Limites e possibilidades dos cursos de graduação em meio às constantes mudanças socioculturais
Introdução
O sistema educacional brasileiro tem experimentado, nos últimos anos, um aumento considerável do número de cursos de graduação. Nosso intuito no presente texto emerge exatamente da reflexão em torno deste fenômeno, elencando algumas dificuldades, mas também novas possibilidades para tais cursos partindo do cenário sociocultural no qual vivemos imersos.
Nosso texto parte, pois, de uma breve contextualização da realidade, tanto em nivel global quanto nacional. Depois disso, elencamos alguns impactos aos quais as gestões educacionais dos cursos de graduação estão sujeitas decorrentes de tais mudanças socioculturais. Finalmente, levantamos duas hipóteses na esperança de trazer alguma luz seja na apresentação dos desafios, seja em caminhos que podem nos levar a superá-los.
1 A realidade sociocultural na contemporaneidade
1.1 O macro contexto
Uma correta compreensão dos desafios que cercam a gestão de nossos cursos de graduação não pode deixar de considerar o contexto global. Isto se faz necessário pelo simples fato de vivermos cada vez mais em sociedades interconectadas e globalizadas. A face mais visível deste processo talvez seja a econômica. Uma crise internacional afeta diretamente a economia brasileira, por exemplo. Mas este fenômeno também se verifica em nível educacional. Desta forma, uma sociedade como a brasileira sente e se ressente de fatores que interferem no processo educativo em diferentes partes do mundo. Se no passado já éramos influenciados pelas culturas europeia e estadunidense, agora esse processo se acirra nas chamadas sociedades complexas. Nossas gestões precisam partir do pressuposto de que o pensamento hoje, e, portanto o processo educativo, é igualmente complexo[1].
Nossos modelos educativos não caem do céu, são processos situados histórico e culturalmente. Por isso mesmo para uma boa gestão precisamos entender os diferentes contextos nos quais nascem e se desenvolvem esses modelos, quais as ideias que os fundamentam, seus limites e alcances. Sem entender nossa cultura hoje, dificilmente nossos cursos conseguirão responder à procura dos nossos jovens e formar profissionais capazes de fazer a diferença em nossa sociedade.
Por isso mesmo o ponto de partida pode ser o esforço de compreensão de nossa cultura dita pós-moderna. Pensar a gestão de cursos de graduação sem levar em conta as mudanças culturais já operadas e as que estão em curso dificilmente nos levará ao êxito. A macro compreensão do mundo vem marcada sobremaneira pelos fenômenos da globalização, dos meios de comunicação, sobretudo a internet, a hegemonia da técnica e da tecnologia, a economia de mercado entre outros aspectos.
- O micro contexto
Quando voltamos nossa atenção para o cenário nacional essa complexidade se faz visível sob diferentes ângulos. Podemos partir, por exemplo, do desafio de gestar cursos de graduação no acelerado processo de expansão do ensino superior brasileiro e a concorrência que o acompanhou, nem sempre tendo como consequência a melhora do ensino; pensemos, igualmente, no desafio que se nos impõe pensar estratégias de ensino e aprendizagem diante de uma juventude tão complexa e seus anseios e sonhos cada vez mais diversos. Há educadores que sugerem não falarmos “juventude”, mas “juventudes”, a fim de não ignorarmos as diferenças e superar uma visão monolítica desta fase da vida. Precisamos nos perguntar até que ponto nossas estruturas conseguem compreender as novas gerações imersas no mundo virtual e cibernético.
Finalmente, gostaríamos de lembrar o inalienável papel social de nossas instituições de ensino. É possível instituições que sejam ao mesmo tempo lucrativas e preocupadas com a construção de um mundo mais humano e justo? Como ser competitivos sem descuidar de valores importantes para a edificação de um tecido social mais coeso? Nos pontos seguintes, acreditamos ser possível mostrar o impacto destas considerações em nosso trabalho como gestores de curso de graduação.
2 Os influxos desta realidade na gestão educacional
2.1 Os fatores limitadores
A modernidade trouxe consigo a identificação do saber com o saber científico. Este cada vez mais se tornou especializado, fragmentado. Já o avanço da técnica tem levantado inúmeras questões que precisam ser encaradas por nossas instituições. Há limites para a técnica? Seria a tecnologia a resposta para todos os nossos problemas de gestão? Não cremos que basta equipar nossas salas de aula com tecnologia de ponta.
Precisamos verificar se, fechadas em uma mentalidade técnico-cientifica, nossas gestões educacionais não têm se preocupado muitas vezes somente com transmissão de conteúdos. O que importa muitas vezes é aprovar no ENEM; ser a instituição que mais aprova alunos para o curso de Medicina ou para o ITA. Por mais que isso seja importante, mostra, contudo, uma redução da compreensão do processo de ensino e aprendizagem.
2.2 As novas possibilidades
Nosso processo educativo precisa partir de uma visão integral do ser humano, uma visão holística e ecológica. Lembremos, por exemplo, que nossa sociedade se configura também como uma sociedade de informação. Mas muitas vezes não sabemos o que fazer com elas. Por isso mesmo, essa complexidade que nos desafia e nos limita, pode também nos mostrar novas possibilidades.
Se olharmos para o ser humano e seu ser complexo, podemos criar novas condições para que o processo educativo cumpra seu real papel: ajudar o ser humano a encontrar-se e realizar-se. Para tanto, não basta dominar conteúdos (habilidades cognitivas), o ser humano hoje deve ser capaz também de desenvolver outras habilidades, como por exemplo: técnicas (fazer), comunitárias (conviver), afetivoemocionais (ser).
Esta visão holística do ser humano e de suas reais necessidades pode conduzir-nos a novos processos educativos que não se limitem a ensinar verdades imutáveis, mas contribuir para que as pessoas sejam capazes de conviver com o diferente e enriquecer-se com ele.
3 O reinventar-se dos cursos de graduação: uma necessidade
3.1 É preciso deixar morrer para nascer o novo
Nossa primeira hipótese para que nossos cursos de graduação realmente tenham êxito é que precisamos superar uma cultura do improviso que, a nosso ver, impera em nossa cultura brasileira. Uma gestão profissional não pode viver do “jeitinho brasileiro”, baseando-se nos arranjos e remendos que surgem quando a gestão se limita às demandas do dia-a-dia. Por isso mesmo a utilização de ferramentas, como o PDCA se mostra tão importante[2].
Um problema angustiante para nossas gestões está na capacidade de captar alunos. Aqui a criatividade é uma impulsionadora de novas possibilidades. Não podemos nos contentar com as mesmas táticas, é mister inovar, ousar, buscar novas possibilidades. Por que não pensar, por exemplo, em uma mensalidade menor para atrair mais alunos matriculados? Ou investir em melhorias estruturais para captar uma clientela particular? De qualquer forma, os gestores precisam pensar, planejar e executar bem suas ações. Estabelecer objetivos claros e metas a curto, médio e longo prazos. Em suma, trata-se de superar o “improvisismo”.
3.2 A força dos sonhos e da ousadia
Nossa segunda hipótese é que se nossas instituições não forem capazes de ousar, elas não serão capazes de atender a demanda de nossos jovens. O risco é continuarmos propondo processos pedagógicos que funcionaram no passado, mas que se mostram inadequados aos anseios e buscas do nosso público alvo. Isto não significa, contudo, que nada do passado possa ter validade. Um exemplo disso é a utilização de ferramentas como as reuniões. Mais do que abandonar esta ferramenta, o caminho é torná-la mais produtivas e eficazes[3].
O que estamos salientando é somente a necessidade de não continuarmos dando as mesmas respostas para problemas novos. Nossas metodologias precisam ser mais ativas, por exemplo. Nossa gestão não pode ser centrada em um paradigma meramente burocrático ou tecnicista. O trabalho de coordenação requer saber construir pontes entre a direção, o corpo docente e o alunato. Isso requer superar velhos paradigmas e ser capaz de trabalhar em equipe. É neste contexto que o coordenador de curso de graduação ganha quando se mostra capaz de formar e liderar o Núcleo Docente Estruturante.
Considerações Finais
Qualquer novidade traz consigo o medo do desconhecido, mas também a aventura do inexplorado. É algo da própria estrutura humana. Os gestores e coordenadores de curso de graduação precisam encarar as constantes mudanças socioculturais a partir deste viés. As mudanças arrastam consigo muitos desafios, contudo, são prenhas de novas possibilidades, de caminhos ainda não traçados que podem direcionar nossas gestões para o salto qualitativo que precisam.
A gestão dos cursos de graduação no Brasil precisam ultrapassar modelos que já não respondem às transformações sofridas em nossa realidade, sem, contudo, cair no desespero da “cultura do improviso” que caracterizam as gestões não profissionais. O caminho, longe de ser o imobilismo ou a inovação irresponsável, passa, a nosso ver, pela capacidade que tivermos de estabelecer nossos objetivos, traçar nossas metas e escolher as ferramentas adequadas para levar a cabo nossa missão educativa que não é outra senão colaborar para a construção de um mundo mais humano.
[1] Sobre a teoria do pensamento complexo, cf. Edgar Morin. Introdução ao Pensamento Complexo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2011.
[2] Cf. Wille Muriel. PDCA na gestão de cursos. Uma alternativa para quebrar ciclos semanais regidos por urgências infinitas.
[3] Cf. Richard Luecke. Gerenciando projetos grandes e pequenos. Ferramentas fundamentais para entrega dentro do cronograma e do orçamento. Havard Business Essentials. Rio de Janeiro/São Paulo: Ed. Record, 2010.