23/04/2014

Gestão, Tecnologia, Redes Sociais com Foco em Direitos Humanos

Gestão, Tecnologia, Redes Sociais com Foco em  Direitos Humanos

 

1. Introdução

                O presente texto foi produzido especificamente para uso na disciplina GTE 001 do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Gestão e Tecnologia aplicada à Educação (GESTEC) e tem como objetivo apresentar de forma sucinta como as categorias Gestão, Tecnologias e Redes Sociais são vinculadas, compreendidas e tratadas em nossa metodologia de pesquisa, ensino e extensão. Para tratar desse assunto, tenho antes que falar um pouco da trajetória que nos trouxe até aqui, já que na opinião de Goldemberg a pesquisa qualitativa depende da biografia do pesquisador, das opções teóricas, do contexto mais amplo e das imprevisíveis situações que ocorrem no dia-a-dia da pesquisa[i].

                Tenho muito orgulho em dizer que toda minha vida educacional foi realizada dentro da educação pública, cursei o ensino fundamental e médio em escolas estaduais e depois fiz graduação e pós-graduação na UFBA. Na universidade comecei aos 17 anos aprovado para o curso de ciências econômicas, onde além de conviver com uma discussão cotidiana sobre planos e ajustes macroeconômicos, tive a oportunidade de participar de grandes projetos de desenvolvimento urbano e regional pela CONDER[ii] e SUDIC[iii] na condição de estagiários. Depois de concluído o curso participei de programas de trainee na iniciativa privada por um ano.

                Em 1990 decidi dar continuidade aos estudos prestando vestibular para a UFBA agora para o curso de direito. Como o curso funcionava no turno matutino, foi necessário deixar o emprego na iniciativa privada, depois de prestar concurso para o cargo de professor de economia da SEC/BA[iv]. Fui lecionar no curso noturno no Colégio Estadual Severino Vieira, onde aprendi gostar do trabalho como professor. Foi também através do ensino médio que consegui uma vaga para realizar o primeiro curso de especialização lato sensu em Administração Pública na antiga Fundação do Serviço Público, eu funcionava onde hoje funciona a FLEM.

                Foi através do curso de direito que cheguei a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais, organização da sociedade civil que presta assessoria jurídica popular aos movimentos sociais no estado da Bahia. Passei na AATR quinze anos de minha vida, estive em todos os cargos na instituição – desde estagiário a presidente – e aprendi como trabalhar com comunidades e em rede. Na AATR fui dirigente da instituição de redes que a organização participava, como o MNDH e a ABONG.

                Da militância social para a academia foi um processo natural, o interesse pelos problemas sociais relacionados com a cidadania e os direitos humanos me levou a cursar especialização (FUNDESP/UEFS) e pós-graduação stricto-sensu (mestrado e doutorado na UFBA). Na FACED integrei o núcleo de pesquisa Gestão e Política da Educação, desenvolvendo no mestrado a dissertação intitulada A Participação Popular nos Conselhos Municipais de Educação de 1988 a 1998 e no doutorado a tese A Reinvenção Solidária e Participativa da Universidade: Um Estudo sobre Redes de Extensão Universitária no Brasil.

                Como pode ser lido nesse breve relato, minha formação acadêmica foi toda ela voltada para o trabalho com a gestão e sua articulação com as novas demandas sociais. Nesse aspecto, posso desde já afirmar que os métodos de investigação e pesquisa não evoluem na mesma velocidade que fenômenos históricos e sociais como, por exemplo, a internet o que torna difícil a vida do pesquisador. É por este motivo que sempre investimos na discussão sobre o rigor da metodologia cientifica, o que nos levou a participar regularmente da Sociedade de Estudos e Pesquisa Qualitativos (http://www.sepq.org.br) que tem como finalidade principal congregar pesquisadores (as) que desenvolvam investigações segundo a modalidade da pesquisa qualitativa e que estejam engajados na capacitação de pesquisadores.

                Essa sociedade funciona através de grupos de trabalho que têm o papel de aprofundar discussões metodológicas sobre o rigor da pesquisa qualitativa, bem como divulgar o trabalho desenvolvido pelos associados por meio de encontros que acontecem a cada dois anos, cursos e publicações. É por este e outros motivos que me considero um pesquisador qualitativo.

 

2. Preliminares sobre a teoria e o método               

                Partindo do pressuposto que nossa pesquisa é de cunho qualitativo, cumpre agora apresenta algumas diretrizes de nosso trabalho pensando no rigor científico e nos limites e oportunidades de nosso trabalho. A primeira questão diz respeito ao olhar científico, isto é, mostrar que uma pesquisa não se resume a utilização de certos procedimentos metodológicos, ela exige criatividade, inovação, disciplina, organização e modéstia, baseando-se no confronto permanente entre o possível e o impossível, entre o conhecimento e a ignorância. É por este motivo que toda vez que nossos orientandos chegam ao programa, discutimos com ele a viabilidade de seu objeto de pesquisa.

                Por outro lado, nenhuma pesquisa é totalmente controlável, com início, meio e fim previsíveis. A pesquisa é um processo em que é impossível prever todas as etapas, não quero dizer com isso que não se deva respeitar o cronograma de trabalho, ao contrário ele é fundamental para ajustamento do tempo a realização da investigação, mas advertimos aqui que o pesquisador está sempre em estado de alerta porque sabe que seu conhecimento é parcial e limitado. Como isso digo sempre aos meus orientandos o pesquisador está permanentemente em estado de “mobilização”.

                Outra advertência que faço é que não existe um único modelo de pesquisa, ou o melhor modelo de pesquisa, mas um caminho possível para determinada investigação. Com isso não é o pesquisador que define qual o método que será utilizado, mas o objeto da investigação é que vai requerer determinada abordagem. Daí a importância fundamental do problema, porque quem não sabe aonde quer chegar, não sabe qual caminho seguir, como diz o ditado: “para quem está perdido pelo mato é caminho”.

                Outra questão importante é que não há ciência sem polêmica, uma rede é feita de convergências, mas, sobretudo de divergências, é a diversidade de pensamento que permite a criatividade e a inovação. No entanto, nós brasileiros somos pouco afeitos ao debate de ideias em espaços públicos e a socialização. Conviver com a diferença ainda é um aprendizado mesmo para quem está na academia, isso nos ajuda a pensar cientificamente. Isso se aplica também ao que chamamos de ecologia de saberes, ou seja, o conhecimento científico não é a única forma de conhecer o mundo, existem outras formas como o bom senso (sabedoria) e a ideologia. Com os movimentos sociais aprendi a não hierarquizar o conhecimento científico em relação ao saber popular, mas buscar o encontro dessas duas visões de mundo. Com diz o poeta Gentileza: “Pergunto a vocês no mundo, quem é mais inteligente o livro ou a sabedoria”.

                Criatividade e inovação, temos que ter em conta sempre essas dimensões, o pesquisador é por natureza um trabalhador criativo, alguém que exercita regularmente sua curiosidade para tornar esse mundo melhor. Para Marc Giget do EuropeanInstitut for CreativeEstrategies&Innovation inovar é melhorar a qualidade de vida das pessoas, é melhorar a condição do ser humano, melhorar a relação entre os seres humanos, melhorar a vida no campo e nas cidades e melhorar a relação do homem com a natureza e o meio ambiente. Esses objetivos são universais e atemporais.

                Os pesquisadores qualitativos, nesse sentido, recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social, se opõem ao pressuposto que defende um modelo único de pesquisa baseado no modelo de estudo das ciências da natureza, procuram não legitimar seus conhecimentos por processo quantificáveis que venham a se transformar em leis e explicações gerais. Nesse sentido, os pesquisadores qualitativos trabalham com uma análise “compreensiva” e “multidimensional” da realidade social, onde não só a natureza, mas a cultura e outras dimensões devem ser levadas em consideração pelo pesquisador.

                Nesse sentido os pesquisadores qualitativos são ao mesmo tempo sujeitos e objeto de suas pesquisas, opondo-se a visão tradicional de separação radical do sujeito e do objeto, propondo-se compreender os valores, crenças, motivações, sentimentos humanos, compreensão que só pode ocorrer se a ação é colocada dentro de um contexto de significado. Aquilo que Edgar Morin chama de conhecimento pertinente, isto é, o conhecimento deve ser produzido considerando o contexto, o global, o multidimensional e o complexo.

                 Nessa linha nos inspiramos na tradição da Escola de Chicago criada em 1892, de orientação multidisciplinar, envolvendo as ciências humanas e as ciências sociais aplicadas, destacando a importância do indivíduo como interprete do mundo que o cerca e, consequentemente, desenvolve método de pesquisa que priorizam os pontos de vista dos indivíduos e o estudo de problemas sociais. A pesquisa da Escola de Chicago tem como marca o desejo de produzir conhecimentos úteis para a solução de problemas sociais concretos que enfrentava a cidade de Chicago como imigração, alcoolismo, delinquência, criminalidade, pobreza, minorias e relações raciais[v].

                Uma das contribuições mais importantes foi o desenvolvimento de métodos originais de pesquisa qualitativa como a utilização cientifica de documentos pessoais, cartas, diários, a exploração de diversas fontes documentais e o desenvolvimento de trabalho de capo sistemático na cidade. Os antropólogos e sociólogos da Escola de Chicago aproveitaram de sua experiências com o estudo de sociedades antigas, para auxiliar a cidade na compreensão de seus problemas sociais.  Por fim, partindo do princípio de que o ato de compreender nos estudos qualitativos dependem do universo existência humano, as abordagens qualitativas não se preocupam em fixar leis para se produzir generalizações. Os dados coletados na pesquisa qualitativa objetivam uma compreensão profunda de certos fenômenos sociais apoiados no pressuposto da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social. Contrapõem-se, assim, à incapacidade estatística de dar conta dos fenômenos complexos e da singularidade dos fenômenos que não podem ser identificados através de questionários padronizados.

                Abordagem baseada em direitos (Right-Based Approach – RBA). Cabe também destacar que nosso trabalho no GESTEC e em toda a universidade toma em consideração o valor ético, político e jurídico dos direitos humanos. Com a redemocratização dos Estados nacionais, principalmente, na Região da América Latina, os direitos humanos passaram a ser um valor ético, jurídico e político a informar toda a legislação do país e a construção de políticas públicas. No caso do Brasil a Constituição Federal de 1988 consagrou as normas de direitos humanos como normas constitucionais de eficácia imediata, ou seja, que não dependem de nenhuma legislação complementar para entrar em vigor. Com isso, o sistema político no Brasil passou a ter um perfil constitucional de uma democracia participativa e de um Estado orientador, promotor e regulador dos direitos humanos.

                A estratégia concreta que o país têm para realizar os direitos humanos são as políticas públicas como o Programa Nacional de Direitos Humanos, em suas três versões, entre outras. Com isso, na perspectiva da Escola de Chicago ou de Salamanca na Espanha, que também trabalha a partir dos direitos humanos, buscamos realizar pesquisas que apontem para políticas públicas de direitos humanos. Nesse sentido temos definido nossa metodologia de trabalho como uma Abordagem Baseada em Direitos (Right-Based Approach - RBA) ou Abordagem Baseada em Direitos Humanos (HumanRight-Based Approach).

                A RBA parte do princípio de que os direitos humanos são devidos em todos os regimes e culturas e são universais, inalienáveis, indivisíveis, imprescritíveis, interdependentes, e inter-relacionados e devido a todas as pessoas independente de raça, cor, sexo ou condição social. Ao afirmar os direitos humanos na sua integralidade a RBA reconhece que ainda vivemos em uma sociedade extremamente desigual. Para esta metodologia cada ser humano passa a sr reconhecido como titular de direitos individuais e coletivos, essa metodologia busca assegurar a liberdade, o bem-estar e a dignidade humana de todas as pessoas, em toda a parte, considerando princípios, direitos e obrigações. Com essa metodologia trabalhamos de um lado o empoderamento da sociedade civil (empowerment) e a responsabilização e prestação de contas do Estado (accountability).

 

3. Gestão, Tecnologias e Redes Sociais

                Passados quase 08 anos da defesa da nossa tese de doutorado no Programa de Educação da UFBA, onde tive a oportunidade de estudar e acompanhar as principais redes de extensão no Brasil[vi], temos cada vez mais a convicção de que a gestão, principalmente, a pública deve ser feita em bases democráticas, participativas e solidárias, mediada pelas novas tecnologias de comunicação e informação (TIC) e nas redes.  Em nossa opinião uma gestão em rede com apoio das TICs não é uma opção, mas uma necessidade na medida que as TICs e as redes mudaram radicalmente o comportamento das pessoas. Sem dúvida temos umanova sociedade, que ainda nós não sabemos ao certo o que é, ou como vai ser.

                 Não há como tratar de gestão sem pensar na revolução cultural provocada pelos Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs) e pelas redes sociais. Silvio Meira idealizador do Porto Digital e do C.E.S.A.R (Centro de Estudos Avançados em Sistemas do Recife), em seu último livro redigido a partir do pós-doutorado realizado no Berkman Center for Internet andSocety da Harvard University, intitulado Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil, afirma também a importância das redes e das tecnologias de comunicação e informação para a gestão contemporânea[vii].

                Meira nos diz que essa nova economia não é tão nova assim, em verdade, ela data do fim da segunda guerra mundial, nas palavras do coordenador do esforço americano de pesquisa e desenvolvimento Vannevar Bush, quando tratou do tema em 1945[viii]. Por sua vez, Peter Drucker já descrevia os trabalhadores do conhecimento em 1959 e, do ponto de vista sociotécnico sintetizava em 1984[ix].

                Daniel Bell em 1956, no EUA, constatava que o número de colarinhos brancos ultrapassava o de operários, advertindo: a sociedade caminha em direção à predominância do setor de serviços. Em 1969 Alain Touraine publica na França uma coletânea de ensaios cujo o título era justamente La production de laSociété (A sociedade pós-industrial).

                No livro A terceira onda, Alvin Toffler projeta a sociedade do século XXI e descreve uma de suas bases, a infosfera, como o conjunto de canais de comunicação distribuidores de mensagens individuais e em massa[x]. Pode-se dizer que a infosfera da última década conta com um elemento poderoso: a internet. 

                Em nossa pesquisa de doutorado utilizamos autores como Manuel Castells[xi] que nos fala da emergência de uma sociedade em rede; de Euclides André Mance[xii], cujo trabalho foi muito divulgado entre os movimentos sociais tratados do tema da solidariedade e das redes. O estudo das redes e das novas tecnologias se dá, em nosso caso, a partir de uma visão que pretende utilizar as técnicas e tecnologia em benefício do desenvolvimento humano.

Autor: José Cláudio Rocha

 


[i]GOLDEMBERG, Miriam.  A arte de pesquisar: como fazer pesquisas qualitativas em ciências sociais, 12 Ed., Rio de Janeiro: Record, 2011.

[ii] Companhia de Desenvolvimento Urbano e Regional do Estado da Bahia.

[iii] Superintendência de Desenvolvimento da Indústria e do Comércio.

[iv]  Secretaria de Educação da Bahia SEC-Ba.

[v] GOLDEMBERG, Miriam.  A arte de pesquisar: como fazer pesquisas qualitativas em ciências sociais, 12 Ed., Rio de Janeiro: Record, 2011.

[vi] Na tese de doutorado acompanheio movimento nacional de redes de extensão universitária: Rede Nacional de Extensão Universitária - RENEX; Ação Nacional de Extensão Universitária - ANEXU; Universidade e Cidadania -UNICIDADANIA; Rede Nacional de Assessorias Jurídicas - RENAJU; Rede Nacional de Incubadoras Universitárias - UNITRABALHO entre outras.

[vii] MEIRA, Sivlio Lemos. Novos Negócios Inovadores de Crescimento Empreendedor no Brasil. 1 Ed., Rio de Janeiro: Casa da Palavra,2013

[viii] Em "As wemaythink", publicado no AtlanticMonthly de junho de 1945, na webem bit.ly/T8sh2o.

[ix] Em landmarksoftomorrow, em 1,usa,gov/T8TdUn.

[x] TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda, Rio de Janeiro :Record,1980.

[xi]CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e terra, 2003.

[xii]MANCE, Euclides André. A Revolução das redes: a colaboração solidária como uma alternativa pós-capitalista à globalização atual. Petrópolis : Vozes, 2001; Como organizar redes solidárias. Rio de Janeiro:DP&A, FASE, IFIL, 2003.Redes de colaboração solidária: aspectos econômico-filosóficos, complexidade e libertação. Petrópolis: Vozes, 2002.

 

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×