02/03/2019

Intervenção Comunitaria, Já!

*Dênio Mágno da Cunha[i]

 

Carnaval. Recebo a "provocação" de um amigo, desses que sabe qual dos meus calos dói mais. Ele envia um vídeo no qual um militar (Capitão da PM) faz um depoimento para uma plateia de professores, narrando o sucesso da recuperação da escola, defendendo o estilo de gestão adotado, baseado na disciplina e na ordem.

Ao ver o vídeo conhecendo meu amigo, defensor ferrenho da intervenção militar em nosso País, ericei-me. Não acreditei e não podia acreditar, dada as minhas raízes democráticas, que a solução para a educação em nosso País, seria através da implantação do regime militar nas escolas. Como no vídeo não há maiores informações, fiz apuração rápida para compreender melhor quem é este capitão e qual era esta escola:

O CAPITÃO: Capitão Styvenson Valentim é conhecido no estado do Rio Grande do Norte, pela firmeza com que atua nas questões policiais; sua atuação em blitz da Lei Seca, abriu-lhe espaço na mídia; pode-se dizer que é um símbolo de um cumpridor do seu dever, um profissional exemplar. Graças a sua exposição nas redes sociais e na mídia, foi eleito pela REDE, Senador pelo Rio Grande do Norte:

Chamado de “Robocop da Lei Seca”, Capitão Styvenson também passou a ter um número expressivo de seguidores em suas redes sociais, como o Facebook, o Instagram e o Twitter. Também ficou notabilizado por realizar muitas prisões em suas outras atividades na condição de policial militar e pela reforma de escolas. (Senado Federal, 2018)

A ESCOLA. A Escola Estadual Maria Ilka de Moura, fundada em 1980, localizada no bairro Bom Pastor, próximo á Favela do Japão.

Com mato tomando o prédio, muros derrubados e saques semanais, poucos eram os pais da comunidade que queriam que seus filhos estudassem na instituição... nem a proximidade dos policiais (Companhia da Polícia Militar do 9º. Batalhão), impedia os saques, furtos e depredações constantes aos quais a escola era submetida. (Tribuna do Norte, 2018)

 

A ESCOLA E O CAPITÃO. O capitão Styvenson Valentim servia no 9º. Batalhão e não sabia que o prédio vizinho era uma escola. Nas palavras de Styvenson, “não fazia nem ideia de que isso era uma escola, tamanha era a destruição do prédio”. Acompanhado de alguns policiais da Companhia, o capital decidiu tomar medidas para tentar recuperar a escola e restaurar sua reputação diante da comunidade. “Começou a juntar doações de material de construção para a reforma e, aos fins de semana, os policiais passaram a tentar recuperar o prédio. A parte mais difícil, porém, estava em garantir a integração entre a instituição e a comunidade”.

A COMUNIDADE. Na descrição do capitão Styvenson a realidade da comunidade é a seguinte:

Parte dos pais dessas crianças foi morta pela polícia, parte foi morta em briga de facções criminosas, parte está presa e outra parte ninguém sabe quem é. Aqui são raras as famílias estruturadas, as famílias que não tenham vivido algum tipo de violência. Grande parte dessas famílias é sustentada pelas mães. (Tribuna do Norte, 2018)

Posta esta situação – comunidade, escola e Polícia – me parece natural o apoio mútuo, a associação em prol da recuperação da escola, que hoje é uma escola como deveria ser qualquer outra escola. O grande feito, extremamente louvável, foi a sensibilidade do capitão Styvenson em demonstrar que a polícia deve estar integrada com a comunidade no combate à criminalidade e à violência e, a escola ser o melhor caminho para conseguir realizar esta transformação.

Bem, daí a concluir que a transformação da educação do País passa pela implantação de rotinas militares, como vimos no evento do Ministro da Educação – cantar o Hino Nacional e enviar vídeos para a Assessoria de Comunicação da Presidência – vai uma distância enorme. Só imagino esta situação em Países que viveram em situação de guerra, que estão destruídos e sem condições de gerirem de forma adequada as suas escolas, caso do Haiti, da Síria. Nestes, com certeza a falta de confiança nas instituições e a necessidade de retomada de valores nacionalistas, fariam necessárias medidas drásticas. Como era a situação da escola Maria Ilka de Moura.

A questão da educação no Brasil passa por aspectos semelhantes a estes, infelizmente, mas por muitos outros, como a valorização do professor (na formação e na remuneração); no fim da corrupção (desvio de materiais, concentração de editoras didáticas, sobre-preço nas concorrências); pela criação de um currículo formativo e não exclusivamente conteudista e, de modo amplo, por uma política com visão de futuro que transforme o País pela educação. Sem esquecer que temos um País de diferenças culturais e dimensões geográficas que exigiriam políticas específicas que preservassem estas diferenças.

Portanto, este texto é para dizer que existem inúmeros exemplos (não posso descrevê-los aqui pois não há espaço) de escolas que são abraçadas por suas comunidades e que se tornam exemplo de qualidade, de transformação e não são frutos da intervenção ou da cultura militar, como quis fazer parecer ser o caminho único no vídeo enviado pelo meu amigo. Vou acrescentar apenas um exemplo, ao final do texto.

Nesse momento em que muitas pessoas tentam passar a ideia de um País que vive momento semelhante à história da Escola Estadual Maria Ilka de Moura, surgem soluções equivocadas, se já não bastasse o equívoco de pensar ser real essa semelhança. É preciso estar atento e forte para evitar que caíamos na vala comum de acreditar que precisaremos de um governo militar ou militarizado para transformar nosso País. Pensar assim é desconhecer e desprezar o trabalho de milhões de brasileiros que, diariamente, transformam suas realidades a despeito do governo que tem. Governo ajuda ou atrapalha, mas só as pessoas são capazes de transformar a sociedade.

REFERÊNCIAS.

BLOG CONTROVERSIA. Como a pobre Brejo Santo, no Ceará, construiu as melhores escolas públicas do Brasil. Disponível em http://www.controversia.com.br/blog/2018/01/24/como-a-pobre-brejo-santo-no-ceara-construiu-as-melhores-escolas-publicas-do-brasil/. Acesso em 02 mar. 2019.

 

GLOBO RURAL. Escola no sertão do Ceará melhora a vida de crianças e adolescentes. Disponível em <https://globoplay.globo.com/v/6956277/programa/>. Acesso em 02 mar. 2019.

 

GLOBRO RURAL. Melhoria no ensino de escola rural no Ceará é resultado de trabalho coletivo Disponível em <https://globoplay.globo.com/v/6956361/programa/>. Acesso em 02 mar. 2019.

 

SENADO FEDERAL. Rio Grande do Norte elege dois novatos para o senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2018/10/07/rio-grande-do-norte-elege-dois-novatos-para-o-senado>. Acesso em 02 mar. 2019

TRIBUNA DO NORTE. PM’s se engajam em recuperação de escola do Bom Pastor. Disponível em  <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/pms-se-engajam-em-recuperaa-a-o-de-escola-no-bom-pastor/406611>. Acesso em 02 mar. 2019.

 

[i] Dênio Mágno da Cunha. Doutor em Educação pela Uniso – Universidade de Sorocaba.

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