19/12/2014

Gestão Escolar e Democracia Toyotista: confluências de sentidos

Gestão Escolar e Democracia Toyotista: confluências de sentidos

Gabriel dos Santos Kehler[1]

 

Resumo

Este ensaio busca promover, mesmo que contingencialmente, a discussão acerca das categorias: democracia e gestão escolar no contexto da reestruturação produtiva do trabalho, sob endereçamentos toyotistas. Embora se trate de uma análise sobre as relações entre macro (política de reestruturação) e micro (escola), ambas convergem, por apresentar um mesmo núcleo de sentido: a gestão escolar democrática e a reestruturação produtiva do contexto social contemporâneo se imbricam, gerando níveis paralelos na flexibilização do trabalho. Esse fenômeno pode ser compreendido, como próprio, da metamorfose pela qual se insere o contexto macroestrutural da/na sociedade contemporânea. Nessa perspectiva, verifica-se que os textos legais, como no caso educacional, a Lei de Diretrizes e Bases - LDB 9394/96, quando tratam, especificamente, da gestão escolar democrática, em algumas circunstâncias, apresentam confluências de sentidos sob viés toyotista, que pode ser explicada, pela própia naturalização do conceito de democracia.

Palavras-chave: Gestão Escolar. Democracia Toyotista. Confluências de sentidos.

 

Projeções Iniciais

         Esta discussão, que por sua vez, tem como basilar as  categorias democracia e gestão escolar no contexto de reestruturação produtiva do trabalho, já  vem sendo demasiadamente debatida no contexto educacional vigente.  Contudo, faz-se mister um enfoque mais preciso, aos textos oficiais que são endereçados à educação, procurando observar os desafios que se propõe para a gestão escolar no seu âmbito de sua concretização, e seus efeitos no nível de seu comprometimento.

        Tal aspecto pode ser observado, desde a Constituição Federal (CF) de 1988, e especificamente no âmbito educacional a partir da Lei de Diretrizes e Bases - LDB 9394/96, que trazem a democracia como princípio, ortogando à escola em seu âmbito de gestão, a responsabilidade em flexibilizar-se, seja em termos organizativos, como pedagógicos.

        Essa movimentação, de maneira mais ampla, vem se configurando desde os anos de 1970, com o quadro de reestruturação flexível do trabalho, em que as esferas produtivas se metamorfoseiam e a educação “necessita” ajustar-se para atender as novas demandas educativas e sociais. Nesse sentido, seria até ingenuidade, negar a condição, de que há “certo grau de coincidências” nesses jogos discursivos e disputas por significações, entre  gestão escolar e democracia na reconfiguração toyotista dos modos de produção capitalista.

Da organização metodologica:

          Na oportunidade, este ensaio embasa-se em uma discussão teórica, de abordagem qualitativa e cunho crítico, sob os princípios basilares que orientam os sentidos de democracia e gestão escolar. Dessa forma, foi necessário abordar questões de textos legais, como os já citados, para compreender como as políticas públicas educacionais estão sendo incisivas na (re)organização e entendimento da gestão escolar democrática e o trabalho.

Resultados e Discussões:

         Pode-se compreender que constituir uma abordagem de maneira crítica e reflexiva à temática, vem a ser um desafio se considerado o contexto educacional contemporâneo. Para tal, ao discutir as categorias, propostas à priori, percebe-se que há existência de flexibilizações na reestruturação das esferas produtivas do trabalho e sua extensão para o âmbito da gestão escolar. Esse fenômeno é entendido como próprio da metamorfose pela qual passa o contexto macroestrutural, da sociedade contemporânea. Nessa lógica, o que ainda impera é a democracia liberal[2], em que todos são compreendidos como cidadãos e possuem as mesmas oportunidades na esfera social, pois afinal, “todos são iguais perante a lei” e possuem os seus direitos contratuais assegurados.

         Nessa perspectiva, verifica-se que os textos legais, quando tratam especificamente da questão da gestão escolar democrática na promoção da escola democrática, em algumas circunstâncias, apresentam argumentos que revelam uma falta de reflexão, que pode ser explicada pela naturalização do conceito de democracia. Contudo, a própria LDB 9394/96, define a Gestão Democrática como princípio, conforme pode ser vista no Art. 14º: “Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades”.  Assim, ficam algumas indagações: será que há clareza e discernimento sobre quais as peculiaridades evidenciadas no contexto da escola que se propõe democraticamente? E como a comunidade escolar está se organizando para efetivar sob a égide da democracia a gestão escolar?

           Cabe ressaltar que o Estado[3] cumpre a função de regular a escola, através de suas intenções educacionais, firmadas através das políticas públicas para educação. Então, faz-se mister indagar-se para que e para quem vem se constituindo a gestão democrática escolar?; Que tipo de democracia se quer constituir? E afinal, o que se compreende por evidências de democratização na escola?

           Nesse sentido, pode-se ver que muitas são as questões que envolvem esse processo conceitual. O economista austríaco Schumpeter (1961) enfatiza que o método político se constitui através de arranjos institucionais, afirmando a lógica da democracia liberal, em que não existe bem comum, assim como o governo do povo não passa de uma ficção, pois somente a elite é capacitada para assumir postos de comando, configurando um competitivo mercado político, em busca da preferência eleitoral. É nessa confluência de sentidos que se constitui de certa forma o conceito de democracia na esfera educacional, pois, no jogo político, as políticas públicas (aqui no caso as educacionais), muitas vezes, perdem espaço para as políticas de governo, em que tais interesses, funcionam semelhantes à lógica empresarial, no que se refere à liberdade de concorrência na “necessidade” de manter e conquistar o poder, mantendo discursos vazios, como  “participação de todos, igualdade, qualidade, cidadania”, enfim.

          Logo, percebe-se que o processo de democratização na gestão do espaço escolar é deturpado pela lógica neoliberal, constituindo uma “democracia representativa”, pois o que realmente interessa é fazer com que as pessoas apenas representem seu poder de decisão em termos de participação, isso na defesa de algo que já está pré- definido conforme os interesses pertinentes em questão. Assim, Norberto Bobbio (2000), traz a concepção de democracia sob os preceitos da teoria política e direitos individuais, que em razão do Estado se constitui eticamente um conjunto de regras, como forma de proceder para a participação coletiva. Todavia, essa concepção de coletivo compromete-se com uma noção de duas vertentes cruciais, sendo a democracia ideal e a real, em que o indivíduo entendido como ser soberano passa a ser compreendido em grupos de poder, em meio a uma sociedade pluralista, (re)distribuindo de forma mais justa o poder.

             Contudo, quaisquer que sejam os aspectos caracterizadores da existência de práticas possibilitadoras de uma gestão escolar sob o viés de uma escola democrática, todas elas acabam, por problematizar de qualquer forma a discussão acerca de uma democratização toyostista da gestão escolar. Isso se deve pelo fato de não haver um consenso claro e definido epistemologicamente sobre o conceito de democracia enquanto possível, na esfera da gestão escolar.

           

Considerações, por ora, finais

         Fundamentando-se na discussão provocada e na análise das categorias democracia e gestão escolar no contexto reestruturação produtiva do trabalho, é possível destacar que este é um tema de grande importância para as pesquisas que se tem desenvolvido na esfera a gestão escolar, mas esta temática não se esgota nesta investigação, devido a seu grau de complexidade e outras possíveis análises. Para tal, ao discutir as categorias propostas à priori, percebe-se que há flexibilizações no âmbito da gestão escolar, mediante as reestruturações das esferas produtivas do trabalho.

          É preciso ampliar este estudo para uma maior compreensão sobre os sentidos destas categorias e sua importância, para a efetivação e problematização da gestão escolar, como maneira de superar as dificuldades de compreensão do significado do processo democrático na escola. Assim, faz-se necessário o contínuo aprofundamento teórico, e discussões sobre os textos legais, por entender que estes são redefinidores das propostas de organização da gestão, assim como da própria estrutura social de democracia liberal.

         Ao produzir reflexões sobre o campo da gestão escolar democrática, a pesquisa possibilitou a elaboração de bases para uma revisão das propostas do que é naturalizado conceitualmente como busca pela democracia, pelos interesses da organização socioeconômica dos modos de produção, próprios da sociedade contemporânea.

 

Referências

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 9. ed. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2000.

BRASIL. LDB - Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 26 dez. 1996.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, socialismo e democracia. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1961.

 


[1] Estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Nível: Doutorado. E-mail: gabkehler@gmail.com

[2] Democracia Liberal é o processo político pautado pela permanência de uma elite no poder. A Democracia para os Liberais (como: Joseph Schumpeter) é vista como um procedimento em que a sociedade civil delega a uma elite política o poder de governar, havendo uma disputa restrita às elites. Outra característica de um governo liberal é a promoção do Estado mínimo, baseadas em questões básicas como segurança, estrutura política e macroeconomia. Assim Schumpeter diz que “a democracia significa apenas que o povo tem oportunidade de aceitar ou recusar aqueles que o governarão”. Essa redução drástica do significado de “democracia” inicia-se com Schumpeter, mas prossegue com Giovanni Sartori, Robert Dahl, Norberto Bobbio e muitos outros pensadores liberais contemporâneos, conservadores ou progressistas. Democracia passa a ser, assim, o cumprimento de uma formalidade, nas quais o povo escolhe seus representantes entre elites.

[3] O Estado sempre fora um regulador educacional, sendo que este sempre esteve submetido aos interesses do sistema dominante vigente, perpassando historicamente pelos interesses da Igreja católica até a firmação da classe burguesa e hoje o neoliberalismo intrínseco nas relações sociais, propagado pela lógica de consumo própria da sociedade capitalista.

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