13/08/2018

Impressões 53 - Geração Pós Geração

*Dênio Mágno da Cunha

Leio uma observação que Paul Valery faz a respeito da educação na França à sua época. Comenta sobre como o pintor Degas dizendo-de espantado “com as carências das noções mais simples e das práticas mais elementares em um homem tão inteligente, e aliás nutrido com as letras clássicas”. Comenta Paul Valery:

A instrução que se dispensava por volta de 1850 nos colégios devia ser tão absurda, embora mais forte, quanto a que se dá hoje. Nenhum dos premiados no Concurso Geral teria sido capaz de mostrar no céu as estrelas de que fala Virgílio; e esses fabricantes de versos latinos ignoram radicalmente que existe uma música do verso francês. Nem a limpeza, nem as menores noções de higiene, nem a arte de se portar, nem mesmo a pronuncia de nossa língua apareciam nos programas desse ensino inacreditável, de cujas concepções o corpo, os sentidos, o céu, as artes e a vida social eram cuidadosamente excluídos... (Valery, Paul. Degas dança desenho, São Paulo: Cosac Naify, 2012).

Primeiramente, fico surpreso porque não esperava por um comentário sobre a qualidade da educação francesa, historicamente admirada aqui nos trópicos. Quanto de nossos mais elogiados cientistas, escritores, estadistas, políticos e membros da elite intelectual, econômica e social foram formados pela educação francesa?

Logo em seguida fico pensando sobre se não é uma reação impensada do ensaísta francês, julgando o modo negligente de Degas e, a partir daí emitindo outro julgamento, desta feita acertando a educação escolar de seu País.

Na sequência, trago a reflexão para o nosso tempo. Lembro das inúmeras vezes em que ouvi colegas meus, professores, dizendo de como era superior a educação de antigamente, na geração anterior. Alguns, de forma extrema, pregando simbolicamente a volta ao tempo dos “grãos de milho sobre os joelhos”, como forma de incentivo ao bom comportamento em sala de aula.  

Sobre essa comparação, pessoalmente, jamais negaria essa afirmação sobre a melhor formação dada pelo ensino de antigamente sobre a recebida pelos alunos de hoje. Estudei o cotidiano das principais escolas de Minas Gerais nas primeiras décadas de 1900 e, posso afirmar categoricamente, era uma educação de qualidade, capaz de formar o aluno em uma diversidade de áreas do conhecimento que nossos atuais alunos não imaginam ser possível. Se transplantássemos o currículo daquelas escolas e aplicássemos em nossas escolas atuais – atualizando conteúdos – seria uma gritaria geral. Imagina nosso aluno ter aulas de francês, inglês, alemão e literatura além daquelas exigidas pelo Exame Geral. Não consigo imaginar isso. Lembrando que além dessas, devia-se estudar os conteúdos, repetindo, para o exame geral, denominado hoje de ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio.

Assim como Paul Valery, o meu comentário sobre a qualidade do ensino médio é baseado em evidências. É perceptível a redução no conhecimento dos alunos que entram nas salas de aula do ensino superior, onde trabalho. Posso dizer que nas duas últimas gerações, as dificuldades aumentaram. “Nem a limpeza, nem as menores noções de higiene, nem a arte de se portar, nem mesmo a pronuncia de nossa língua” parecem aparecer nos programas “desse ensino inacreditável, de cujas concepções o corpo, os sentidos, o céu, as artes e a vida social (são) [...] cuidadosamente excluídos”.

Para infelicidade geral da nação, a questão da qualidade do ensino tem-se resumido aos índices solicitados pelos Exames Gerais – do ensino básico ao ensino superior. O Governos e sua política educacional, assim como professores e alunos, estão preocupados com as notas, com a pontuação que alcançaram nos exames e como o Brasil ficará situado nos rankings internacionais globalizados da “qualidade da educação”. E nessa viseira, seguimos burramente fazendo ser mais ignorante nossas gerações futuras. Por isso, por ser tão visível esse caminhar rumo ao precipício, é que surgem clamores pela volta à educação caroço de milho – outro extremo absurdo.

Vivemos a pior das miopias: no tempo da rede de conhecimento, da inteligência emocional, na era da complexidade, mantemos o debate reduzido a responder uma pergunta secundária sobre quais metodologias podem facilitar o aprendizado e não sobre qual aprendizado devemos oferecer para formarmos nossos futuros líderes. Aliás, a educação brasileira de 1964 até hoje só teve uma preocupação: como fazer para evitar que novas lideranças surjam. O conteúdo, a partir do qual deveriam derivar-se as metodologias, foi relevado ao segundo plano. O que se fez e o que se faz no sentido de melhorá-lo, de aperfeiçoá-lo é apenas uma tentativa de auto-engano, um exercício de fazer alguma coisa que signifique deixar as coisas como estão. Reflexo similar ao que acontece na nossa vida política.

Dessa forma, de geração em geração, nossos melhores alunos, cientistas, pesquisadores, nossa mente crítica, farão mais esforços no sentido de saírem desse contexto pobre em que se transformou a educação em nosso País, migrando para outros lugares do mundo. Por outro lado, carentes de juventude, mais e mais ofertas por oportunidades de estudo fora do País, captarão nossos melhores alunos.

Não preciso entrar na seara da discussão orçamentária da educação, nem falar da mediocridade da política fiscalizadora do Ministério da Educação, e muito menos mencionar a transformação das instituições de ensino em organizações mercadologicamente competitivas, para demonstrar os movimentos que tratei neste texto. [1] Recapitulando: a transformação da qualidade de ensino em índice de provas gerais, a movimentação para não formação de lideranças, o esvaziamento, a fuga ou a captura de nossos melhores alunos por outras nações.

Ao final, o espanto diante do texto de Paul Valery se transforma em manifesto onde a indignação e a tristeza tomam conta do lugar.

*Dênio Mágno da Cunha é Doutor em Educação, Professor e teima em permanecer no Brasil porque ainda acredita em vencer a saúva.

 


[1] Neste texto não há tempo para demonstrar o número de intelligentsia que deixamos de produzir ou que foram estudar em universidades no exterior, mas os números estão disponíveis na web para quem desejar consulta-los. Um deles: http://www.ung.br/noticias/como-evitar-evasao-de-nossos-cientistas-brain-drain-ou-fuga-de-cerebros

 

 

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