20/11/2016

Impressão 32 - A POLÍTICA NA ESCOLA

Dênio Mágno da Cunha*

               Acompanho com interesse mais do que profissional, a movimentação de estudantes em ações de protesto contra a modificação dos currículos escolares e seus conteúdos. Acompanho a movimentação do Governo em implantar modificações no currículo escolar, trazendo consequências para a formação das futuras gerações. Observo e participo opinando sobre a questão da política na escola. Parece-me que perdemos o senso de realidade, o bom senso que nos guia nas horas de dúvida. Estamos vivendo aquela situação do “cego no meio do tiroteio”, ou a do “cavaleiro no castelo do conhecimento” (FISHER, 2001[i]). Nesta hora, algumas considerações necessitam ser feitas para que possamos ter o mínimo de luz sobre o assunto.

               A primeira consideração abraça o tema e deveria ser observada pelos todos os envolvidos. “A política baseia-se na pluralidade dos homens. Deus criou o homem, os homens são um produto humano mundano, e produto da natureza humana”. (ARENDT, p.21, 1999)[ii]. Manifestação do pensamento, invasão de espaço público, alteração na política pública, educação são algo que diz respeito à pluralidade dos homens, portanto de natureza eminentemente política e, os agentes políticos não deveriam estranhar as ações políticas.

Esse estranhamento manifesto no uso pejorativo da expressão “isso é coisa política”, demonstra a imaturidade da nossa sociedade em relação ao que é a natureza humana, fundamentalmente política. “A política se dá entre os homens (e) sempre que a relevância do discurso entra em jogo, a questão torna-se política por definição, pois é o discurso que faz o homem um ser político”. (ARENDT, 1989)[iii]. A rigor, a todo o momento estamos vivendo a polis. Quando estabelecemos relacionamentos (entre os homens) estamos fazendo política, estamos sendo políticos. A política não é privilégio dos “políticos” – no Brasil, como descreverei a seguir: restrita aos membros de um clube ou associação.

               Se compreendêssemos essa verdade, entenderíamos que as invasões são atos políticos; que a escola é um lócus político; que o governo faz uma gestão política da “coisa pública”. Assim como entenderíamos que se a política é algo entre os homens, pelos homens e para os homens, o princípio maior a nos orientar deveria ser o bem comum em sua amplitude. Essa compreensão comum permitiria a existência do diálogo, razão principal de sermos considerados uma democracia. Mas como não sabemos o significado de “estar entre”, erramos. Todos erram em suas ações: estudantes, governo, sociedade que, de modo geral, assiste impassível a tudo como se estivessem numa partida de futebol, torcendo contra um ou outro; a favor de um, contra outro. Perdemos todos com essa ignorância.

               Dentro desta lógica do bem comum, observo alguns erros.

               O governo deveria se preocupar em saber qual o interesse público balizador de suas ações. No caso da educação, um deles poderia ser o princípio descrito no artigo 205 da Constituição de 1988: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).

Destacamos o “preparo para o exercício da cidadania”, fundamentando que não existe essa ideia de escola ou educação sem política, uma vez que é dever da educação preparar cidadãos para a ação política (entre). Assim, ao contrário de retirar dos currículos disciplinas formadoras do cidadão, do livre pensar, da consciência da condição humana, deveriam ser incluídas ou reforçadas sua presença. Uma das inclusões deveria ser a dos conhecimentos sobre cidadania, direitos, deveres, formas de exercê-la.

               De outra forma, invadir escolas sinalizando insatisfação, já que a sociedade não oferece caminhos normais, rotineiros para o diálogo, parece ser ato discursivo justificável, não violento. Como nos falta experiência, os erros acontecem.[iv] Dentre os quais, acharem-se detentores da verdade, ignorando que a razão está na construção do diálogo e não no poder de restringir o direito de outros. Prejudicaram-se ao prejudicarem outros estudantes. Erros estudantis, erros políticos.                

               A menção da expressão estudantil faz-me lembrar de que já tivemos um movimento com participação política significativa na sociedade brasileira. Estamos reaprendendo e, parece adequado afirmar que toda intervenção politica do Estado na educação, deve ter caráter pedagógico, educativo para a vida em sociedade. Portanto, a remoção através da violência dos estudantes na UFMG, foi revestida de uma total falta de educação. Ao Estado, falta educação política e não é enviando seus agentes para a escola, lugar de aprendizagem, que conseguiremos estabelecer o bom senso nas relações. Estudantes e agentes de Estado deveriam estar na mesma sala de aula, aprendendo sobre cidadania, politica, direito e deveres.

               Finalmente, o erro maior (na busca de diferenciá-los): a proposta de uma nova política educacional, como diz o bom senso, deve ser resultado de consulta ampla aos diversos setores da sociedade e, em hipótese alguma ser lançada como uma proposta (Proposta de Emenda à Constituição), poucos meses após a mudança de um governo. Não é de se admirar que, sem debate, sem informação, a sociedade reaja instintivamente, como se a defender de um ato arbitrário de um governo recém-empossado. Mais uma vez, falta de educação política que a própria PEC, antes de nascer, que extinguir.

A luz do conhecimento.

               Mais uma vez, o povo brasileiro, se vê diante de uma situação na qual me parece ser a educação e o conhecimento, o caminho a ser seguido. À revelia do governo, a sociedade deveria se autoeducar para a ação política – estamos precisando urgentemente desse aprendizado. Organizações Não Governamentais, Escolas (privadas, públicas, do ensino básico ao superior), Organizações Privadas Lucrativas, toda a sociedade deveria ser local de aprendizagem para a ação cidadã. Não construiremos uma nação forte, sustentável e capaz de enfrentar seus desafios se não formarmos cidadãos plenos, conhecedores do que de fato seja a ação política.

               Infelizmente, o que temos hoje é um resquício da política “feita entre os homens”, algo público, social. O que chamamos de política no Brasil, mais uma vez, infelizmente, é uma “política” primária. Primária porque ainda em seu estágio inicial de “clube”, de “associação”, e não uma política da sociedade, pluralista, ampla. Estamos carentes de um projeto de nação a ser debatido pela sociedade e por ela decidido. Essa diferenciação precisa ser feita e aprendida nas escolas. Provavelmente, seja esta a razão principal de todo esse debate e de estarmos vivendo momentos de escuridão. Querem obscurecer a função política do cidadão, tornando as escolas meros espaços de conteúdo acadêmico, afastando de seu cotidiano a discussão e o debate crítico. Esta a luta na qual nós professores devemos nos engajar. Mudar o país pela educação significa transformar o conceito de ação política e ampliar a compreensão do que seja a vida em sociedade. A vida entre os homens. A vida política.

 

PS: Hanna Arendt tem um texto, que a memória não me permitiu localizar, em que diz ser inadmissível o uso da força policial dentro da universidade. Considera ser assunto da universidade as questões universitárias. Posição com a qual, não poderia ser diferente, concordo. Ela se referia às invasões estudantis de 1968, nos EUA, em protesto ao envolvimento americano na Guerra do Vietnã.

 

* Dênio Mágno da Cunha, professor em Carta Consulta, em Una-Unatec, Doutorando em História da Educação pela Universidade de Sorocaba. Considera-se, mesmo que limitadamente, um ser político.

 

[i] FISHER, Robert. O Cavaleiro preso na armadura. Rio de Janeiro. Editora Record, 2001.

[ii] ARENDT, Hannah. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

[iii] ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

[iv] Prejudicar a realização do ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio – me parece ser um deles. Ocupações de curta duração e espalhadas, opino, seria mais adequada.

 

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