30/08/2016

ESCREVER.

Dênio Mágno da Cunha*

Não é a primeira e nem será a última vez que escrevo sobre escrever. Especificamente na semana que terminou ontem, escrevi muito, mas muito mesmo. Parecia um jornalista a dar conta de vários textos por dia. Acho ótimo, gosto de escrever. O problema foi ter de no final, sair descrevendo tudo o escrito. Desmanchei para adaptar o tamanho do texto às regras. Foi dolorido cortar poemas de Drummond: “o completo vadio”, que não sabe se é mesmo vadio, mas tem a certeza de não saber estudar e mais: escreveu que jamais aprenderia a estudar. Imagina, Drummond, nosso maior poeta dizendo que jamais aprenderia a estuda! Logo ele que soube aprender a ver além das aparências, estudioso naturalmente. Talvez pensasse ser o ato de estudar algo natural, que não se aprende. Na vida, talvez seja assim, mas nas disciplinas, nas matérias, nas técnicas, não. Há de se aprender a ter disciplina; aprender a estudar com técnica; memorização; decorando a mente com conhecimento (decoração). Havemos de aprender a estudar a nós mesmos. E assim, diariamente vamos escrevendo a nossa história, pois cada dia é uma página em branco – escrevi isso hoje – onde escrevemos nossa vida. Poético, filosófico, real. A pergunta a nos incomodar é sempre essa: quais as histórias escritas? O nosso passado, os capítulos anteriores nos foram úteis na continua escrita do cotidiano? Aprendemos as lições? Lembrei da conversa sobre viver o dia, o hoje, o agora, que tive por escrito com a Glaucia Pedrosa. Ela faz um diário, literalmente, para poder evoluir, se aprimorar. Isto é, revisa ao final do dia o que escreveu na vida. Aprende sobre ela mesma, todos os dias. Disciplina do estudo de si mesma. Fantástico. Não conseguiria. Estou mais para Carlos. Admiro muito os disciplinados, mas como diria Ítalo Calvino: nada contra os disciplinados mas advogo os vadios (ou os indisciplinados). Lembrando que estamos falando de um dos aspectos mais positivos do Ser (humano), a força de vontade, o autoconhecimento, o autocontrole. Disciplina nunca é submissão quando somos nós a utilizarmos em nós mesmos. Claro, se a utilizarmos ou pretendermos aplica-la nos outros, é autoritarismo e não disciplina. Enfim, gostaria muito de ver nossos alunos compreendendo isso. E faço uma retificação para não parecer que sou completamente Carlos e nada Glaucia: escrever todos os domingos pela manhã é prova da prática da disciplina auto imposta, sagrada, que provoca tremores se houver ausência, se me abster de exercê-la. Imagina se fosse assim na educação? Aqueles que estudam sentirem falta, tremerem na abstinência do estudo? Pego no pé, mas sei que ao deixarem a escola, quando formados (?), sentem falta, choram. Por isso a continuidade é necessária, permanentemente necessária. Quem gosta e faz do estudo um hábito disciplinado, não tolera ficar sem aprender. Sinceramente, acho que somos todos assim, de uma forma ou de outra; intensivamente ou não, de certa maneira todos nós gostamos de aprender, de estudar. Pode não ser o que os outros gostariam ou desejariam que estudássemos – na escola isso é comum. A consequência de nossas predileções é uma outra conversa, mantida com o meu companheiro de viagem, Ulisses. Aliás, não havia me atinado, ele tem o nome apropriado para ser companheiro de viagem. Eu dizia, nós falamos sobre uma palavra muito chata “procrastinação”. Ato de adiar continuamente aquilo que devemos fazer. Sim, porque o que gostamos de fazer, nunca procrastinamos. Procrastinamos o dever, nunca o prazer. E a nossa vida balança entre essas duas pequenas palavras: prazer e dever. Ai vem a questão do estudo: estudamos o que nos dá prazer e procrastinamos o que julgamos como dever. No final das contas, tudo deveria ser prazer para não haver a procrastinação. Tema de um dos textos anteriores sobre como transformar a obrigação do estudo em prazer. Se conseguimos, magicamente, usando as técnicas do aprendiz de feiticeiro, transformar obrigação em prazer, alcançamos Shangrila, ou Shangri-la, o estado nirvanico, já que tudo se transformará. Salve James Hilton e a sua criação mais próxima do que imaginamos ser o céu na terra, alvo e desejo de muitos. Mas como o paraíso é muito chato pela monotonia de seu cotidiano (dizem, pois nunca estive lá), insistimos em perturbá-lo, dando mais ênfase ao sofrimento com as nossas obrigações do as alegrias dos momentos de prazer. O movimento deveria ser o contrário: na matemática entre obrigação e prazer, o prazer deveria ter peso 2 e a obrigação peso 1. Observe, estude e você verá que a maioria das pessoas dá peso 5 para as obrigações e peso 1 para o prazer. Talvez por isso, procrastine porque o peso de um é bem maior que o do outro. Como dizem os gurus da administração do tempo: faça primeiro o dever (ou a obrigação). Por que? Porque se você começar pelo que é prazeroso, você vai ficar agarrado. O prazer tem esse lado, nos aprisiona; queremos estar sempre neste estado de prazer. Mas a vida... Ah! a vida! A vida é movimento em busca do equilíbrio. Dizem os budistas: o caminho do meio, entre os extremos da dor e do prazer. Talvez esteja ai o paraíso perdido – nem Shangrila e nem o Inferno de Dante: a consciência da existência dos dois e a escolha de não ser escravo de nenhum dos dois, em prol da liberdade de seguir equilibrado e livre. Por falar nisso, recebi hoje uma mensagem da Claudia Horta que falava em “ir embora”. Ir embora no sentido de desprender-se das amarras; de saber que você é um inútil (exagero), que não fara falta a ninguém se for embora. Claro que discordo no exagero e também porque algumas pessoas utilizam isso como tática de guerrilha: “deixa eu desaparecer para ver se sentem falta de mim”. E fazem isso propositadamente. Já fiz, não faço mais porque é ridículo – olhe que eu não disse infantil. Sentir sua falta é um sentimento do outro, portanto, não pertence e não e está no seu domínio. Eu sinto falta de tanta gente. Eles não sabem disso, porque sou eu que sinto falta – independente se os vejo ou não, com frequência; independente se eles estão sumidos de propósito para ver se eu sinto falta deles. Aliás, como saberão? Só se eu contar para eles, como fiz hoje com o meu amigo Wander, quando liguei para ele. Ou como direi ao meu amigo Teófilo, daqui a pouco. A minha resposta foi a seguinte: não vá embora, vá para Bora Bora. Se for embora para ver se sentem a sua falta, vá para Bora Bora! Por falar em Bora Bora, está na hora de terminar este texto que foi escrito em homenagem a Raduan Nassar, que escreveu um livro quase sem parágrafo. Não me comparo, por favor. Hoje me deu vontade de falar sem parar, de escrever sem parar, de emendar as coisas, de juntar tudo, de saber que a vida é algo junto e misturado. Por ser mais do lado da leveza do que do peso, mais uma vez Ítalo Calvino – tenho de ler mais e mais Calvino – que advoga um, sem menosprezar o outro. Cada um é cada um. Cada um escreve o livro que deseja e preenche a página em branco do seu dia com liberdade. Eu, escrevo escrevendo! Lembrei de uma pessoa que não conheci, mas que gostaria muito de ter conhecido. Sabe quando você sente falta de alguém que nunca conheceu? Não é engraçado?

* Professor em Carta Consulta e Una/Unatec. Doutorando Universidade de Sorocaba. Acredita que cada dia é como uma folha em branco.

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