30/05/2016

Moradora de rua é professora em programa de alfabetização

Logo após o almoço, os moradores de rua, com cadernos e apostilas nas mãos, vão se acomodando nas mesas e cadeiras de plástico, dispostas de forma improvisada na Praça Marechal Deodoro, mais conhecida como Praça das Mãos, no bairro do Comércio, em Salvador. Homens e mulheres que não tiveram a oportunidade de ser alfabetizados encontraram a oportunidade de aprender a ler e a escrever. O fato de a professora conhecer tanto quanto eles a realidade de viver nas ruas da capital baiana, por ser ela também, há quase sete anos, moradora de rua, facilita o processo de aprendizagem.

A pernambucana Edlúcia Menezes, 52 anos, tem curso de magistério e, pelas circunstâncias da vida, foi morar nas ruas de Salvador. Ao verificar que ela tinha certificado de conclusão do curso, dirigentes do movimento Rua Tua, que trabalha com a população de rua em Salvador, resolveram aproveitá-la no projeto de alfabetização, em parceria com o programa Todos pela Alfabetização (Topa), da Secretaria de Educação da Bahia. “É a primeira experiência de alfabetização de população de rua que acontece em ambiente aberto, e tem dado muito certo”, explica Daiane Sodré, coordenadora do Topa. “Estamos colocando em prática o método de Paulo Freire de levar a escola onde os alunos estão.” O movimento Rua Tua tem sede no Pelourinho, na Ladeira de São Francisco, na capital baiana.

As aulas são dadas à tarde, no centro da Praça das Mãos, de segunda a sexta-feira. Tem-se a expectativa de que os 25 alunos que frequentam o curso da professora Edlúcia iniciem o processo de alfabetização e encontrem motivação para, em seguida, fazer a matrícula em uma turma regular de educação de jovens e adultos (EJA) em escola pública de Salvador.

Nesse processo inicial, que busca aliar alfabetização e cidadania, o estímulo e o exemplo da importância dos estudos e da emancipação vêm da própria Edlúcia. “Eu tenho a maior paciência com eles, conheço seus problemas e vejo a alegria que eles têm em aprender”, conta. “Meu marido, mesmo, está estudando na turma e já está juntando as letras para ler os nomes nos ônibus. Eu amo ensinar e há dez anos não tinha essa oportunidade.”

Pelas aulas na “escola da praça”, Edlúcia recebe R$ 400. “O dinheiro ajuda na alimentação, mas não dá para sair da rua. Aluguel aqui em Salvador é muito caro”, diz a professora. Ela também se preocupa com os alunos, que são assíduos e fazem os deveres de casa, mas não recebem merenda. “Essa escola na praça está dando certo porque os alunos se sentem livres para aprender, mas quando chove não temos como ter aula. Se tivesse uma cobertura aqui na praça seria muito bom”, sugere.

Redução — Coordenadora-geral do Topa há nove anos, a professora Elenir Alves, doutora em educação, com área de atuação em educação de jovens e adultos, observa que em 2007, quando o programa foi criado, o índice de analfabetismo na Bahia era de 23,15%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O programa já conseguiu reduzir esse índice para 14,7%, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014. “O que significa uma alfabetização de cerca de 1,4 milhão de pessoas, oriundas de segmentos sociais diversos, tais como pescadores, quilombolas, trabalhadores rurais, pessoas privadas de liberdade e moradores de rua”, afirma Elenir.

O programa Topa já envolveu 600 entidades e levou atendimento a 416 municípios baianos. Os professores que trabalham como alfabetizadores são voluntários e devem ter, no mínimo, o ensino médio completo e experiência com educação popular. “Acreditamos na ressocialização a partir do processo educativo porque a alfabetização contribui para o empoderamento dos indivíduos”, diz Daiane.

Todos os alfabetizadores recebem bolsa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e passam por cursos de formação, inicial e continuada nas universidades contratadas pelo Topa. “Alfabetizar as pessoas é uma das tarefas mais dignas que considero enquanto educadora popular que sou”, afirma Elenir. “O Topa vai além da ação alfabetizadora. Os espaços de sala de aula são espaços de socialização e cidadania para os nossos alfabetizandos.”

Premiação — O programa de alfabetização da Secretaria de Educação da Bahia, que procura aliar educação e emancipação, está entre as iniciativas de educação de jovens e adultos premiadas em 2016 pelo Ministério da Educação com a Medalha Paulo Freire. Desde 2005, o MEC promove essa premiação, que tem o objetivo de divulgar experiências bem-sucedidas, nos estados e municípios, de alfabetização e de ensino fundamental e médio para a EJA.

A educação de jovens e adultos é um grande desafio para o Brasil. Segundo dados recentes da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC, o país tem 3,8 milhões de pessoas com 18 anos ou mais que retomaram os estudos em classes de educação de jovens e adultos. Apesar do número considerável de matrículas, as turmas de EJA atendem apenas a 5% do público potencial, de 81 milhões de brasileiros sem ensino médio.

Recentemente, o MEC anunciou ações, como unir as turmas de alfabetização de jovens e adultos ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). A ideia é que o estudante da EJA, ao desenvolver o aprendizado, tenha direito a escolher determinados cursos do Pronatec para que a formação ocorra de forma associada. Assim, tem-se a integração entre o conteúdo da escolarização e o do mundo do trabalho.

Rovênia Amorim

 

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