09/09/2020

Mensalidades escolares versus pandemia

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Uma decisão liminar do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás obrigou 50 instituições de ensino particulares, entre escolas e faculdades, a informar seus custos durante a pandemia. A ação foi interposta pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública e pelo Procon/Goiás.

Quando publicamos sobre como se posicionaram todos os Procons dos estados brasileiros a respeito da suspensão das aulas presenciais, o Procon Goiás recomendava que escolas particulares e faculdades adotassem todas as medidas possíveis para garantir a manutenção dos contratos escolares vigentes, utilizando ferramentas tecnológicas para desenvolvimento das atividades escolares e cumprimento do calendário escolar.

O Procon/Goiás também indicava que escolas e faculdades disponibilizassem canais de comunicação para o esclarecimento de dúvidas e eventual negociação do contrato celebrado entre as partes caso este compromisso não fosse atendido ou houvesse interesse na imediata rescisão contratual.

À época – março de 2020 - o órgão assim se pronunciava:

Vale ressaltar que os contratos educacionais possuem vigência semestral ou anual, e apesar do parcelamento mensal, não há correlação entre o mês de pagamento e a prestação do serviço, no caso, o ensino do conteúdo. Neste caso, a cobrança de mensalidades mesmo durante o período de férias ou recesso ou ainda de afastamento temporário, como é o caso, se justifica desde que cumprida a carga horária mínima definida pela Lei nº 9.394/96. (Nota de março/2020)

Em abril o Procon/Goiás, juntamente com os demais autores da ação que ora comentamos, emitiu Nota Técnica visando orientar consumidores e fornecedores das instituições privadas de educação básica e superior do estado de Goiás.

Deliberaram, em relação aos estabelecimentos educacionais de ensino fundamental, médio e superior, que disponibilizassem ao consumidor “proposta de revisão contratual”, constando de forma clara e compreensível a tabela de custos prevista para 2020, e a nova tabela de custos, considerando os fatos supervenientes decorrentes da proibição de aulas presenciais em todo o estado de Goiás.

Caso constatada redução do custo de manutenção da escola, fosse realizado abatimento proporcional do preço nas mensalidades dos alunos que estivessem cursando aulas em regime telepresencial e que as escolas restituíssem o valor das mensalidades correspondente às disciplinas que não permitam o modelo remoto de ensino, a exemplo de aulas de laboratório.

Os estabelecimentos educacionais de ensino infantil deveriam privilegiar a negociação entre as partes, sempre em busca da manutenção do contrato, ou, em último caso, a suspensão dos contratos sem ônus para o consumidor, também encaminhando a seus alunos/responsáveis a planilha de custos referente ao ano de 2020 e a nova tabela de custos, nos mesmos moldes já mencionados.

A Nota Técnica também sugere proceder à suspensão dos contratos de ensino infantil, ante a impossibilidade de cumprimento em regime telepresencial, incentivando o consumidor a postergar a execução do contrato para momento posterior.

Ação Civil Pública

Em julho de 2020, em conjunto com a Defensoria Pública e o MP/Goiás, o Procon ingressou com ação civil pública com pedido liminar em desfavor de 50 instituições escolares de Goiás (processo 5320311.68.2020.8.09.0051) para que as mesmas:

• disponibilizassem em 48h, aos alunos ou responsáveis, contatos diretos de comunicação, telefone e e-mail, com a coordenação pedagógica e financeira da instituição de ensino;

• encaminhassem em ate 10 dias esclarecimentos aos alunos ou responsáveis acerca das metodologias específicas utilizadas no regime extraordinário de aulas não-presenciais;

• apresentassem a tabela de custos anual prevista para 2020, bem como tabelas de custo mensal, detalhadas, para os meses de janeiro, fevereiro, março, abril e maio, utilizando, por base, a tabela prevista no Decreto Federal 3.274/99 e

• divulgassem os custos realizados nos meses anteriores ao do ingresso da ação, utilizando, por base, a tabela prevista no Decreto Federal 3.274/99.

A ação civil pública ainda requereu que, em caso de descumprimento da medida liminar, fosse aplicada multa diária no valor de R$ 5.000,00.

No dia 13 de julho a tutela de urgência foi concedida e o juiz da 27ª Vara Cível de Goiânia¬ acatou os pedidos acima especificados. Sobre a ação, aguarda-se realização das audiências de conciliação, já juntadas manifestações dos amici curiae.

Pois bem, um dos fundamentos expostos pelo juiz da causa ao decidir pela tutela de urgência, foi o de que, com a implementação do ensino a distância e fechamento das unidades físicas das instituições educacionais no momento de crise, presumia-se que as despesas relativas ao funcionamento desses estabelecimentos reduziriam significativamente, implicando na redução dos custos operacionais.

O magistrado considerou que as escolas investiram recursos em tecnologia da informação e capacitação de docentes para propiciar as aulas remotas, mas a ênfase foi a de que as escolas tiveram seus custos bastante reduzidos.

Pois bem, como muito bem exposto pela Revista Educação no texto O coronavírus e a guerra das mensalidades escolares, existem questões sobre as quais, em geral, a sociedade não está bem informada. O texto se refere especificamente aos pais e/ou responsáveis, mas ampliamos para toda a sociedade, sem medo de errar:

1) a primeira questão é a de que nas escolas existem quase que somente custos fixos e, na média, o custo de uma escola se reduz apenas de 3% a 5% com as aulas virtuais;

2) ainda que tenha ocorrido uma leve queda nos custos operacionais, essa pequena economia tem sido compensada e ultrapassada pelas perdas oriundas da inadimplência, dos pedidos de descontos emergenciais e, vale lembrar, da redução da exploração das atividades extras.

Enfim, não há margem de lucro nas escolas que sustente o aumento expressivo na inadimplência e, como muito bem escrito no texto citado, “o que à primeira vista é algo que beneficia o orçamento da escola, na verdade, está a prejudicá-lo”. E é justamente em razão disso que a maioria das escolas não pode – absolutamente - oferecer descontos coletivos.

Fato do príncipe

Em abril desse ano publicamos o texto Procon/MG erra ao propor descontos nas mensalidades escolares em tempos de COVID-19. Além da falta de competência do Procon/MG para tal determinação, alertamos que, em resumo, é o isolamento social - ato responsavelmente imposto pelo estado - e não a pandemia - caso fortuito ou força maior imposta pelas circunstâncias - que gera a necessidade de ensino a distância ou de suspensão total da oferta de atividades educacionais.

Ou seja, deveria ser o estado responsabilizado por eventuais prejuízos ao contrário de autorizar às partes contratantes revisarem o contrato ou mesmo cancela-lo.

A conjuntura, como apontamos naquela ocasião, é diferente da força maior, inclusive. Estamos diante de um autêntico fato do príncipe, modalidade de força maior que obriga o governo a arcar com eventuais perdas econômicas, tudo isso em prol da manutenção da saúde e vida dos alunos, docentes e funcionários das instituições, e, em cadeia, de todos os demais indivíduos da sociedade.

De toda forma, temos verificado os esforços feitos pelas instituições escolares ao oferecer descontos aos pais/responsáveis. Eles têm sido mais viáveis quando se trata da educação infantil, quando as possibilidades do ensino remoto são bem menores; nesse caso, muitas instituições estão se utilizando da Medida Provisória 936, que autoriza a redução dos custos através de cortes de jornadas e suspensão de contratos de trabalho.

Mas mesmo na educação básica e superior as instituições estão diligenciando nesse sentido, ainda que não sejam desincumbidas de nenhuma de suas obrigações. Ou seja, ainda que estejam entregando o acertado quando do contrato firmado no ato da matrícula, de acordo com o projeto pedagógico definido anteriormente.

Em outros estados brasileiros também houve o ingresso de ações análogas, bem como ações de associações de pais que pleitearam redução de até 50% na mensalidade escolar, desde a data da suspensão das atividades presenciais até o retorno das mesmas.

Também houve a publicação de leis - nitidamente inconstitucionais - em mais de 11 estados e no DF obrigando a aplicação de descontos nas mensalidades de escolas e faculdades: em cinco deles pelo menos - Ceará, Paraíba, Rondônia, Tocantins e Espírito Santo - decisões judiciais determinaram a não aplicação das leis.

O assunto, que já se tornou um embate jurídico, chegou à Suprema Corte, que ainda vai julgar duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs 706 e 713), com pedido de suspensão de todas as decisões judiciais que concedem compulsoriamente desconto linear nas mensalidades de instituições de ensino superior.

No mérito, em resumo, as ações requerem seja declarada a inconstitucionalidade das interpretações judiciais que determinem a imposição de descontos compulsórios das anuidades/semestralidades das entidades de educação ou a suspensão de pagamentos dos serviços educacionais sem qualquer fundamentação, por simples presunção de prejuízo ou de desequilíbrio econômico-financeiro dos contatos, sem fundamento em provas produzidas nos autos.

Como em outros momentos, de maneira geral, indicamos que as mensalidades continuem a ser pagas regularmente ao longo da quarentena, garantindo o cumprimento dos contratos e protegendo os estabelecimentos de ensino que estão prestando os serviços pela única forma possível no momento.

Em caso de necessidade da família, considerando que em muitos casos ambas as partes estão sendo afetadas pela situação, que as relações sejam negociadas com boa-fé, transparência e bom senso, minimizando os danos para todos os envolvidos.

Autores: Ana Luiza Santos Silva e Edgar Gaston Jacobs

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