06/01/2022

Formação de professores: ainda estamos no “Olho do Furacão”?

Formação de professores: ainda estamos no “Olho do Furacão”?

Por Claudinei Zagui Pareschi

Ao ler o artigo “No olho do furacão”, como professor na educação básica por muitos anos, me identifiquei com os relatos dos professores de educação física da educação básica que, na época iniciantes estavam procurando ganhar espaço na chamada “cultura escolar”. Os autores deram o nome fictício a escola que passaram de “O olho do furacão”, fazendo referência a uma frase da diretora ao falar sobre a cultura de violência enraizada na escola, fruto de uma disputa entre os alunos e da falta de interesse dos mesmos pelos estudos.

Ao começar a trabalhar nessa escola, os professores lidavam com os conflitos dos alunos que reproduziam na escola a violência que vivenciavam fora dela por meio de brigas de grupos rivais. Tentavam dialogar com eles fazendo refletir sobre a situação e depois voltavam para a aula normalmente. Foi notado que os estudantes que discutiam na aula eram provenientes das famílias conflitantes que disputavam o controle político do bairro. Passaram a refletir sobre como a aula de educação física seria possível nesta escola com essas situações de violência, marcada pelo “choque de culturas”. Ao final os professores se sentiram frustrados por não poderem lidar com a situação.

Perceberam também que vigorava nesta escola o que eles chamavam de “pedagogia do berro”, onde tudo era resolvido a base do grito. Esta atitude foi considerada como uma violência simbólica que era cultura enraizada naquela escola. Por causa da cultura de violência da escola e por causa da pedagogia do berro, não havia a possibilidade de uma cultura de colaboração entre equipe gestora, professores, funcionários e estudantes.

Todos agiam individualmente no calor do momento para resolver os problemas que apareciam na escola. Os pesquisadores tinham receio de reproduzir atitudes de indiferença quando se acostuma com o que acontece diariamente sem que haja indignação frente as situações complexas.

Outro aspecto notado pelos pesquisadores foi referente a equipe de professores da escola. Havia muitas faltas de professores e eles, de educação física, ficavam cobrindo esses professores, tendo que ficar com várias turmas ao mesmo tempo no pátio e na quadra. Isso causava um desconforto a eles que se sentiam sozinhos e confusos no meio do tumulto.

Perceberam também que os professores estavam divididos em dois grupos, um grupo pequeno que trabalhava em grupo e um grupo maior de professores que eram resistentes a esta prática.  Este grupo não aceitava um projeto coletivo de trabalho e por isso, não assumiam a escola. Isso acontecia porque a gestão também não incentivava a prática. Os professores ficavam indignados por ter que substituir os colegas faltosos.

Este mesmo coletivo docente não se preocupava com os ciclos de formação e com a proposta político pedagógica da escola. Eram resistentes. Colocam a culpa nos estudantes que não tinham interesse em aprender. O que imperava na escola era o “umbiguismo”, ou seja, o individualismo. Os professores se achavam autossuficientes. Assim, o trabalho coletivo na escola era falho porque o grupo era falho.

Os fatos narrados acima aconteceram entre os anos de 2006 e 2008. A autoetnografia adotada pelos autores contribuiu para compreensão dos sentimentos e crenças desses professores, para que os mesmos pudessem refletir sobre o fenômeno em seu contexto, destacando as vivências do sujeito pesquisador em sua pesquisa para a reconstrução de novos conceitos de uma realidade subjetiva.

Por fim, fica as seguintes reflexões: depois de anos dos fatos ocorridos, nós professores ainda estamos no “Olho do furacão”? Por que ainda há violência nas escolas e por que algumas equipes escolares se deixam levar pela indiferença e não assumem um compromisso com a melhoria do ambiente escolar? Qual é o papel da equipe gestora da escola na mediação de conflitos e na motivação dos professores mais experientes e no acolhimento e formação dos professores iniciantes?

Para amenizar os problemas, que não são poucos, é preciso que todos que fazem parte da comunidade escolar abracem a escola e unidos possam criar estratégias para reinventar o processo educacional, trabalhando por exemplo com projetos pedagógicos que façam sentido aos estudantes para melhoria do aprendizado e para a resolução de conflitos, envolvendo do mesmo modo a comunidade externa nos problemas escolares.

Os gestores e os professores mais experientes também precisam estar propensos a acolherem e orientarem os professores iniciantes para que não passem pelas mesmas dificuldades que os professores do “olho do furacão” passaram.

 

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BOSSLE, Fabiano ; MOLINA NETO, V. No olho do furacão: uma auto-etnografia em uma escola da rede municipal de ensino de Porto Alegre. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 31, p. 131-146, 2009.

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