02/08/2018

Mercantilização: A Terceirização do Professor

Dênio Mágno da Cunha*

Antes de iniciar, quero pedir vênia ou desculpas aos meus leitores por tratar de assunto tão sério de uma forma rápida. A mercantilização ou inserção da função do professor na cadeia produtiva da educação, na sua forma pura não escamoteada, é um processo que mereceria ser abordado numa tese. Bem, iniciemos.

Nesta semana recebi o seguinte anuncio: “Vamos fazer mais um evento muito prático e objetivo e já estamos com mais de 50% das vagas preenchidas em menos de 24hs, então não perca tempo e faça agora mesmo a sua inscrição, basta acessar o link: https://www.sympla.com.br/como-encarar-a-atividade-docente-como-um-negocio-e-nao-mais-como-um-trabalho__329286”.

Como o anuncio foi enviado em um grupo de professores, não tardou houvesse reclamações, exclamações e até alguns palavrões. A figura do professor em especial, mas a educação em geral ainda é compreendida em nossa sociedade como algo sagrado, missionário, por vários motivos. Quando alguém nos diz que professores são profissionais como médicos, mecânicos de automóveis ou comerciantes, eriçamos os pelos e nos desesperamos: como alguém pode dizer isso!!!

Pois bem... é assim que as coisas – se não são ainda – serão. Professores formarão uma classe de profissionais, terão Conselhos Regionais, serão fiscalizados pelo exercício da profissão, serão transformados em micro empresas terceirizadas, concorrerão pelas ofertas de trabalho, participarão de editais. Farão tudo que uma empresa com as suas características faria para sobreviver no mercado: planejamento estratégico, orçamento, campanhas de marketing, espalharão folhetos, visitarão clientes. Será uma dura travessia, mas ela acontecerá... mais cedo ou .... não, não tem ou... será mais cedo do que se imagina.

O primeiro passo foi a abertura de capital ou a entrada de investidores na educação, antes dominadas pelas instituições confessionais, estatais ou pequenas instituições isoladas. A formação dos grandes grupos, através da competição aquisitiva, trouxe uma nova realidade.

Antes que me esqueça: a implantação dos indicadores de desempenho, feita pelo MEC a partir das provas avaliativas, a pedido do Banco Mundial, já antecipava uma alteração significativa. O Brasil e os professores brasileiros, embora não tenham percebido, ingressava na competição mundial pela qualidade na educação. Assim como os produtos brasileiros sofreram a influência da denominada “globalização”, as escolas também davam naquele momento seu primeiro passo nessa direção.

Agora estamos vivendo uma segunda etapa, caracterizada pela alteração na legislação trabalhista: redução da participação sindical e sua representatividade e a criação de modelos de empresas com legislação diferenciada, voltada para a individualidade. A pergunta agora é: qual o próximo passo?

O próximo passo já está sendo dado, bem desenvolvido em muitas instituições: a editoração de conteúdos em formato de apostilas (livros) e a implantação de uma metodologia única. Será o ensino dirigido, para o professor. Dessa forma, nivela-se ou faz-se a redução da diferenciação do professor, internamente, já que o conteúdo e a metodologia serão padronizadas. A diferença ficará por conta das características do professor, e.... mágica!! Os professores concorrerão entre si para conseguirem clientes, ou seja, espalharão folders, currículos, marcarão reuniões, demonstrarão suas habilidades, darão seu preço (cada vez mais baixo) e serão contratados por semestre ou por “job”. No processo seletivo entrará o currículo e os conhecimentos metodológicos do professor: as ferramentas que ele utiliza em seu trabalho. Dessa forma, cada professor deve buscar sua própria atualização, seu próprio desenvolvimento, ter a “tecnologia mais avançada”.

A educação será então, de fato e totalmente, uma indústria no modelo da revolução industrial, mecanizada e impessoal. Totalmente idêntica ao que estamos cansados de ver, vaticinada pelo clip musical “Another Brick in the Wall”.

Bem, este é um caminho... mas há outro que infelizmente não consigo imaginar a não ser no campo da ficção científica.

A indústria da educação, dado a sua produção em massa e a baixa qualidade do produto entregue ao mercado, farão surgir novos centros de excelência. Estes centros, de elevado custo para o estudante, demandarão professores dedicados, especializados; oferecerão atendimento personalizado, terão como objetivo formar uma elite em suas áreas de concentração. Serão refúgio para aqueles que acreditam na educação como missão, estes “de repente aprenderão” junto a seus alunos, produzindo ciência e conhecimento.

Encerrando, peço a meus leitores para olharem ao redor e não se assustarem se por acaso exclamarem: Uai! Mas isso já acontece!!!

Portanto, voltando ao início, não há motivo para espanto com o curso epigrafado. Caso você não o faça agora, no futuro a sua IES irá oferece-lo. Provavelmente será denominado “O professor empreendedor: aprendendo a fazer da educação um negócio”.

* Dênio Mágno da Cunha é Doutor em Educação pela Universidade de Sorocaba. Professor “das antigas” e consultor em Carta Consulta.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×