09/08/2018

Interação Professor/Aluno Medida Pelo Audiovisual: Uma Análise do Filme “Os Miseráveis”

Carmem Silvia Rodrigues Pereira

 

Resumo: Este artigo é um recorte do trabalho de conclusão da Pós-Graduação em TICS – UFSM que teve como objetivo investigar o processo de ensino aprendizagem no contexto escolar, mediado pelo audiovisual, através do filme “Os Miseráveis” de Vitor Hugo. O audiovisual é um meio que esta tendo uma importante aceitação por parte dos professores e reciprocidade na sala de aula. Realizou-se primeiramente uma pesquisa bibliográfica sobre a temática com base em diferentes pesquisadores. Posteriormente, realizou-se uma entrevista informal com a professora da turma, da disciplina de língua portuguesa, onde a mesma relatou a importância do audiovisual em sala de aula. Posteriormente, exibiu-se algumas cenas do filme “Os Miseráveis”, após foram feitos questionamentos e a aplicação de um formulário, contendo questões abertas e fechadas, aos alunos do 2º Ano, do Instituto Estadual Padre Caetano. Conclui-se que o audiovisual é um meio que contribui com a função do professor de despertar o interesse dos alunos para a participação no processo de ensino aprendizagem. No caso estudado possibilitou uma aproximação da sala de aula com o cotidiano, com as linguagens de aprendizagem e comunicação da sociedade urbana, e também introduziu novas questões no processo educacional.

Palavras-chave: Audiovisual, Educação, Processo de Aprendizagem.

ABSTRACT

This study aims to investigate the process of teaching and learning in the school context, audiovisual mediated through the film “Les Miserables” by Victor Hugo. The audiovisual media that is having a major acceptance by teachers and reciprocity in the classroom. Held primarily a literature on the subject based on different researchers. Later, there was an informal interview with the classroom teacher, the discipline of Portuguese, where she reported the importance of audiovisual classroom. Later, showed off a scene from the film “Les Miserables” after inquiries were made and the application of a form, containing open and closed questions, students of 2nd year, the Instituto Estadual Padre Caetano. We conclude that the audiovisual media that contributes to the function of the teacher to awaken the interest of students for participation in the teaching-learning process. In the case study approach enabled a classroom with everyday life, with the languages of learning and communication of urban society, and also introduced new issues in the educational process.

Keywords: Audiovisual, Education, Learning process.

 

EDUCOMUNICAÇÃO/APRENDIZAGEM NUM SÓ CONTEXTO

Ao falar em Educomunicação nos remete a interação entre educação e comunicação, campos estes que estão interligados entre si sendo que esta área tenta entender como a educação pode colaborar com os meios de comunicação, e como a comunicação pode ser útil às práticas educativas (SOARES, 2011).

A educação tem como objetivo principal ser o de identificar os aspectos desejáveis e comuns a todas as escolas, responsáveis em criar um indivíduo para a sociedade capaz de ser sujeito da mesma. A escola deve ser um local de promoção e integração de todos os participantes, numa construção/resgate da cidadania.

A instituição escola, independentemente, do tipo social de pessoas que as frequentam, devem ter objetivos básicos, pois a sociedade se apresenta em diferentes classes sociais. Mas, percebe-se que estas estão diferentes umas das outras, pois, encontra­mos escola privada e pública, sendo que cada uma tem sua identidade, sua história e suas pe­culiaridades, mas seus objetivos devem ser os mesmos, adequando sempre o ensino à sua realidade (ALARCÃO, 2001).

Mas o que é educomunicação? Para Soares (2011, p. 15):

É o conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos, de programas e produtos destinados a criar e fortalecer ecossistemas comunicativos em espaços educativos presenciais ou virtuais, tais como escolas, centros culturais, emissoras de TV e rádios educativos, e outros espaços formais ou informais de ensino aprendizagem.

Neste sentido é mister falar de uma educação que faça sentido para os jovens, onde os mesmos possam desenvolver suas competências e habilidades e que a escola faça parte de um sistema de aprendizagem em turno integral, pois assim os jovens terão oportunidade de participar deste contexto e ser entendido em sua totalidade, buscando aperfeiçoar o conhecimento e mostrar sua real capacidade.

Diante do exposto, Soares (2011, p. 8) corrobora:

Na verdade, uma educação eficiente precisa inserir-se no cotidiano de seus estudantes e não ser um simulacro de suas vidas. Fazer sentido para eles significa partir de um projeto de educação que caminhe no mesmo ritmo que o mundo que os cerca e que acompanhe essas transformações. Que entenda o jovem. E não dá para entendê-lo, sem querer escutá-lo.

Verifica-se que a Educomunicação é um campo novo, que já se comunica de forma muito próxima com a realidade do mundo em que estamos inseridos, um mundo mediatizado, onde os meios de comunicação assumem papel fundamental na dinâmica da sociedade favorecendo interações sociais.

Neste contexto Soares (2011, p. 9) ao iniciar os estudos com educomunicação, havia um dizer quase profético de que “um dia produziremos comunicação o tempo inteiro, de forma fácil e ágil”. Atualmente isso é realidade, a educomunicação tem papel fundamental em suprir essas habilidades já existentes na produção da mídia de qualidade.

Portanto, as práticas ligadas a educomunicação mostram que tem potencial para estimular os jovens no ambiente escolar, no contra turno, entendendo este aluno em suas diversidades e usando este potencial para o desenvolvimento social e econômico deste país que apresenta baixo nível de escolarização. Uma educação que valorize o cidadão em sua totalidade.

A participação dos adolescentes e jovens neste processo de produção midiática vem demonstrando vários pontos positivos. Pois os jovens que participam destes projetos mostram o desejo e seus anseios através do uso dos recursos da informação e comunicação. Demonstram interesse pelos acontecimentos atuais da sociedade, compreendendo o que passa ao seu redor e através desta participação desejam uma sociedade mais justa.

Neste contexto, o jornalista Fernando Rossetti (apud SOARES, 2011, p. 31) corrobora:

Nos projetos educomunicativos os jovens ampliam ainda mais o vocabulário e seu repertório cultural; aumentam suas habilidades de comunicação; desenvolvem competências para o trabalho em grupo, para negociação de conflitos e para planejamentos de projetos. Melhoram, por outro lado, o desempenho escolar, entre outros ganhos.

Diante do exposto, os jovens têm um grande potencial a desenvolver, é necessário que seja desafiado e instigado a participar, pois através do uso das novas tecnologias da comunicação e informação os mesmos serão capazes de criar as próprias mensagens e conteúdos. Portanto, a co­municação, tanto pelo lápis, pela troca de palavras ou pela lente de uma câmera é um poderoso meio que desperta um novo olhar para a sociedade, instigando os adolescentes a pensar e expor suas ideias.

Sendo assim, educomunicação pode ser tanto uma prática quanto um conceito entre comunicação e educação. Através da prática proporciona novas aprendizagens, tendo como base os recursos tecnológicos e novas relações na comunicação.

Através da educomunicação é possível trabalhar e estudar em cima de nossas atitudes, comportamentos, valores, decisões em relação com o mundo e com os fatos sociais, culturais, políticos e econômicos. O grande desafio é inserir na escola os conteúdos comunicativos que contemplem as experiências culturais.

A escola tem a função de preparar cidadãos, mas não pode ser pensada apenas como tempo de preparação para a vida. Ela é a própria vida, um local de vivencia da cidadania. Sendo a escola um lugar, um tempo e um contexto, organização e vida, deve espelhar um rosto de cidadania (ALARCÃO, 2001). 

Para que essa proposta se viabilize, Barbero (1996 apud SOARES, 2011, p. 52), chama a atenção para a seguinte necessidade:

Os novos educadores devem ser capazes de compreender que há uma nova cultura juvenil irreversivelmente em formação, vendo nelas mais que ameaças, mas novas e interessantes possibilidades de fazer uma nova aula e uma nova escola.

Para que isso aconteça é necessário produzir mudanças no contexto mundial e local, que venham responder aos desafios da sociedade no dia a dia, levantando questões relacionadas com a vida, à ética, ao planeta, ao trabalho, à convivência entre os diferentes, dignidade humana, entre muitos outros temas. Desenvolver impacto sobre as estratégias de aprendizagem e de construção do conhecimento (LÉVY, 1993 apud SOARES, 2011, p. 53). 

É necessário que as escolas formem cidadãos com capacidade de aprendizagem e adaptando-se as várias situações que irão surgir no contexto escolar, demonstrando autonomia intelectual e emocional, habilidades diversificadas, e atuando de maneira ética. Neste sentido, Soares (2011, p. 53) menciona:

O que urge é, na verdade, garantir ao jovem a possibilidade de sonhar, não exatamente com um mundo fantástico e seguro que lhe seja dado pelos adultos, mas com um mundo que ele mesmo seja capaz de construir, a partir de sua capacidade de se comunicar. É o que a educomunicação tem condições de propor ao sistema educativo formal.

Portanto, a educomunicação vem possibilitar uma nova leitura dos saberes, pois enquanto sujeitos sociais temos construído. O domínio da educomunicação é mais do que um objeto a ser investigado, é um campo de relação de e entre saberes. Vem a ser um espaço de questionamentos, que busca o conhecimento e constrói os saberes.

Diante do exposto Donizete (2012, p. 11) menciona que:

É também um espaço de ações e experiências que levam a saberes ou partem deles em direção a outros. Uma das tantas singularidades da Educomunicação é que ela constitui-se justamente das relações múltiplas que propicia. Trata-se, portando, de um campo de ação política, entendida como o lugar de encontro e debate da diversidade de posturas, das diferenças e semelhanças, das aproximações e distanciamentos. Por excelência, uma área de transdiscursividade e, por isso, multidisciplinar e pluricultural. 

Sendo assim, fazer educomunicação é experimentar uma outra maneira de conviver socialmente, realizando atividades que despertem o processo educativo de maneira comunicativa e participativa, é uma proposta de organização social totalmente diferente da que estamos inseridos atualmente. Aqui o sujeito pode expressar o que pensa e sente, toma sua própria decisão, e deve ser respeitado. Para Donizete (2012, p. 12) é mister, ressaltar que “a educomunicação se caracteriza com um novo campo de pesquisa e ação comprometido com outra gestão e, por conta disso, se apresenta como forma de intervenção social”.

As inovações da educomunica­cão não se restringem apenas à união de duas áreas do conhecimento, sobretudo, trazem mode­los novos de relação, de convivência e de concepção de ensino/aprendizagem. Esta prática educomunicativa exige pela natureza do paradigma que a sustenta, uma transformação no modelo cristalizado da rela­ção entre professor e aluno, não existe mais lugar para um transmissor ativo e um receptor passivo de in­formações (SOARES, 2011).

Desta maneira a relação educador/educando torna-se um processo comunicativo de ida e volta, sendo que o educador tanto ensina como aprende. Portanto, a comunicação nas suas diferentes formas e por diferentes meios é a base de uma educação emancipadora. Sendo assim, a seguir o enfoque será o audiovisual, que é o foco deste trabalho.

O uso do audiovisual no processo de aprendizagem

A sociedade contemporânea tem acompanhado um crescente desenvolvimento tecnológico. A Escola está inserida nesta realidade tendo que interagir com uma “geração digital”. Para tanto enfrenta o desafio de recursos humanos e econômicos de incorporar esta cultura digital à prática pedagógica, exigindo novas metodologias e linguagens. Ocorre que nem sempre a formação universitária e as políticas públicas educacionais contemplam o desenvolvimento dessas competências e saberes. Essa deficiência dificulta o processo de apropriação tecnológica por parte de muitos professores comprometendo a qualidade de ensino com metodologias tradicionais. 

 Entre as diferentes tecnologias e linguagens, Moran (2003, p. 45) destaca a audiovisual por desenvolver múltiplas atitudes perceptivas “solicita constantemente a imaginação e reinveste a afetividade com um papel de mediação primordial no mundo, enquanto que a linguagem escrita desenvolve mais o rigor, a organização, a abstração e a análise lógica”.

Entretanto, as mensagens dos meios audiovisuais exigem pouco esforço e envolvimento do receptor. Este tem cada vez mais opções, mais possibilidades de escolha (controle remoto, canais por satélite, por cabo, escolha de filmes em vídeo). Há uma maior possibilidade de interação: televisão, jogos interativos,  CD e DVD. Existem várias possibilidades de escolhas e participação, a liberdade de canal e acesso, facilitam a relação do espectador com os meios.

Neste contexto Napolitano (2011, p. 197) alerta que:

Uma mensagem visual tem por objetivo reforçar ou intensificar as intenções expressivas através da imagem sem deixar de se preocupar com o retorno, as respostas ou atitudes dos leitores. Nessa ótica, a produção de sentidos implica análise compositiva, técnica e estética. Em muitos casos as imagens possuirão um discurso tão profundo que poderão funcionar de forma autônoma, representando a totalidade do conteúdo e dispensando integralmente a necessidade de um texto.

Portanto, as imagens podem transmitir vários sentidos, depende da interpretação de cada um. Sendo que a imagem em si já traz um significado em sua totalidade, independente do texto, mas depende do trabalho do sujeito ou da mediação dos educadores para que os alunos deflagrem o processo de atribuir sentido a um objeto, no caso, audiovisual.

As imagens estão diretamente relacionadas a processos de memorização de conteúdos, ideias, experiências ou acontecimentos, tanto reais quanto fictícios. Uma imagem é um bom ponto de partida para recordar ou mesmo compreender alguma ideia conectando-se com diferentes realidades cotidianas (MORAN, 2003).

Para Napolitano (2011) a utilização da linguagem audiovisual no ensino suscita discussões incessantes. Uma das principais é sobre a utilização crítica das imagens e sua validade no processo de aprendizado.

Já, Moran (2003, p. 45), lembra que “o vídeo está ligado à televisão e a um contexto de lazer”, por isso o autor acredita que “passa imperceptivelmente para a sala de aula. Vídeo, na cabeça dos alunos, significa descanso e não "aula", o que modifica a postura em relação ao seu uso”. Isso exige que o professor faça correlações entre a temática abordada com outras linguagens e assuntos relacionados ao contexto da sala de aula e ao cotidiano, estabelecer conexões entre o vídeo e as outras dinâmicas da aula.

Para Napolitano (2011, p. 10):

Vídeo significa também uma forma de contar multilinguística, de superposição de códigos e significações, predominantemente audiovisuais, mais próxima da sensibilidade e prática do homem urbano e ainda distante da linguagem educacional.

Nesta perspectiva, constata-se que a lógica da narrativa imagética não se baseia necessariamente na causalidade, mas na contiguidade, em colocar um pedaço de imagem ou história ao lado da outra. Há uma relação de complementaridade entre a linguagem imagética e a escrita. Essa retórica conseguiu encontrar fórmulas que se adaptam perfeitamente à sensibilidade do homem contemporâneo. Usam uma linguagem concreta, plástica, de cenas curtas, com pouca informação de cada vez, com ritmo acelerado e contrastado, multiplicando os pontos de vista, os cenários, os personagens, os sons, as imagens, os ângulos, os efeitos (COELHO, 1993).

As linguagens que envolvem imagem e movimento como as de audiovisuais respondem à sensibilidade dos jovens e da grande maioria da população adulta. São dinâmicas, dirigem-se antes à afetividade do que à razão. O jovem lê o que pode visualizar, precisa ver para compreender. A sua fala é mais sensorial-visual do que racional e abstrata (COELHO, 1993). Neste aspecto também destaca-se a importância da mediação do educador para uma interpretação, no mínimo equilibrada entre o emocional e o racional.

Moran (1994, p. 21), lembra que o uso das tecnologias na educação demandam modificações em algumas funções dos professores, por exemplo a de passar informações pode ser deixada aos bancos de dados, livros, vídeos, programas em CD. Neste cenário, o autor defende que: 1º.  o professor passa a ser o estimulador da curiosidade do aluno por querer pesquisar, conhecer e buscar novas informações; 2º. coordena o processo de apresentação dos resultados pelos alunos; 3º. questiona os dados que foram apresentados, contextualizando os resultados com a realidade dos alunos. Na visão de Moran, “este processo transforma informação em conhecimento e conhecimento em saber, em vida, em sabedoria - o conhecimento com ética”.

Portanto, trabalhar em sala de aula com dispositivos audiovisuais contribui com o desafio da escola reencontrar a cultura do cotidiano contemporâneo, ou seja, uma cultura imagética que necessita de reflexão e interpretação para extrair significados. Isso porque o audiovisual, o cinema, se trata de uma linguagem sofisticada, “é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte” (NAPOLITANO, 2011, p. 11).

O cinema é considerado por Fantin (2006) como um meio que representa contar histórias através de imagens, movimentos e sons. Entretanto, a autora esclarece que considerar o cinema como um meio não quer dizer que seu potencial seja reduzido de objeto sócio-cultural a uma ferramenta didático-pedagógica destituída de significação social.

 Almeida (2001), por sua vez, destaca a importância do cinema na Escola como forma de aproximá-la da realidade sócio-cultural:

é importante porque traz para a escola aquilo que ela se nega a ser e que poderia transformá-la em algo vivido e fundamental: participante ativa da cultura e não repetidora e divulgadora de conhecimentos massificados, muitas vezes já deteriorados, defasados (apud NAPOLITANO, 2011, p. 12)

Portanto, realizar este trabalho na escola, mais especificamente com os alunos de uma turma, faz com que os mesmos possam pensar e expressar a cultura de uma maneira própria, expondo seus sentimentos, suas concepções e interpretações de mundo, quais suas experiências e expectativas em relação à escola, a este mundo em que vivemos e que a cada dia evolui de maneira assustadora. Fazer com que os alunos pesquisem, busquem informações sobre um determinado assunto, dando subsídios aos mesmos, mas sem interferir em sua pesquisa.

Rivoltella (2005) destaca a relevância educativa do cinema a partir da validade alfabética, cultural e cognitiva:

- alfabética ou instrumental: compreender a aprendizagem da gramática e sintaxe da linguagem da imagem audiovisual ou cinematográfica, tanto no sentido do consumo quando no da produção;

- cultural: reconhecer o cinema como expressão cultural própria do nosso tempo, junto com a arte e a literatura e seus juízos estéticos e críticos;

- cognitiva: descobrir o cinema como espaço de pesquisa histórica voltada para a realidade política e social contemporânea. (apud FANTIN, 2006, p. 111)

É necessário levar em conta uma situação psicológica muito peculiar a todo espectador de cinema. “O cinema é sempre ficção, ficção engendrada pela verdade da câmera (...) o espectador nunca vê cinema, vê sempre filme. O filme é um tempo presente, seu tempo é tempo da projeção”. (ALMEIDA, 2001 apud NAPOLITANO, 2011, p. 14).

Diante do exposto, é de suma importância que o professor atue como mediador entre a obra e os alunos, mesmo que sua interferência naquelas horas mágicas de projeção seja mínima (NAPOLITANO, 2011).

Nesse sentido, o cinema por ser um instrumento que difunde costumes e formas de vida de vários grupos sociais, o cinema difunde o patrimônio cultural da humanidade. Assim, Rivoltella (2005, apud FANTIN, 2006, p. 110):

Para dizer que a realidade cultural vista no tempo e no espaço é constituída de ideias, princípio, obras e realizações que formam o patrimônio de toda a humanidade, e que os filmes se colocam ao lado de outros produtos da ciência, da arte e da literatura.

Sendo assim, para o autor os filmes compartilham significados sociais e ainda contribuem na transmissão da nossa cultura, vindo fazer um resgate desta cultura que é contada através dos livros, mas que através do cinema é colocada em ação e movimento.

O cinema é um produto cultural, que tem o privilégio de ser reconhecido com um estatuto estético que une arte e literatura ao mesmo tempo. Por ser representativo, o cinema mostra o visível da realidade cultural no instante que é produzido, sendo que isso o constitui como extraordinário documento para o estudo dos momentos relevantes da história recente (FANTIN, 2006).

A seguir, será analisado o uso do filme “Os Miseráveis” de Vitor Hugo como dispositivo no processo de ensino-aprendizagem da disciplina de Língua Portuguesa, como também os valores humanos.

 

Análise e discussão dos resultados

Como informado anteriormente, optou-se por um objeto audiovisual para análise empírica, ou seja, uma cena do filme Os Miseráveis.

O filme conta a história de Jean Valjean, um ex-condenado que depois de cumprir sua pena quer apenas viver uma vida normal e honesta. Depois de assumir identidades falsas e até forjar a própria morte para não acabar injustamente na cadeia.

Com o passar dos anos, sua vida muda muito, tem uma reviravolta, e personagens inesperados e marcantes surgem. Ele começa a viver honestamente, garante uma vida confortável. Com um nome diferente, é admirado por muitos.

Fantine uma ex-operária que sofre preconceito da sociedade, por ser mãe solteira e acaba transformando-se em prostituta por perder o emprego, sendo que tinha que sustentar sua filha. Fica doente e recebe ajuda de Jean, mas a mesma não resiste e morre e pede que ele cuide da filha Cossete.

Neste momento sua vida sofre mudanças, tem que abandonar o posto de prefeito para fugir e cuidar de Cossete. Com outra identidade, passam dez anos dentro de um convento, ele como jardineiro e ela se preparando para ser freira. Aos 16 anos Cossete informa a Jean, que não quer ser freira. E diz que ama como se fosse seu pai.

Vão para Paris tentar uma vida normal, mas são perseguidos pelo investigador que os cegue há anos. O contexto histórico se passa num período da revolução organizada pelo povo que pedia a instauração da República.

Ao partir para a pesquisa de campo sobre o filme, optou-se num primeiro momento, realizei uma entrevista informal com a professora de Língua Portuguesa da turma. Iniciei falando da obra e filme de Vitor Hugo “Os Miseráveis” e indagando sobre a importância de trabalhá-los em sala de aula. A professora justifica com muita convicção:

Dentro da língua portuguesa podemos trabalhar a questão da oralidade, do posicionamento crítico e a capacidade de argumentação na defesa das ideias observadas no filme. Também é possível trabalhar a questão dos costumes da época para a contextualização histórica, retratando como era os valores, situando o aluno no tempo em que ocorre a narrativa, momento literário.

Além do proporcionar o desenvolvimento da oralidade, da criticidade e da recuperação cultural de determinada época, a professora ressalta a questão dos valores humanos identificados na obra e que são atemporais:

O filme “Os Miseráveis” trouxe a questão dos valores para dentro da sala e proporcionou um debate sobre o assunto, possibilitou a comparação entre o ontem e o hoje. Como vemos a questão da solidariedade, do amor ao próximo, do perdão e da compaixão nos dias de hoje. Como podemos transportar a situação do perdão no filme para a nossa realidade? É possível encontrarmos hoje situações de amor ao próximo?”

Fica a dúvida e o questionamento da professora se os valores da solidariedade, amor e perdão, mostrados no filme e que deveriam ser universais e atemporais, sobrevivem na atualidade onde predomina a intolerância e a violência.

Importante conhecer a percepção também dos alunos, por isso, num segundo momento e em outro dia, a atividade se deu em sala de aula, onde a pesquisadora apresentou para a turma a proposta de trabalho.

A atividade consistia em os alunos assistirem a primeira cena do filme “Os Miseráveis”, e posteriormente responderem a um formulário sobre os significados e representações que identificaram no filme.

Participaram desta pesquisa, 11 meninas e 3 meninos, que formam a turma 202 do 2º Ano, turno manhã, de uma Escola Pública da periferia de Santa Maria -RS. Os adolescentes tem faixa etária entre 16 e 20 anos. Do total de 14 alunos, 6 trabalham no turno inverso, como forma de ajudar nas despesas da família.

A seguir descreve-se os dados coletados pelo formulário.

Inicialmente os alunos foram questionados se já haviam lido o livro “Os Miseráveis” e/ou assistido o filme. Quanto ao livro todos responderam que não leram, mas muitos ouviram falar. Quanto ao filme, dos 14 participantes apenas um respondeu afirmativamente.  

Em seguida, responderam se viam alguma relação entre a realidade do século XIX mostrado no filme “Os Miseráveis” com a atualidade. Dos 14 alunos participantes, 11 responderam que “sim”, dois que não e 1 não respondeu. Os que responderam afirmativamente falaram da relação de: “desprezo” ao ser humano, “perdão”, “ajuda ao próximo”, “esperança” e atitudes que muitas vezes levam o ser humano a cometer “atos desumanos”, devido ao “momento e a situação que se encontram”, vindo a “sofrer consequências para a vida toda”.

Diante da pergunta “Quais os valores que você identificou no filme?”, os mesmos responderam: “perdão”, “humildade”, “amor ao próximo”, “solidariedade”, “compaixão”, “caráter”, “fé”, “amor”, “caridade”, “revolta”, “compreensão”. Verifica-se que apenas o sentimento de “revolta” destoa dos demais que salientam o valor da bondade humana, presente e destacada no filme pelo ato do perdão do Bispo em relação ao Jean. Nesta cena, o Bispo convida Jean para jantar e descansar. À noite Jean acorda durante um sonho, rouba os talheres de prata do Bispo e foge do local.

No dia seguinte, o Bispo recebe a visita dos soldados com um homem que carregava consigo talheres de prata. Era Jean que havia sido preso, mas o Bispo disse aos soldados “eu lhes dei os talheres de prata, e também os castiçais de prata, porque você não levou Jean”. Mandou a sua irmã ir buscar e entregou para Jean que ficou livre. “Estou livre, realmente?”, “Sim” respondeu o Bispo que mandou os soldados embora.

A seguir, o Bispo aproximou-se de Jean e reforçou o aspecto pedagógico do perdão concedido:

- Não se esqueça, não se esqueça nunca de que prometeu usar esse dinheiro para se tornar um homem honesto.

- Jean, meu irmão, lembre-se que já não pertence ao mal, mas sim ao bem. É sua alma que acabo de comprar. Eu a furto dos maus pensamentos e do espírito da perdição para entregá-la a Deus (CARRASCO, 2001).

Na sequência foi questionado “Que tipo de sentimentos o filme despertou em, você? Os alunos mencionaram: “rancor, compaixão, pena, tristeza pela forma como trataram Jean, uma segunda chance, admiração na atitude do Bispo”.

As respostas dos adolescentes evidenciam que os mesmos deixam vir a tona seus sentimentos, novamente predominando as referentes a bondade do ser humano, capaz de sentir compaixão do outro.

A cena do filme mostra Jean, recebendo do Bispo uma segunda chance de reconstruir sua vida. Sugere que ainda existem pessoas capazes de abrirem as portas de suas casas para acolher a quem precisa de uma palavra de conforto, de uma mão amiga ou de alimentação ou abrigo.

Quanto ao aprendizado passado pelo filme, os adolescentes destacaram o perdão, o amor e a solidariedade humana, como é possível ver a seguir:

-“ Aprender a perdoar, amar o próximo como a si mesmo, e ajudar quem precisa”.

-“Perdoar, amar o próximo e ajudar uns aos outros”.

- “Que às vezes nós temos que fazer pelos outros, o que queríamos que fizessem por nós”.

- “Que devemos perdoar as pessoas”.

- “Pensar melhor sobre a vida”.

- “Me motivou a pensar mais no próximo e agir mais com o coração”.

-“Sim ser mais compreensivo”.

Através deste questionário, percebeu-se o interesse e a participação dos alunos, sendo que foram cumpridas as etapas deste estudo. Os mesmos sentiram-se motivados com a proposta de trabalho e assistiram a cena do filme com muita atenção. Sendo que os mesmos ansiosos para assistirem todo o filme, para saber o que aconteceu com Jean, qual foi o desfecho do filme.

Esse trabalho com o audiovisual vem mostrar que um filme pode ser trabalhado em várias disciplinas e ser explorado de várias maneiras, fazendo com que o aprendizado ocorra de maneira interdisciplinar e potencializado ocorra com a mediação do professor.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS   

Inicio ressaltando que foram meses e dias de muito aprendizado e avaliações de minha vida e carreira profissional. Fica a convicção de que precisa-se aprender a viver em sintonia com as novas necessidades de uma sociedade em constante transformação. A educação, além de trabalhar com os saberes, deve possibilitar a interação do indivíduo com o mundo ao seu redor, com as novas formas de comunicação, com as pessoas e consigo mesmo. A educação baseia-se nos seguintes pilares: “aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a conviver e aprender a ser” (RUBENS ALVES, 2008).

A pesquisa evidenciou que o uso das tecnologias em sala de aula, no caso o audiovisual, se usadas como propostas de aprendizagem para instigar e ampliar o conhecimento do aluno é de suma importância. Os alunos participantes demonstram interesse e participaram ativamente das atividades propostas.

No caso específico deste estudo que trabalhou uma cena do filme Os Miseráveis, verificou-se que foi possível aproximar dos alunos questões e valores humanos que deveriam ultrapassar tempos e fronteiras, mas que estão em crise na sociedade moderna, como o respeito e a solidariedade aos demais.

Proporcionou também a comparação e a relação com diferentes contextos históricos. Cada um refletiu e expressou sobre problemas e soluções para uma convivência mais pacífica entre pessoas com realidades tão distintas como o Bispo e Jean.

A história de Jean no filme Os Miseráveis, mostrou, focado em valores cristãos, a importância de acreditar no ser humano e que atitude altruísta de cada um pode fazer a diferença em uma sociedade onde predomina a intolerância e a violência.

Além disso, foi um trabalho motivador, que estimulou a participação e reflexão individual e coletiva e proporcionou aos alunos despertar o gosto pela arte do cinema.

Conclui-se que neste processo do uso das tecnologias voltadas a educação, o uso das novas tecnologias da informação e da comunicação prepara a sociedade escolar para desenvolver habilidades e estar apto, o papel do professor é resignificada: de transmissor para mediador, facilitador do processo de reflexão e apropriações de significados que resultará em construção de conhecimentos. Trata-se de um mediador da aprendizagem, pois ao apontar caminhos e instigar os alunos a pensar, interpretar e correlacionar as informações recebidas com a realidade cotidiana, sem dúvida ele também aprende. Assim, aluno e professor interagem, trocando informações e conhecimentos, saberes e vivencias, sendo ambos e simultaneamente educadores e educandos.

 

REFERÊNCIAS

ALARCÃO, I. (Org.). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: Artmed, 2001.

ALVES, Rubens. O melhor de Rubem Alves. Curitiba: Editora Nossa Cultura, 2008.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura & Linguagem: a obra literária e a expressão linguística. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

FANTIN, Mônica. Mídia-educação: conceitos, experiências, diálogos Brasil-Itália. Florianópolis: Cidade Futura, 2006.

LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, Adeus professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

MORAN, José Manuel. Interferências dos Meios de Comunicação no nosso Conhecimento. INTERCOM Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo, XVII (2):38-49, julho-dezembro 1994.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2011.

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para a reforma do ensino médio. São Paulo: Paulinas, 2011.

________________ Uma Educomunicação para a cidadania. Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação. Brasília, 1999.

 

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