Eu, Tu, Eles, Nós
Dênio Mágno da Cunha*
Estava pensando – como se não pensasse a todo instante – sobre a dificuldade que temos (alunos, professores, professores e alunos, alunos e alunos) de construir uma convivência produtiva no cotidiano da sala de aula. São, de fato reais e imaginários, muitos os motivos para que isso não aconteça. Diferenças nas formas de pensar, descompassos nos momentos de vida, estranhamentos e desafetos passados, preconceitos fantasmas, energias diferentes e muitos outros de ordens das mais diferentes. Parece que olhamos uns para os outros e já vemos dificuldades. É uma raridade quando o contrário acontece. O que deveria ser uma exceção torna-se cotidiano; e o cotidiano que deveria prevalecer, é uma exceção.
A algum tempo, logo no primeiro dia de aula, fui avisado que no semestre anterior havia até saído discussões e agressões pessoais em um grupo de trabalho. Assustei. Mas ainda nesta semana presenciei o início de uma discussão que me pareceu fruto de uma má convivência do passado, acumulada.
Por acaso, assisti a um vídeo que mostrava cenas da Seleção Brasileira de Futebol de 1982. Que facilidade com que aquela equipe cumpria suas tarefas; como conseguiam articular seus talentos individuais, fazendo surgir a beleza do “nós”, do conjunto. Dava gosto ver. “Não foram campeões, mas conquistaram o mundo” escreveu o autor do vídeo. Não foram merecedores da glória, mas glorificaram o trabalho coletivo, talvez nunca mais repetido.
É claro que fiquei pensando nos motivos que nos levam a não alcançar essa mesma vivência numa ambiente tão propício como é uma sala de aula. Estudar deveria dar tanto prazer quanto os jogadores de 1982 transpareciam ter ao jogar bola. Quando entramos em sala de aula, tanto alunos quanto professores, deveriam se postar juntos como um time que tem um único e comum objetivo. Mas isso não acontece. Este poderia ser um dos motivos, que levado a nível de grupos de estudos (ou de trabalho), justificaria toda a desarmonia e os resultados consequentes.
Lembrei então do tanto que ouvimos Pedagogos falarem de uma sala de aula imaginária, utópica até, para os padrões comuns de hoje. Essa sala seria ampliada, e estaria localizada num espaço “onde até as paredes ensinam” (Pe. Geraldo Magela) e que com certeza, onde professores ensinam e alunos aprendem – e vice-versa.
Lembrei também de outra sala de aula:
A sala de aula era um espaço movimentado, animado, divertido; onde alunos e professor em perfeita harmonia faziam diariamente a produção do conhecimento e a geração de ideias inovadoras. Era também o espaço da convivência alegre e da troca de experiências de vida entre os alunos, numa multiplicação diária da aprendizagem pessoal, formando uma rede de relacionamento duradoura. A sala de aula era aquele espaço inspirador, fascinante, onde o “brilho nos olhos” e a vivacidade juvenil fazia prever um novo mundo, caracterizado pela curiosidade permanente, pela multiplicidade de formas participativas, recheada de centenas de perguntas. Costumava-se dizer que a sala de aula não tinha nem paredes porque seu ambiente extrapolava os limites. Seu espaço era ampliado pelo estudo autônomo que alunos e professores faziam em outros ambientes pelos quais trafegavam. A aplicação do conhecimento, o olhar arguto, a atenção e a intenção possibilitavam que alunos e professores ultrapassassem limites: o vento do novo mundo percorria e atravessava os espaços; espectros espirituais dos grandes sábios trafegavam entre carteiras soprando seus conhecimentos em ouvidos atentos. Livros abertos, todos aprendiam na sala aberta para o infinito, na grande viagem da vida toda. Admirável mundo novo construído a cada manhã, onde diferentes se encontravam para um objetivo único: operarem transformações mútuas. Sala de aula, da qual me lembro com saudade e permanece perdida no tempo da minha infância.
* Professor: MBA Carta Consulta. Una/Unatec. Doutorando Universidade de Sorocaba.