contaminou toda a ciência e como um “efeito dominó” fundamentou a separação entre homem e natureza e para que o conhecimento do homem tivesse valor era preciso rechaçar, eliminar tudo que fosse natural, como se nosso corpo fosse artificial. Isto se traduziu para as pesquisas com a separação do sujeito e objeto, significando que, para termos um conhecimento objetivo devemos eliminar toda a subjetividade. Praticamente todas as pesquisas são sustentadas pelo pensamento objetificante presente na lógica dualista cartesiana e ainda levará muito tempo para que seja substituída. Não é possível a separação das coisas como se pudéssemos conhecê-las eliminando a ambiência. O conhecimento não é uma fotografia de uma realidade, é uma tradução e reconstrução do mundo exterior.

As construções culturais acerca de corpo e mente, como visto até aqui, precisam, portanto, ser repensadas. A lógica cartesiana, importante elemento de análise num dado momento histórico precisa ser (re)significada. É nosso papel, educadores neste século XXI, pensar os processos educativos para sujeitos históricos ativos, sensíveis, situados. Sujeitos que, em seus processos de aprendizagem trilham diferentes caminhos envolvendo percepção, ação, memória, imitação, classificação, ordenação, significação.

Crespo (1990, p. 563) assinala uma nova concepção de corpo, considerando-o:

[...] uma totalidade, integrando órgãos e funções em intima relação; o corpo não é, por sua vez, uma entidade isolada do mundo envolvente, necessitando mesmo, para que aquelas funções se cumpram, de viver em certo equilíbrio com as condições exteriores; também corpo e alma se relacionam profundamente, resultando a saúde dos seus equilíbrios constantes mas sem que qualquer delas se sobreponha ao outro.

Aproximando-nos do entendimento de Crespo urge repensar o processo do significado do corpo e partir da definição de um novo paradigma que venha romper o dualismo cartesiano corpo-mente. É preciso compreender que o ser humano não habita simplesmente o seu corpo físico, mas que este se constitui no próprio ser, e é um meio de expressão de um mundo interior em constante interação com o meio externo. O olhar da educação deve contemplar um indivíduo como uma unidade dinâmica indivisível, como seres inteiros de corpo e mente.

A concepção de corpo, ao longo da história, passou por diversas transformações. É importante salientar o papel extremamente relevante do contexto social, político e econômico na relação que o indivíduo estabelece com seu corpo.  A corporeidade características de cada momento histórico foi construída em base nos valores significativos para a sociedade em cada época. No decorrer do século XX, por exemplo, a relação do indivíduo com seu corpo passou por modificações relacionadas diretamente com mudanças nos valores culturais, na política e na economia.

Segundo Fontes (2006, p. 142), no século XX, o corpo assume diferentes estatutos culturais. No início do século o corpo é considerado como representado, ou seja, “um corpo visto e descrito pelo olhar do outro, da igreja, do estado, do artista”. Este corpo se caracteriza por ser passivo que apenas reage às situações impostas socialmente, um corpo submisso às regras e normas sociais.

O outro estatuto do corpo em meados do século passa a ser visto como representante, ou seja:

[...] um corpo ativo, autônomo quanto às suas práticas, consciente do seu poder político e revolucionário, porta voz do discurso de uma geração, contestador, sujeito desse próprio discurso e agente propositor e defensor de reformas que vão da sexualidade à política. (FONTES, p. 124)

E por fim o último estatuto proposto é o corpo “como lócus de transgressão”, acelerado pela difusão da pílula e do movimento hippie. Não esqueçamos de como a medicina assume um papel de grande importância na construção histórica do corpo, muito bem descrita pelo trabalho “Do corpo objeto ao sujeito histórico: perspectivas do corpo na história da educação brasileira”, de Maria Cecília de Paula Silva (2009). Para a autora, seguindo para o século XX, encontramos uma nova proposta: a procura da perfeição do corpo, uma obsessão para além do belo, um corpo que só é aceito se submeter-se a alguns ajustes necessários – sejam eles, estéticos, genéticos ou tecnológicos.  Na sua apreciação, a autora avalia a construção dos significados históricos do corpo associado ao fenômeno da cultura.

[...] a cultura faz e dita normas em relação ao corpo. Sendo ela portadora de uma construção dinâmica e interatuante entre sujeito-mundo, a cultura constrói e re-atualiza essas crenças e sentimentos. O corpo aprende, e é cada sociedade especifica, em diferentes momentos históricos e com sua experiência acumulada, que o ensina. E ao ensiná-lo, nele se expressa: no olhar, no andar, no dormir, nos gestos, nas posturas e nas sanções. Diz mais: mesmo tratando-se da mesma sociedade, o corpo se expressa de acordo com sua historicidade. (SILVA, 2009, p. 36-37).

Na perspectiva descrita pela autora e ratificada nesta análise, percebemos que o significado de corpo perpassa pelas dimensões sociais, temporais e espaciais. Ou seja, o entendimento e a concepção de corpo não podem deixar de levar em consideração as histórias vividas, os espaços ocupados e a cultura. Um desses espaços ocupados que se relaciona com nossa pesquisa na escola municipal de Diogo/Ba, um espaço onde os corpos aprendem a estar, a ficar, a permanecer e a ser. Percebemos a fluidez corporal nas atividades extraclasse, nos gestos, nas posturas, nos olhares, o desprendimento em relação à rigidez do corpo quando o espaço ocupado não era a sala de aula.  A escola, além da família, é uma das instituições responsáveis pela normatização das condutas e sentimentos em relação ao corpo. A educação é responsável pela difusão de modelos sociais e políticos em torno do corpo, da sexualidade, da intimidade dos corpos, todos “impregnados pela norma terapêutica” (SILVA, 2009, p. 40).

CULTURA CORPORAL: INTERFACES ENTRE CORPO E CULTURA

Seguindo a inspiração dialética (expressão cunhada pela filosofia e apropriada por Karl Marx em suas discussões sobre materialismo histórico e sobre a arte da discussão e da argumentação), e dialógica, expressão utilizada por Mikhail Bakhtin, para expressar a conexão entre processos inter (sociais) e intra mentais (psicológicos), como polifonia (muitas vozes) e possibilidade de sentidos e significados, discutiremos o processo de construção da corporeidade a partir do entrelaçamento do corpo com a cultura.

Cultura Corporal ou Experiência Corporal ou ainda Corporeidade é a forma de se expressar no mundo, é a cultura, é o corpo, é o que a história nos conta por meio das expressões corporais, que, como a linguagem, se expressa de formas diversas e variadas, bem além das possibilidades já sistematizadas em termos de conteúdos escolares, embora também por eles se expressem. Olhar a forma como as trançadeiras tecem, os pescadores pescam, as varredoras de rua varrem, a sua mãe faz doces... todo o universo de ações e expressões corporais, como você acarinha a sua filha, como as pessoas agem no mundo... Isso tudo é Cultura Corporal. É “[...] parte do acervo da humanidade e por isso indispensável ao conhecimento escolar para o entendimento da realidade social e do mundo do trabalho” (SILVA, 2004).

A cultura corporal deve ser compreendida em sua ampla possibilidade, contextualizando e relacionando-a aos interesses políticos, econômicos, sociais, culturais e que considere seus aspectos históricos e ambientais. Uma perspectiva que abarque o corpo no mundo e sua cultura, além das práticas corporais diversas produzidas e transmitidas historicamente através dos jogos, brincadeiras, esportes, danças, lutas e outras manifestações que são produzidas socialmente, culturalmente e corporalmente na relação do ser humano consigo mesmo e com a natureza. Nosso entendimento de cultura corporal foge do âmbito exclusivo do componente curricular da Educação Física, justamente por se aliar aos pressupostos da Educação Ambiental, assumindo uma postura de abertura a novos saberes, situando intencionalmente na contracorrente da disciplinaridade.

O corpo é assim, um território primordial onde a cultura vive em todo indivíduo. O lugar onde ela se manifesta e se revela sensível, viva. Desde o nascimento, admite-se que, até mesmo antes, a cultura é transmitida pelos mais velhos aos mais novos. Estes recebem-na sem contestação, inscrevem-na profundamente nas suas estruturas psicofisiológicas a partir de sua sensibilidade. É assim, no corpo que as primeiras marcas da cultura são inscritas profundamente no indivíduo.

Manifestações e práticas corporais foram elaboradas ao longo da história da humanidade e expressam sentidos-significados próprios das culturas e territórios em que surgiram e se desenvolveram, bem como um deslocamento de sentido em função do modo de produção e do jogo de poder estabelecido socialmente. É como a realidade se materializa nos corpos e como estes reagem a essa realidade, suas ações, posturas e práticas que são corporais e que dialética e dialogicamente se relacionam com o trabalho, cultura, lazer e a vida como um todo.

A corporeidade é o ensaio humano materializado, admite uma análise profunda de si, dos outros e da realidade do mundo. O reconhecimento enquanto corpo autoriza a crítica numa escala plural e singular, assim aproximando o indivíduo de sua natureza. A cultura corporal comporta em si um posicionamento no mundo e evidencia a “[...] necessidade de desmitificar certos modelos de corpo, propostos ideologicamente em nossa sociedade, precisa ser acompanhada de uma outra que avance em direção a uma visão mais revolucionária do corpo” (MEDINA, 2005, p.22).

Em estudo também realizado na mesma Vila de Diogo/Ba, Brito(2012) percebe a íntima relação entre corpo e cultura no discurso dos moradores daquela localidade sobre as brincadeiras.  Concluiu com sua pesquisa que a brincadeira expressava um perfil estético de imagem corporal da pessoa branca e loira como se fosse algo distante da realidade próxima, algo diferente e até como uma forma de “superioridade”, fruto de motivações históricas e culturais dentro de uma comunidade de pessoas pobres financeiramente, de pele escura e cabelos crespos. Para o autor é evidente que “a brincadeira, assim como outras atividades e práticas corporais (jogos, esportes, danças e etc.) que compõem a cultura corporal, está inserida dentro de um contexto sociocultural e é influenciada por isso” (2012, p.59), portanto as brincadeiras, como toda manifestação da cultura corporal, costumam expressar a materialidade da cultura vivenciada, a exemplo dos moradores daquela comunidade, de acordo com as condições ambientais e possibilidades que tinham, expressando a realidade e as potencialidades locais.

A cultura corporal é decorrente da maneira como os indivíduos assimilam e materializam os fatos e, mesmo que tenham vivido situações similares, as marcas resultantes são tão particulares como a individualidade de cada um. Tudo que é percebido fica registrado, fica armazenado na nossa memória corporal e cognitiva. A cada nova experiência comparamos as informações recebidas com as que já estão registradas e a partir daí formam-se novos registros. Assim, nossa expressão corporal vai sendo construída com base na forma com que percebemos a realidade do mundo a nossa volta, como também sofre modificações a cada nova vivência.

Silva (2004) analisa muito eloquentemente a proposta de cultura corporal como um contraponto ao entendimento que ultrapassa os aspectos bio-fisiológicos.

Os conteúdos – manifestações da cultura corporal – não poderiam ser pensados e nem explicitados isoladamente e, sim, vinculados à realidade social. Esta proposta que parte do entendimento da cultura corporal como uma totalidade formada por distintas práticas sociais – corporais, como o jogo, a ginástica, o esporte, a dança e a luta – se diferencia da que historicamente predominou na escola (balizada pelo parâmetro da aptidão física, do rendimento, da saúde).

É nessa perspectiva que aspectos físicos, cognitivos, afetivos e sociais interferem diretamente na construção da cultura corporal de cada um. Uma imagem internalizada e representada em processos que envolvem funções mentais superiores como percepção e memória, sentimentos, símbolos, signos e significação. Um verdadeiro caleidoscópio onde se fundem imagens, cores, cheiros, sabores, texturas, sentidos, significados, experiências e aprendizagens que se movimentam, mantém e transformam-se o tempo inteiro.

O que vemos, ouvimos, experimentamos, sentimos, tem muitos significados para nós. Essas vivências e experiências vão orientando e “disciplinando” o nosso olhar, definindo nossa visão de mundo e de nós mesmos. A forma como percebemos e conceituamos nosso corpo (imagem corporal), é fruto dos estímulos que recebemos do ambiente e do significado que eles têm para nós. Como analisa Sant’Anna (2000, p. 50):

O corpo, tal como a vida, está em constante mutação. As aparências físicas demonstram de modo exemplar esta tendência: elas nunca estão prontas, embora jamais estejam no rascunho [...]. Cada corpo, longe de ser apenas constituído por leis fisiológicas, supostamente imutáveis, não escapa à história.

Como seres sociais e culturais, estamos o todo tempo trocando informações e conhecimentos. Essa dinâmica permite diferenciações, comparações, atualizações. Assim, a nossa imagem corporal não só vai sendo construída, mas modificada, transformada, (re)estruturada. Sentimentos, emoções e significados simbólicos são, portanto, elementos fundamentais na construção das subjetividades e da nossa autoimagem. Na essência do socio-interacionismo (VIGOTSKY, 1993) é a aprendizagem através das trocas, da intermediação, da presença do outro em nossas vidas.

Novamente é preciso retomar o desafio da Educação Ambiental em compreender o desenvolvimento humano de forma integrada, em que corpo e mente não se dissociam. Compreender de forma clara o papel das interações sociais, especialmente nas escolas, na construção da cultura corporal e a importância do outro na constituição das subjetividades de cada um. Silva(2009, p. 261) afiança que o sujeito histórico deve superar a descontinuidade entre corpo (registro da quantidade) e espírito (registro de qualidade).

O sujeito é marcado pela particularidade de seus movimentos, pela especificidade de seus gestos e atividades sociais. Com isso, as diferentes formas de experiência corporal (cultura corporal) nos indicam justamente que o sujeito assume sua existência de maneira decisiva, numa direção oposta à submissão e docilização corporal. [...] O corpo é antes de tudo, uma força produtiva específica, uma possibilidade de nos reinventarmos a todo o momento.

É neste sentido que a Educação Ambiental visa contribuir com a não normatização do processo de modelação de corpos e da cultura dos sujeitos, implica dizer que a EA pretende ser uma possibilidade na constituição de um estilo de vida. Estilo de vida que envolva novas formas de se apropriar do meio ambiente, de entender o corpo e de se relacionar com ele com os saberes locais para então se tornar um ator social.

É preciso, portanto, educar meninas e meninos para a sensibilidade, a diversidade, a pluralidade, a aceitação de si e do outro, do corpo, da cultura , para que, reconhecendo a igualdade na diferença, possam exercitar suas potencialidades como sujeitos históricos dotados de inteligência, razão, capacidades, vontades. Aparato biológico (corpo) e experiência sensorial (espiritual) dialogam e se entrelaçam em processos que envolvem sentidos, sexo, genética, cultura.... Não anulamos um para que o outro sentido se manifeste. Uma música, um toque, um sabor, um perfume, um olhar, acionam em nós memórias do que vimos, vivemos e experimentamos como seres humanos, sem que precisemos classificar, teorizar, justificar, explicar, hierarquizar. Sinapses, conexões, e memória constroem aprendizagens. Em diferentes níveis as realidades se misturam, dialogam, interagem, entrelaçam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que existe uma relação de interdependência entre os conceitos de corpo, cultura e meio ambiente e que a partir da reflexão sobre a importância desta conexão perceberemos suas implicações para a ação educativa.  A melhoria da qualidade da educação básica além de ser um dos temas recorrentes em qualquer debate pedagógico, é também um anseio da sociedade com relação ao futuro de nossa humanidade. Sendo assim, seria utópico imaginar que a educação por si só seja suficiente para eliminar os problemas da humanidade, entretanto o desafio para EA está justamente aí: antecipar a aparição de problemas e funcionar como uma vacina e não em remédio curativo.

Quando falamos em educação, não nos referimos somente às escolas, mas aos processos educativos que ocorrem dentro e fora dela, que se ligam por meio das diversas esferas da vida, dos processos que ocorrem na e para prática educativa, nos currículos da escola e nos currículos da vida. A educação não está separada da comunidade, da cultura, do corpo, do ambiente, ela não é uma caixa de conhecimentos descontextualizadas da vida real. Seguindo a inspiração dialética e dialógica, percebemos a expressão da conexão entre processos inter (sociais) e intra mentais (psicológicos) e as possibilidade de múltiplos sentidos e significados.

Assim, pensamos que a educação se instaura no cruzamento de múltiplos componentes, relativamente autônomos uns em relação aos outros, e as vezes discordantes. Não basta pensar para ser, como apregoava Descartes, existem várias maneiras de existir, de estar no mundo, fora da consciência, e o sujeito se obstina a apreender em si e na relação com os outros e com o mundo.

Uma maneira de iniciar um projeto de educação ambiental inscreve-se em considerar outras perspectivas de compreensão dos fenômenos para além da ecologia, levar em conta as comunidades locais, reinventar os currículos, recuperar histórias e memórias, dialogar com o corpo, integrar espaços e fronteiras, entre tantas outras possibilidades.

REFERENCIAS

BRITO, Diego Assis de. Educação, cultura e meio ambiente: análise da história e cultura corporal na comunidade de Diogo / BA. 2012. Dissertação. (Mestrado em Educação) - Faculdade de Educação. Universidade Federal da Bahia, Salvador.

CRESPO, Jorge. A história do corpo. Rio de janeiro: Bertrand Brasil. 1990. p. 463-573

FONTES, Malu. Uma leitura do culto contemporâneo ao corpo. Revista de Comunicação e Cultura. Vol. 4. N. 1. junho 2006.

LE BRETON, David. Adeus ao corpo: antropologia e sociedade. Campinas : Papirus, 2003. 240p

MEDINA, João Paulo Subirá. O brasileiro e seu corpo: educação e política do corpo. 9. Ed. São Paulo: Papirus, 2005.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Descobrir o corpo: uma história sem fim. Educação e Realidade. Porto Alegre: FACED/UFRGS, v. 25, n.2, jul./ dez. 2000.

SILVA, Maria Cecilia de Paula. Do corpo objeto ao sujeito histórico: perspectivas do corpo na história da educação brasileira. Salvador: EDUFBA, 2009.

VIGOSTKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×