28/03/2016

Flexibilização ou negação dos direitos trabalhistas

Nilton Bruno Tomelin

As conquistas trabalhistas brasileiras e mundiais são extremamente caras, especialmente às classes menos abondas no universo econômico e social em que vivemos. Assim uma ameaça que as ronde, por menos expressiva que possa parecer, merece amplo debate e repulsa. Não por outro motivo, a discussão em torno da desregulamentação e da flexibilização dos direitos trabalhistas é sempre necessária e deve ser estabelecida mediante rigorosa vigilância das entidades representativas dos trabalhadores.

Existem diferentes formas de compreender a dinâmica da flexibilização do direito do trabalho. Pode-se sintetizar este conceito como sendo uma forma de adaptação nas normas ao contexto econômico, social e institucional cuja finalidade é garantir o desenvolvimento econômico e o avanço social. Para isso é fundamental que haja a participação de empregados e empregadores, seja de forma direta ou por meio de representações de classe. É importante destacar que pela flexibilização não se está optando pela desregulação dos direitos, mas uma forma alternativa de garantir o direito básico de todo o trabalhador: o emprego digno. Portanto, a flexibilização deve garantir não apenas o emprego, mas também sua dignidade.

Trata-se pois de uma opção extrema diante da eminente perda do que há de mais precioso ao trabalhador: o trabalho digno. Por ele, além de garantir sustento material para si e para os seus, preserva sua dignidade. Ela deve ser instituída em casos emergenciais e pelo período em que se estender a sua demanda causadora. A desregulamentação, ao contrário é uma expressiva renúncia a um direito e à proteção estatal em relação às ameaças ao mesmo, visto que ele passa a não mais existir.

Para compreender a diferença entre desregulamentação e flexibilização vale ressaltar o que disserta Cassar:

A desregulamentação pressupõe a ausência do Estado (Estado mínimo), revogação de direitos impostos pela lei, retirada total da proteção legislativa, permitindo a livre manifestação de vontade, a autonomia privada para regular a relação de trabalho, seja de forma individual ou coletiva. A flexibilização pressupõe intervenção estatal, mais ou menos intensa, para a proteção dos direitos do trabalhador, mesmo que apenas para garantia de direitos básicos. Na flexibilização um núcleo de normas de ordem pública permanece intangível, pois sem estas não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade, sendo fundamental a manutenção do Estado Social. (2009, p.33)

O emprego e sua dignidade dependem de inúmeros fatores como desenvolvimento e crises econômicas, globalização, inovações tecnológicas, encargos sociais, desemprego, aspectos culturais, economia informal, além de  aspectos sociológicos. Vale compreender que estes fatores não podem comprometer a dignidade basilar da existência humana. Bomfim, a este respeito alerta:

“Se se permitir que, mediante negociação coletiva, os percentuais ou valores, correspondentes a cada direito ou parcela, sejam, reduzidos os direitos ali consagrados serão, na prática, anulados, perderão efetividade, tornar-se-ão meramente simbólicos. Seria um desvirtuamento da prece constitucional. Criar-se-iam , por via oblíqua, outras exceções, que, ao em vez de visarem à melhoria dos direitos sociais, redundariam em prejuízo destes.” (2003, p. 18)

Na legislação pátria encontramos alguns exemplos de flexibilização que permitiram modificar alguns direito sem no entanto anulá-los e garantindo o trabalho de milhares de pessoas: Contrato de Trabalho por prazo determinado da Lei nº 9.601/98; Contrato de trabalho temporário; Contrato a tempo parcial; Contrato de aprendizagem;  Contrato de trabalho em domicílio. O que se percebe, por força da constituição federal, é que a flexibilização dos direitos trabalhistas constitui-se numa negociação alterando um benefício em favor de uma vantagem.

Há que se tomar cuidado para que as relações trabalhistas não se convertam num mero emaranhado de vantagens sem garantias de benefícios. Desta forma a flexibilização poderá ser um verdadeiro retrocesso, e não um exemplo de evolução de lei e da democracia. Esta evolução acompanha processo similar nos campos econômico, social e político desenhado pelo contexto temporal espacial em que o direito trabalhista é aplicado. Genericamente pode-se dizer que a flexibilização, devidamente debatida à luz da Constituição (artigos 7º ao 11), poderá garantir os interesses de empregados e empregadores.

A CLT, em seu art. 8º assim estabelece:

Art. 8º: As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Portanto, a flexibilização poderá expressar-se por diferentes formas e poderá encontrar respaldo em diferentes fontes. Enfatiza-se entretanto, a concepção de que o trabalho assume um caráter complexo a medida que a sociedade estabelece sua própria evolução. Vecchi disserta que

O trabalho não pode ser visto com uma visão predominantemente utilitarista ou econômica, pois na verdade é muito mais que isso, é o trabalho um dos pilares da sociedade, e é por meio do trabalho que a pessoa humana deve buscar a sua dignidade. Deste modo, não pode o trabalho ser maleável de forma mais agradável aos custos do empregador, e mudanças sociais como um todo. (2007, p. 209)

Nos últimos anos, no Brasil, observou-se da parte do executivo federal, a inserção de inúmeras políticas públicas protetivas no campo trabalho. Por conta disso, a flexibilização tornou-se menos necessária e as desregulamentação um vilão devidamente estabelecido e identificado pela classe trabalhadora, para além das discussões sindicais. Neste sentido, Vecchi afirma:

“Segundo o viés interno ao Estado democrático de direito brasileiro, a saída legítima não é simplesmente flexibilizar, ou melhor, possibilitar a destruição dos direitos fundamentais mínimos, mas, sim, buscar políticas públicas de emprego, de crescimento, de inclusão e de distribuição de renda que alcancem esse grande número de pessoas que estão fora do sistema, além de garantir a efetividade das normas constitucionais que prevêem os direitos humanos fundamentais”. (2007, p. 209)

Desta forma, a flexibilização, no contexto evolutivo do direito e do próprio Estado tende a ser eliminado, visto que suas causas denotam uma certa fragilidade de ambos. Em se prevalecendo a flexibilização em detrimento do curso normal e legal dos direitos trabalhistas, pode-se denotar uma anulação destes.

Referencias Bibliográficas

BOMFIM, Benedito Calheiros. A legislação trabalhista e a flexibilização. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 31-37, ano 28, n.108, out.-dez. 2002.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 2.ed. São Paulo: Impetus, 2009.

VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007.

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