03/08/2017

Gestão de Cursos de Graduação Frente as Novas Tendências Educacionais

Andrea Xavier Francisco Penna

1.INTRODUÇÃO

               As últimas décadas tem sido marcadas por inúmeras mudanças no contexto global advindas do processo de desenvolvimento tecnológico, globalização e no atual momento, no cenário nacional, uma crise ética e moral sem precedentes que se desdobrou em graves consequências sociais, econômicas e políticas.

            Neste contexto, de insegurança e instabilidade sócio, político e econômico o sentimento que assola a nação é de incredulidade diante, principalmente diante das políticas públicas que ao invés de promoverem a igualdade e uma vida mais digna ao cidadão, caminha na contramão refletindo hoje uma situação de forte desigualdade social de oportunidades, acompanhada pelo desemprego com mais da metade da população economicamente ativa em condições de desemprego ou incorporada à economia informal.

            É evidente que este quadro afeta substancialmente o ensino superior no país. Pelo lado do alunado, que sem renda fixa tende a evadir, consequentemente aumentando o número de pessoas sem acesso ao conhecimento e pelas instituições de ensino superior sejam públicas ou privadas pela falta de compromisso do estado com ações e políticas de incentivo à educação.

            Portanto, diante da atual conjuntura será um grande desafio para a educação universitária buscar mudanças e alternativas e continuar, mesmo que em ritmo mais lento, buscando a expansão do ensino superior, pois, para superação da crise é necessário acreditar e perseguir o ideário que através da educação e do processo de conhecimento é possível formar cidadãos cônscios do seu papel social.

Mesmo que pareça utópico, tendo em vista o contexto histórico-social, a junção de esforços advindos de cidadãos que acreditam que é possível sim buscar uma nova realidade, com forças institucionais sérias e éticas poderá impulsionar e motivar a educação do ensino superior.  No entanto, para se alcançar o objetivo de buscar uma formação mais holística do ser humano é necessário que as instituições do ensino superior repensem suas práticas pedagógicas e busquem abordagens coerentes com o modelo de sociedade que querem construir.

 

2.TRANSIÇÃO DE PARADIGMAS NO ENSINO SUPERIOR: introdução de novas práticas

Segundo Moraes (1997), a sociedade está mudando nas suas formas de organizar-se, de produzir bens, de comercializá-los, de divertir-se, de ensinar e de aprender. Muitas formas de ensinar hoje não se justificam mais. Perde-se tempo demais, aprende-se muito pouco, desmotiva-se continuamente.

Dentro dessa premissa, Behrens (1999) afirma que nas últimas décadas do século 20, o ensino nas instituições de educação superior tem se destacado por uma prática pedagógica na maioria dos casos conservadora e tradicional. Afirma ainda que essa tendência sofreu influência do paradigma newtoniano-cartesiano que caracterizou a ciência no século 19 e grande parte do século 20. O pensamento newtoniano-cartesiano propôs a fragmentação do todo e por consequência as escolas repartiram o conhecimento em áreas, as áreas em curso, os cursos em disciplinas, as disciplinas em especificidades. Segundo a mesma autora, este fato levou os professores a realizarem um trabalho docente isolado em suas salas de aula.

Corroborando com essa ideia, Moraes (1997, p.16) afirma:

O mundo ao redor está se transformando de forma contínua apresentando resultados cada vez mais preocupantes em todo o mundo e a grande maioria dos professores continua privilegiando a velha maneira como foram ensinados, reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de construção do conhecimento que produz seres incompetentes, incapazes de criar, pensar, construir e reconstruir conhecimento. (MORAES, 1997, p.16)

Dentro da proposta inovadora de ensino aprendizagem, Freire (1997, p.410), discorre:

Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.

Freire (1997) ainda afirma que “toda prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdo a serem ensinados e aprendidos.” (FREIRE, 1997, p.41).

Muitos autores apontam ainda que a tecnologia passará por transformações e inovações que irá contribuir para educação.  A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a ciência e a Cultura publicou na série documentos de trabalho sobre aprendizagem móvel, relevante contribuição acerca do uso da tecnologia na educação como um fator emergente ficando claro no documento mudanças necessárias tendo em vista a inserção da tecnologia na educação. Reafirma também a premissa que a educação pode ir além do ensino tradicional. Ressalta que a educação e a tecnologia podem e devem evoluir lado a lado para servir de apoio uma a outra.

[...] muitos membros da comunidade de educação vêm trabalhando para assegurar que as mudanças tecnológicas impulsionem a pedagogia e, vice-versa, que a pedagogia influencie a tecnologia. Apesar das importantes iniciativas em andamento, ainda resta muito por fazer nos próximos anos para assegurar a relevância da tecnologia para a educação e a relevância da educação para a tecnologia. UNESCO (2014 ..14)

 No decorrer do documento discorre a introdução da tecnologia móvel na aprendizagem enfatizando contudo a importância de incorporar mecanismos de capacitação para a formulação de intervenções de aprendizagem móvel que, segundo o documento, poderá trazer ótimas oportunidades e resultados educacionais afirmando que com a disseminação das tecnologias móveis irão surgir cada vez mais modelos alternativos de aprendizagem como a educação a distância.

 

3. GESTÃO DE CURSOS SUPERIORES FRENTE AS NOVAS DEMANDAS EDUCACIONAIS

            Diante de tantos desafios e mudanças no cenário educacional, qual o papel e responsabilidades do Gestor de Cursos Superiores? É uma questão fundamental a se pensar para todos que pretendem de uma certa forma contribuir para o desenvolvimento de um ensino superior de qualidade. O primeiro passo é pensar em uma coordenação de uma forma mais ampla e holística, observando não só aspectos específicos do curso que se pretende coordenar, mas pensar a IES como “organização” entendendo aspectos de gestão e educação. Entender em qual nível da estrutura organizacional o coordenador/gestor se encontra, para desenvolver e aplicar as competências de forma eficaz. Geralmente, os coordenadores de curso se encontram, dentro da estrutura organizacional em um nível tático, se reportando ao nível estratégico composto pela diretoria ou conselho e tendo sob sua responsabilidade a equipe de NDE e de professores. Um dos grandes desafios para a gestão de cursos é exatamente encontrar um ponto de equilíbrio entre as diversas demandas de Gestão para não ficar limitado a tarefas operacionais, pois é necessário que o coordenador tenha tempo para pensar e planejar estratégias eficazes para a produção do curso. Para se alcançar este objetivo algumas competências são imprescindíveis para o Gestor/Coordenador de curso tais como conhecer legislações referentes a IES e ao próprio curso, entender contexto de mercado no qual se insere o curso;  interagir com outros setores como diretoria, marketing, recursos humanos, saber identificar tendências, contexto educacional e diferenciais do curso que coordena; liderar equipes, desempenho docente; acompanhamento discente; supervisionar e controlar todas as ações planejadas para o Curso: comunicar com público interno e externo, dentre outros. Além disso precisa entender as especificidades do serviço educacional para um direcionamento de ações mais assertivas e congruentes e toda a documentação específica das IES como PDI (Plano de Desenvolvimento Individual), PPC (Projeto Pedagógico do Curso), Regulamentos Internos e legislações brasileiras que regem o ensino superior.

            Outro aspecto importante na gestão de curso é considerar e utilizar ferramentas de gestão profissional que auxiliam e direcionam as atividades como o PDCA (Planejamento, Desenvolvimento, Execução e Avaliação).  Mesmo com os limites de gestão acadêmica existentes em função da regulamentação, avaliação e supervisão pelo estado o gestor deve propor metas e objetivos claros implementando e avaliando sistematicamente a eficácia dos mesmos em um processo contínuo, buscando sempre a melhoria e alinhamento com as novas tendências educacionais.

            Para que a gestão de curso aconteça de forma plena, é necessário uma liderança eficaz que consiga influenciar seus liderados, neste caso o NDE e corpo docente, de forma construtiva e não impositiva. O primeiro passo é entender o perfil de cada liderado, suas características e construir uma equipe onde todos compartilhem dos mesmos objetivos. Sabe-se que isto não é uma tarefa fácil tendo em vista as diversas variáveis que envolvem a constituição de equipes dentro de uma instituição de ensino que, ao contrário de uma empresa, existe basicamente três regimes de contratos de trabalho com o docente: horista, parcial e integral, fato que interfere na gestão tendo em vista que existe uma variação até mesmo do envolvimento e comprometimento em função do período que permanece na instituição. Devido a estas variações é interessante um estilo de liderança situacional, onde a abordagem do líder/gestor vai depender da maturidade da equipe, ora terá que ser mais diretivo, mais focado em tarefas, ora mais apoiador, focado em relacionamentos. Ressalta-se que o gestor deve sempre utilizar as ferramentas que irão lhe apoiar na gestão de pessoas tais como: avaliação de desempenho, resultados avaliação CPA, auditorias esporádicas nas salas de aula, dentre outros. Neste contexto, é importante que o professor esteja ciente de todo o processo de avaliação no qual será submetido e mais importante, saiba o que se espera dele até mesmo para trabalhar e identificar as possíveis fragilidades identificadas.

            Outra ferramenta fundamental na Gestão de Cursos é o Marketing e a aplicação do composto mercadológico (4 P’s) na Gestão considerando o produto como o processo pedagógico, o preço, a questão financeira, oferta de bolsas, valor de mensalidade e programas de financiamentos, a promoção ou seja como o curso será promovido, sua política de comunicação e por último a praça, onde e de que forma o curso será promovido; será presencial ou a distância. Todas estas etapas devem ser pensadas pensando no ciclo de crescimento do curso e todas as variáveis que envolvem a gestão do composto mercadológico do curso

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

São muitas variáveis que perpassam pela Gestão de Cursos Superiores, tais como a cultura institucional, processos de gestão acadêmica, cenários políticos e econômicos nacionais, perfis de jovens passando por transformações advindas do avanço tecnológico, dentre outros. Diante disso percebe-se a relevância das competências “flexibilidade” e abertura para o “novo” para aqueles que pretendem fazer uma Gestão de Curso com qualidade e eficácia. É necessário repensar qual o modelo de ensino será adequado frente as novas demandas da sociedade ressaltando-se que o mesmo deve estar alinhado com os anseios daqueles que buscam uma formação que lhe traga reais benefícios. Outrossim, é repensar em novas abordagens onde o centro do processo do conhecimento seja o aluno e não o professor como pregado por muitas décadas no modelo tradicional de ensino.  É essencial que o aluno passe a ser o “protagonista”, ou seja que ele passe a ser o construtor do conhecimento para que haja no processo uma aprendizagem significativa que faça sentido no seu contexto sociocultural. Neste sentido, a possibilidade de “formar” pessoas cônscias do papel social e consequentemente mais críticas, aumenta consideravelmente.

            Diferentemente do passado, a contemporaneidade impõe uma nova sociedade na qual se exige cada vez mais, diálogo, participação, interatividade, flexibilidade e colaboração.  Mudar padrões adquiridos durante décadas é difícil, porém não é impossível.  A predisposição para mudanças nas concepções educacionais deve vir de todos, porém o Gestor de Cursos em seu papel de líder deve ser o exemplo, influenciando positivamente sua equipe motivando-a rumo a construção de uma proposta de curso consistente e atraente para o público que se deseja atingir.

           

Referências

BEHRENS, Marilda Aparecida. R. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 196, p. 383-403, set./dez. 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997

MURIEL, Wille. Aplicação do PDCA na gestão de cursos: uma alternativa para quebrar ciclos semanais regidos por urgências infinitas.

MURIEL, Wille. Composto Mercadológico. Carta Consulta, 2017

MURIEL, Wille . Gestão profissional sob a perspectiva teórica que as coordenações devem conhecer. Carta Consulta, 2017

MURIEL, Wille. O relacionamento com pessoas no contexto de uma realidade complexa. Carta Consulta, 2017

O futuro da aprendizagem Móvel: Implicações para planejadores e gestores de políticas.  Brasília: UNESCO, 2014

 

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