20/07/2016

FORMAÇÃO DOCENTE PARA DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Por:

Tatiana Gonçalves Muzi, Pedagoga pela Universidade Federal o Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Veiga de Almeida – UVA / RJ, e

Camila Ambrosino dos Santos de Sá, Pedagoga pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – FEBF / UERJ e Professora pela Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro.

FORMAÇÃO DOCENTE PARA DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA NO CENÁRIO EDUCACIONAL BRASILEIRO

TEACHING FOR DIVERSITY AND INCLUSIVE SPECIAL EDUCATION IN THE BRAZILIAN EDUCATIONAL SCENARIO

LA FORMACIÓN DEL PROFESORADO A LA DIVERSIDAD Y EDUCACIÓN ESPECIAL INCLUSIVA EN EL ESCENARIO EDUCATIVO BRASILEÑO

Tatiana Gonçalves Muzi [1]

Camila Ambrosino dos Santos de Sá [2]

Resumo

Durante muito tempo, acreditou-se que o aluno com necessidades educativas especiais não possuía habilidades e capacidades de um aluno dito normal. A luta pela inclusão social tem logrado espaço e vem conquistando vitórias no cenário educacional atual, de maneira que já existem vários mecanismos de combate à segregação vivida por alunos excepcionais, assim como pesquisas, orientações e trabalhos acadêmicos que sinalizam positivamente sobre as possibilidades de inclusão dos mesmos. Como produto de uma investigação teórica, o presente artigo tem o objetivo de discutir a importância da formação docente para a diversidade e o papel fundamental do professor como interlocutor entre o aluno com necessidades educacionais especiais e a escola, através do estímulo à educação que o faça se incluir na sociedade como cidadão de plenos direitos.

Palavras - chave: Diversidade. Escola. Inclusão. Formação docente.

Abstract


For a long time, it was assumed that the student with special educational needs didn't have abilities like a normal student. The campaign for a social inclusion starts developing a new scenario, such as there are many actions against segregation lived by outstanding students, as researches, guidelines and academics works that indicate a better view about the possibilities of inclusion. As a product of a theoretical research, this work is very relevant because discusses the importance of teacher education for diversity and the key role of the teacher as an interlocutor between pupil with special educational needs and school, stimulating education as practice of an inclusion that makes a difference in the society.

Keywords: Diversity. School. Inclusion. Teacher education

Resumen

Durante mucho tiempo, se creía que un alumno con necesidades educativas especiales no tendría las habilidades y capacidades de un estudiante llamado normal. La lucha por la inclusión social es cada vez más popular y gana victorias en el escenario actual, por lo que ya hay varios mecanismos para luchar contra la segregación experimentada por los estudiantes excepcionales, así como hay estudios, orientaciónes y investigaciónes académicas que indican un efecto positivo sobre las posibilidades de su inclusión. Como producto de la investigación teórica, el estudio muestra que es pertinente discutir la importancia de la formación del profesorado y el papel fundamental del profesor como mediador entre los estudiantes con necesidades educativas especiales y la escuela, mediante el fomento de una educación de calidad, con el fin de que los estudiantes se incluyan en la sociedad como ciudadanos de pleno derecho.

Palabras clave: diversidad. Escuela. Inclusión. La formación del profesorado.

Considerações iniciais

A escola brasileira atravessa uma crise de paradigmas, uma vez que sua estrutura não consegue controlar a diversidade que constrói. Conforme assevera Mantoan (2003), se o que pretendemos é que a escola seja inclusiva, é urgente que seus planos se redefinam para uma educação voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as diferenças.

A inclusão mostra-se como uma necessidade urgente na estrutura educacional brasileira, a qual exclui e discrimina os alunos que não atingem o desempenho acadêmico por ela esperado. Logo, uma escola aberta a todos não mais suporta um currículo estático e fragmentado por disciplinas que possuam fim em si mesmas, assim como professores despreparados para lidarem com a diversidade. Estes precisam ser vistos como ferramentas para a construção de um saber que esclareça o mundo, e nos liberte da imposição e da segregação daqueles que possuem suas particularidades no processo de aprender. Pretendemos assumir que “Educar para a diversidade e a inclusão é fazer das diferenças um trunfo, explorá-las na sua riqueza, possibilitar a troca, proceder como grupo, entender que o acontecer humano é feito de avanços e limites” (DINIZ, 2012, p.102).

A Constituição Federal de 1988 assevera, em seu Art. 206 - Inciso I, “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, o que deve servir como base para os questionamentos: Como tentar incluir o aluno com necessidades educativas especiais num sistema de ensino tradicional e inflexível às diferenças? Como adequar as nossas escolas para participarem do processo de inclusão que já acontece em diferentes países? Como um docente deve lidar com a deficiência dentro do ambiente escolar? Como adequar a escola ao aluno portador de necessidades educacionais especiais? Como constituir uma escola produtiva para o trabalho com todos os alunos, de forma igualitária?

 Vamos discorrer sobre os questionamentos supracitados, colocando a formação docente como pilar dessa problematização, por acreditar que esta seja a linha de frente do processo de mudança para uma escola inclusiva, afinal, são os docentes que convivem com a inflexibilidade curricular, com os alunos especiais e com a escola e toda sua estrutura engessada. Procuraremos esclarecer um pouco essas questões, além de buscar possíveis soluções, dentro do pensamento de acadêmicos diversos e da legislação atualmente em vigor.

Como professores, precisamos refletir constantemente sobre o refazer pedagógico que encontramos em nossas escolas. O mesmo necessita ser repensado cotidianamente, visando a desenvolver um processo de ensino e aprendizagem que favoreça o acesso e permanência de todos os alunos na rede regular de ensino. As escolas e os professores precisam estar preparados para receber os alunos com necessidades educativas especiais, independente de suas diferenças ou limitações.

O docente precisa fomentar a discussão sobre o direito do aluno com necessidades educativas especiais a usufruir de uma boa escola, com um currículo comum e flexível às suas peculiaridades, para efetivamente desenvolver-se uma educação inclusiva. O espaço escolar inclusivo, conforme observaremos, não objetiva reforçar as limitações dos seus alunos excepcionais e adaptar o seu sistema ao atendimento unicamente dos mesmos. Ela irá reinventar-se cotidianamente, buscando um refazer constante para acolher todos os educandos, e produzir não somente uma escola dos diferentes, mas sim a “escola das diferenças” (ROPOLI et al, 2010, p.13).

Os encaminhamentos dos alunos às classes e escolas especiais, os currículos adaptados, o ensino diferenciado, a terminalidade específica dos níveis de ensino e outras ações precisam ser indagados em suas razões de adoção, interrogados em seus benefícios, discutidos em seus fins, e eliminados por completo e com urgência. São essas medidas excludentes que criam a necessidade de existirem escolas para atender aos alunos que se igualam por uma falsa normalidade - as escolas comuns - e que instituem as escolas para os alunos que não cabem no grupo-as escolas especiais. Ambas são escolas dos diferentes, que não se alinham aos propósitos de uma escola para todos (ROPOLI et al, 2010, p.9).

Reflexão histórica sobre necessidades especiais e suas implicações para a sociedade

Atualmente, a educação especial vem ganhando espaço nas discussões acadêmicas e políticas, assim como na mídia e nos demais veículos de comunicação, mas nem sempre foi assim. Trata-se de uma questão antiga, uma vez que a história da humanidade é repleta de diversas formas de atendimento e percepção da deficiência no âmbito social. Alguns períodos históricos foram marcados por ações assistencialistas, havendo ausência de responsabilidades para com o desenvolvimento global dos excepcionais, seja pela esfera social ou governamental.

Ao longo da história observamos que a ciência nos prova que nem sempre o que pensamos, o que temos por verdade ou por concepção de homem se baseia em informações e racionalidade, ou seja, muitos mitos nos são passados por gerações provocando preconceitos na sociedade. Desde os primórdios da humanidade, encontramos diferentes crenças as quais fundamentavam ações excludentes e segregacionistas com os “mal formados”, ou aqueles que não apresentavam corpos “produtivos”. Atualmente, trata-se de um pensamento no mínimo draconiano imaginar que uma criança que nasce com algum tipo de deficiência não é capaz de estar em uma escola e aprender como qualquer outra criança, mas, em outras épocas, coisas piores aconteciam a um portador de necessidades especiais.

Na antiguidade, por exemplo, os deficientes mentais eram vistos como detentores de poderes sobrenaturais, dons ou eram tidos como demônios. Daquele período não há evidências de programas de atendimentos a essa parcela da população. A desigualdade não era vista como um problema que exigia grandes explicações, já que o conceito de igualdade foi moldado somente nos valores do cristianismo e efetivamente almejado nos valores iluministas. O entendimento equivocado do conceito de igualdade pode, muitas vezes, trazer como resultado a segregação de grupos sociais, a exemplo dos excepcionais. Na busca pela igualdade humana deve ser considerada a especificidade de cada indivíduo, cuidando para não interiorizarmos a ideia de homem universal, este desprovido de diferenças e singularidades.

O legado da história humana mostra que, no imaginário coletivo, existe o conceito de “corpo ideal”, “produtivo”, “desejado”, “belo e forte”, tendo esses pressupostos profunda influência em leis sociais e no processo educacional. Na Roma antiga, por exemplo, os “mal constituídos” eram exterminados da sociedade como uma alternativa de “higienização social”. Na Grécia, onde a perfeição do corpo era cultuada, os deficientes eram afastados do convívio social, ou mesmo sacrificados. Existiam sentimentos de rejeição, piedade, proteção e até supervalorização.

No período Clássico, ocorre a transição de pensamento grego, passando do mítico para o filosófico, este agora sendo a base do conhecimento da sociedade. Com o advento das atividades econômicas, o conhecimento mítico não mais satisfaz à necessidade do homem de conhecer o porquê das coisas, sobre a natureza, o mundo e a sua essência. Agora o pensamento filosófico é o suporte para o conhecimento grego, que encontra em Platão e Aristóteles suas principais referências. Platão partia da ideia do conhecimento inato, o qual supunha a existência de uma realidade eterna e imutável, mas baseada ainda num contexto mítico.

No período do Renascimento são iniciadas as concepções médicas da deficiência, concepções de patologias e a degradação das ideias de fator sobrenatural, não havendo, entretanto, maior aceitação e participação dos deficientes na sociedade. Pela difusão da ideia de caridade e cuidados em instituições particulares, os deficientes viam-se privados de participar das atividades produtivas da sociedade, pois não eram vistos como força de trabalho.

A idade moderna é fecundada pelo nascimento de novas estruturas sociais e econômicas, tendo como matriz de interpretação da deficiência os parâmetros de normalidade para o ser humano.

Locke (1978), por exemplo, contribui com a concepção de educabilidade do deficiente mental, que antes era abandonado em asilos. Segundo ele, que solidifica suas ideias no empirismo, a deficiência mental é a ausência da experiência individual, ocasionando assim a falta de conhecimento no mesmo, logo este vindo a se comportar como recém-nascido.

O aumento desenfreado da população urbana no século XX, junto com a democratização da educação básica, levou a uma reação do sistema educacional que criou classes especializadas, funcionando estas como verdadeiros depósitos de crianças. Logo, essas transformações acentuaram as diferenças entre portadores de deficiências e os demais da sociedade.

Em diferentes momentos históricos o comportamento das pessoas e suas relações sociais, observa-se que sempre foram construindo sua existência e satisfazendo suas necessidades básicas, buscando sempre explicações para os fenômenos naturais, a vida e a morte, a saúde e a doença, seu nascimento, crescimento e desenvolvimento, procurando também compreender a deficiência (FERREIRA e GUIMARAES, 2003, p. 49).

Nos dias atuais é considerado o conhecimento prévio do aluno e suas demandas, e entende-se que a sua aprendizagem se dá de maneira compartilhada entre professor e aluno. No Brasil, o atendimento aos excepcionais começou por ações oficiais e particulares isoladas, sem atingir o âmbito de política nacional, e sob influências americanas e europeias com êxito em educação especial. No início do século XIX encontramos iniciativas para o atendimento dos excepcionais quando D. Pedro II funda instituições para a educação de deficientes no Rio de Janeiro, a exemplo do Imperial Instituto de Surdos Mudos, hoje conhecido como (INES). Apesar do avanço devido à iniciativa de trabalho com essa parcela da população, não havia um corpo docente especializado para essa tarefa.

Na primeira metade do século XX observamos a busca, mesmo que por vezes isolada, pela integração social dos deficientes como, por exemplo, a criação da primeira revista brasileira em braile, e a distribuição de livros em braile no Instituto Benjamin Constant (IBC), ações essas que favoreciam o acesso dos deficientes na vida social e cultural do seu meio.

Embora houvesse esforços pelo trabalho educacional com alunos com necessidades educacionais especiais, o mesmo se dava em grande parte de maneira assistencialista, visando apenas ao bem estar do indivíduo, surgindo medidas preventivas e curativas que suscitariam o atendimento educacional em organizações assistencialistas e terapêuticas.

Enquanto o Conselho Federal de Educação, em 1972, entendia a Educação Especial como “linha de escolarização”, portanto, como de educação escolar, o órgão específico do MEC sempre a interpretou como uma linha de atendimento assistencial e terapêutico ao invés de educacional escolar. O sentido clínico e/ ou terapêutico atribuído à Educação Especial norteia todas as decisões e ações altamente centralizadas do MEC, conforme está textualmente declarado na portaria interministerial nº 186/78, caracterizando o atendimento educacional aos excepcionais como seguindo uma linha preventiva e corretiva. (MAZZOTTA,1996, p. 190-1).

Entretanto, durante toda a trajetória de atendimentos aos deficientes, percebemos a limitação dos mesmos na participação das atividades sociais e de seus direitos como cidadãos. A luta pela inclusão social persiste ainda hoje, em pleno século XXI, quando famílias lutam pelo direito de seus filhos terem acesso ao ensino regular, além da busca por uma vida digna e íntegra em nossa sociedade.

Não mais deveríamos aceitar discursos de padronização do homem e o enquadramento deste na realidade em que vive. A sociedade busca sua adequação para atender à diversidade que a enriquece, e mesmo que esse ideal de sociedade exija tempo e esforço, ainda acreditamos numa igualdade que respeite as diferenças.

A atitude docente e o lúdico são o diferencial

Não é sem motivos que iniciamos essa parte do presente artigo com tal título. Mais do que esclarecedor, ele é inspirador. Falar de educação para a diversidade na escola assusta, pois a escola brasileira ainda vive o estigma do “deficiente” que não pode andar, falar ou enxergar, sendo digno de cuidados mais do que a plena educação, aquela que uma verdadeira escola deve propor a todos igualmente. Ainda há muito o que se possa fazer para mudar esse panorama, mas a escola brasileira infelizmente ainda tem muito o que superar, pois prevalece a mentalidade de dificuldades assumidas em detrimento das vitórias e superação presumidas, que podem acontecer se for implementado um programa inclusivo. O docente, nesse cenário, tem o papel principal de conduzir as mudanças e de lutar para que a visão estigmatizada do aluno “deficiente” seja superada. É claro que não estamos aqui para dizer que somente o professor, nessa qualidade, deva exercer essa função. Os pais, a comunidade escolar, a sociedade e os próprios portadores de necessidades educacionais especiais também devem fazê-lo. No entanto, a discussão aqui tem o fito de focar o trabalho docente para a diversidade e sua importância para a execução das mudanças necessárias para que a escola inclusiva se torne possível.

Quando falamos em inclusão, referimo-nos à possibilidade conferida igual e oportunamente de acesso aos meios que se fizerem necessários para que a criança com necessidades educacionais especiais tenha um desenvolvimento pleno de suas habilidades físicas, motoras, cognitivas e de construção de caráter, para que possa ser cidadã de direitos e deveres para com a sociedade, de maneira igualitária e na medida de suas desigualdades.

Ao discutirmos a inclusão de alunos com necessidades especiais numa classe regular, muitos são os impasses encontrados ao longo desse percurso, pois a simples integração do aluno numa classe regular não ocasionará as mudanças estruturais e pedagógicas necessárias para o desenvolvimento pleno do mesmo.

Vale ressaltar que integração difere de inclusão. O termo integração é definido com “[Do latim integratione]. Ato ou efeito de integrar (Se). 2. Ação ou política que visa integrar um grupo as minorias raciais, religiosas, sociais, etc (...)” (FERREIRA, 1986, p. 954).

No processo de integração escolar, (DINIZ 2012, p.32) assevera que “o(a) aluno(a) deve adaptar-se à escola, e não há necessariamente uma perspectiva de que a escola irá mudar para acolher cada vez mais uma diversidade maior de alunos”. Esse modelo de escola integradora exige que o aluno se molde aos seus padrões estabelecidos e às suas regras. A escola não se encontra disponível para mudanças, adaptações e para receber o aluno dito “diferente” por apresentar necessidades especiais. Nesse sentido, a escola se vê com currículos “engessados” e professores incapacitados, não inclinados a acolher as diversidades.

É fato que existem muitas pesquisas e legislações promissoras que versam sobre a educação especial, mas apesar das tentativas de inclusão, a mudança ainda não é nítida, pois professores encontram-se despreparados e as políticas públicas são mais assistencialistas do que inclusivas. Precisamos estar cientes de que não podemos privilegiar o grupo de alunos ditos “normais” em detrimento dos alunos com deficiência, pois o aluno com necessidades especiais também gosta de estudar, de brincar, de fazer natação e de jogar basquete, dentre tantas outras atividades. Trata-se de um ser humano com muitas habilidades, que muitas vezes não são enxergadas porque sua deficiência é mais valorizada do que sua capacidade.

Podemos asseverar que o estímulo por parte do professor contribui muito para que a criança se sinta envolvida, amada, estimulada a vencer seus desafios e a transpor as barreiras da deficiência. Tal estímulo não ajuda somente a parte física da criança, mas também a parte ligada à autoestima e à autoconfiança, fazendo com que a mesma se sinta motivada a aprender. Logo, pode contribuir para a relação de ensino-aprendizagem e até mesmo para que a criança apresente significativa melhora de seu quadro.

Assim, o aluno com necessidades educacionais especiais deve estar em constante estímulo psicomotor e cognitivo. Por isso, jogos e brincadeiras lúdicas também são de grande valia e devem estar presentes em suas atividades escolares. O aluno especial muitas vezes não irá conseguir participar das atividades seguindo as regras do jogo como as outras crianças, mas isso não significa dizer que ele não entende e não gosta daquela brincadeira: ele simplesmente seguirá o seu próprio ritmo e aprenderá autonomamente, através da interação social e com o auxílio do professor. Como podemos observar, mais uma vez o professor se encontra como protagonista da relação de ensino-aprendizagem do aluno especial.

A brincadeira é um meio de interação onde a criança pode ser verdadeiramente autônoma. Estabelecendo sua vontade e submetendo-se ao querer do outro, enfrentando conflitos, compreendendo o mundo e a cultura que lhes são impostas pelo convívio social em uma linguagem que lhe é própria – a brincadeira. Favorecer a autonomia da criança é dar-lhe condições e oportunidade de brincar (VILAR apud MENDONÇA, 2003, p.43).

O papel do educador e a formação continuada

O processo de ensino-aprendizagem, por analogia, pode ser visto como uma estrada, a qual precisa ser trilhada pelo aluno. Nesse contexto analógico, o docente pode ser considerado como a luz que ilumina essa estrada que o aluno percorrerá. Por isso, a formação docente é tão importante para o desenvolvimento de seu aprendiz. No âmbito da educação especial, essa formação é de fundamental importância, pois o professor que educa alguém com necessidades educacionais especiais precisa ser cuidadoso em suas práticas, para não confundir a educação plena com o cuidado assistencialista e terapêutico. Temos de enxergar que o aluno especial possui limitações, mas isso não quer dizer que ele precise ser encarado pelo seu professor como um objeto somente de cuidado e não de cuidado e de educação.

O papel do educador em uma escola inclusiva não é pôr em prática fins terapêuticos ou ações paliativas com o aluno especial, ou seja, não é treinar as habilidades deficitárias, mas sim desenvolver as habilidades alternativas, como a autoestima e a autonomia do aluno.

Por isso, entendemos que o educador deve romper com a passividade e precisa ir em busca de uma práxis, sendo mais atitudinal e procedimental do que acadêmica, não deixando esta de lado, é claro, mas priorizando e reforçando o aprendizado sob a perspectiva das atitudes que deve tomar para tornar o aprendizado mais efetivo para o aluno, e acreditando que este é capaz de construir significados próprios. De acordo com a visão de Lefrançois (2009), trata-se de o docente agir para aumentar o potencial do aluno, que é resultante da experiência adquirida, estimulando, através de atitudes e procedimentos – que envolvem mais o saber fazer do que o saber teórico em si, mudanças positivas no comportamento do aluno. Somente assim o aprendizado ocorrerá. Assim, “aprendizagem é definida como toda mudança relativamente permanente no potencial de comportamento[...]” e “as mudanças comportamentais são simplesmente evidências de que a aprendizagem ocorreu” (LEFRANÇOIS, 2009, p.6).

No tocante à educação de crianças com necessidades educacionais especiais, faz-se relevante desenvolver habilidades alternativas na criança, que significa desenvolver as inteligências múltiplas do aluno, enfatizando o que ele tem de melhor e potencializando suas maiores habilidades. Gardner (1994a apud NOGUEIRA, 2013) comenta que a inteligência é algo multifacetado e a compara com uma “bola de cristal”, que pode sofrer polimentos, intensificando cada vez mais o seu brilho. Isso significa que uma criança com necessidades especiais certamente tem algum tipo de lacuna, que poderá ser preenchida por alguma habilidade que precisa ser lapidada, para que haja o desenvolvimento do aluno. Nesse aspecto, cabe ao docente, em conjunto com a equipe multidisciplinar, identificar a lacuna a ser preenchida e a habilidade a ser desenvolvida no aluno e, para que esse trabalho seja realizado, o docente precisa se especializar, precisa de uma formação continuada.

No que tange à capacitação de professores para o atendimento educacional especializado, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE, 2007) demonstra interesse em implementar programas de formação docente continuada tais como o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, o Programa de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e Permanência na Escola das Pessoas com Deficiência Beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social e o Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Superior. Estes constituem exemplos de ações governamentais de incentivo à formação continuada e especializada para os docentes. Podemos inferir que possibilidades de formação continuada não faltam, se analisarmos as políticas públicas a favor da Educação Especial.

Também vale ressaltar, mesmo que brevemente, que cabe ao docente se especializar constantemente para que seus conhecimentos não se tornem obsoletos. O professor precisa de atualização constante, pois, no mundo em que vivemos atualmente e com o advento das TIC's, somos bombardeados a todo momento por novas informações que ficam ultrapassadas rapidamente, ou seja, há muita rotatividade de conhecimentos e de informações. Logo, o decente precisa acompanhar essas mudanças para poder se adaptar ao mundo e à era em que vivemos, pois nossos alunos estão cada vez mais cibernéticos e a fonte de informação cada vez maior e mais abrangente. Mesmo na educação especial, vale ressaltar que novas tecnologias de acessibilidade estão sendo desenvolvidas programas de computadores que “falam” com o aluno que não enxerga (Projeto DOSVOX), por exemplo – e o docente precisa saber sobre o funcionamento de tais tecnologias, a fim de ajudar o seu aluno especial no manuseio. Trata-se do docente como mediador do conhecimento, em sentido Lato.

O educador possui o papel de mediador entre o saber e aluno, além de provedor de um ambiente favorável aos desafios que virão, incitando-o a modificar-se de maneira constante e a modificar o seu meio. Não será em um ambiente não receptivo a mudanças que a autonomia será uma meta educacional. O aluno portador de necessidades especiais, assim como os alunos ditos “normais”, precisa relacionar-se e envolver-se no cotidiano pedagógico, pois o ser humano constrói sua identidade nas relações sociais. Cabe ao professor ser dono de uma sensibilidade ímpar para acolher e ajudar o seu aluno especial, não se limitando a um mero “cuidador”, mas exercendo o papel de educador/mediador com amor e dedicação, sem esconder suas emoções, pois a emoção é um fator motivador para o aluno.

A questão proposta em toda a educação, independentemente de patologias ou de outras dificuldades, é canalizar as emoções do aprendente para as suas experiências de aprendizagem. Sempre que atentamos para o interesse do aluno e os seus desejos em nossa prática pedagógica, estaremos comunicando-nos com seu afeto. Para não desistirmos de nossos propósitos na educação. Devemos fazer isso em nosso trabalho e, para que os nossos alunos também não desistam, precisamos contagiá-los com o nosso amor. Nada se constrói com qualidade na educação sem o amor (CUNHA, 2012, p.75).

A prática docente não pode, portanto, ter um fim em si mesma, mas tem de estar em consonância com o fazer o melhor para que o aluno com necessidades educacionais especiais possa se desenvolver, com ênfase nas suas melhoras potencialidades e habilidades, não para mascarar sua deficiência, mas com vistas a torná-lo um cidadão consciente de seu papel na sociedade e com perspectiva de futuro, sentindo-se útil e tão capaz quanto os alunos ditos “normais”. O educador não pode, também, ser contraditório a ponto de defender a inclusão e não reconhecer como sua responsabilidade a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais. Para isso, ele deve estar “de corpo inteiro” e comprometido com a educação inclusiva. Somente assim poderemos transpor as barreiras do preconceito rumo à igualdade e a um país mais justo e menos desigual.

Considerações finais

Como resultado deste artigo, comprovamos a necessidade da flexibilização das instituições de ensino, do incentivo à formação continuada em Educação especial dos docentes, da continuidade dos investimentos em políticas públicas para a educação especial inclusiva, assim como aplicação contínua da legislação atualmente em vigor, com vistas ao combate ao preconceito e fomento à igualdade de acesso e permanência da pessoa portadora de necessidades especiais na educação regular. Concluímos que faz-se necessária a busca pela qualidade de ensino, para que se possa realizar uma educação que acolha e valorize a multiplicidade encontrada em nossas escolas.

A escola aberta para todos não mais suporta as estruturas elitistas e discriminatórias encontradas no sistema tradicional de ensino. A educação, como promotora da emancipação intelectual e social, deve suprir seus diferentes alunos com respostas necessárias às suas demandas para o seu pleno desenvolvimento. A escola não deve se fechar para o atendimento dos seus indivíduos especiais, tampouco tratar todos de uma mesma maneira: Esta deve se adequar às peculiaridades de cada um, pois quando obedece às características da inclusão, contribui para o acesso e permanência de TODOS na instituição escolar.

O atendimento ao deficiente passou por diferentes momentos: a exclusão, o assistencialismo e a integração. Ainda que o mesmo pudesse conviver em sociedade, permanecia ausente das suas atividades, visto que suas limitações não permitiam que atingisse o desempenho esperado. Ainda hoje percebemos resquícios de uma integração que não oferece ao “deficiente” a possibilidade de seu desenvolvimento integral e o seu envolvimento absoluto em algumas atividades da sociedade.

Contudo, comprovamos que a escola é uma instituição que pode contribuir para que as diferenças sejam respeitadas e apreciadas. A sua atividade formadora propicia o surgimento de gerações que compreendam a multiplicidade como enriquecedora e o extermínio de preconceitos e estigmas naturalizados.

Vimos, também, o quão importante se faz a formação docente e a prática de atividades e brincadeiras pelo portador de necessidades educacionais especiais, e que o aluno precisa desses estímulos para suprir a sua carência de autoestima e de autoconfiança, para que desta maneira ele possa ter o seu aprendizado potencializado. Também comprovamos o quão eficientes e eficazes podem ser os recursos providos por espaços ricos em ludicidade e didática.

Pudemos esclarecer o quão importante se faz o professor nesse contexto e o quanto sua boa vontade e sua especialização podem ser fundamentais para a inclusão social dos portadores de necessidades educacionais especiais.

Verificou-se que a integração, diferente da inclusão, é a ação de concretizar a segregação na inclusão, ou seja, mantêm-se o aluno numa posição cognitiva limitada, quando o mesmo não é desafiado a construir seu processo de aquisição do conhecimento.

Percebemos que a escola não é apenas uma ferramenta de sistematização do saber acadêmico e de organização das atividades pedagógicas. Esta tem o poder de ultrapassar a esfera de simples espaço para a de ferramenta de inclusão e transformação de uma prática educativa discriminatória, meritocrática e elitizada. A inclusão retira do indivíduo a culpa do seu fracasso escolar, ou mesmo da sua exclusão, e impõe à escola a transformação de seus conceitos políticos e pedagógicos, a fim de acolher as diferenças.

Pudemos perceber também que educação inclusiva requer a otimização do desenvolvimento escolar de todos os alunos, sem favorecer alguns devido às suas limitações. Uma educação libertadora necessita promover o senso crítico e a autonomia dos seus educandos, contribuindo assim, para a construção da cidadania.

Conclui-se, portanto, que a inclusão depende de um querer coletivo, e não somente de ações isoladas de educadores inquietos com a exclusão escolar. Objetivando a efetiva inclusão de todos os alunos no sistema regular de ensino, a diferença deve ser vista como enriquecedora para o processo pedagógico, e assim, iremos fazer valer a metáfora do caleidoscópio utilizada por Mantoan (1997), a qual assevera que precisamos “de todos os pedaços para formar as figuras”. Portanto assim a criança precisa de um ambiente variado, de ajuda de todos para que se desenvolva e consiga atuar dentro de uma sociedade sem limitações.

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[1] Pedagoga pela Universidade Federal o Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Veiga de Almeida – UVA / RJ.

[2] Pedagoga pela Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – FEBF / UERJ e Professora pela Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro.

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