23/06/2016

Necessidades especiais no cenário educacional brasileiro: resenha do livro Inclusão de pessoas com deficiência e/ou necessidades específicas: avanços e desafios, de Margareth Diniz.

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Tatiana Gonçalves Muzi, Pedagoga pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Especialista em Gestão de Recursos Humanos pela (UVA)

Resumo: Esta resenha apresenta o livro intitulado Inclusão de pessoas com deficiência e/ou necessidades específicas: avanços e desafios, de Margareth Diniz, levantando suas principais reflexões acerca da educação especial inclusiva. Em constante diálogo com a teoria de renomados autores, Diniz proporciona ao seu público leitor mais do que um livro sobre necessidades especiais na educação, ele oferece uma profunda reflexão sobre a educação especial e sobre a problematização da inclusão no cenário educacional brasileiro.

Palavras-chave: Educação; inclusão; Diniz; necessidades especiais.

Abstract: This review presents the book entitled Inclusion of people with disabilities and/or special needs: progress and challenges, Margaret Diniz, raising its key reflections on inclusive special education. In constant dialogue with the theory of renowned authors, Diniz gives your readership more than one book on special needs in education, it offers a profound reflection on the special education and the questioning of inclusion in the Brazilian educational scenario.

Keywords: Education; inclusion; Diniz; special needs.

A diversidade e a inclusão dos portadores de necessidades especiais são temas recorrentes no atual cenário educacional brasileiro. A luta pelo respeito às diferenças e pela inclusão social tem conquistado grande espaço no meio acadêmico e nas políticas públicas, de maneira que as discussões sobre o assunto estão cada vez mais enriquecedoras e já existem vários mecanismos de combate à insulação sofrida pelos alunos com algum tipo de necessidade educacional especial.

Nesse sentido, o livro intitulado Inclusão de pessoas com deficiência e/ou necessidades específicas: avanços e desafios, escrito por Margareth Diniz, tem o fito de problematizar a educação sob a perspectiva da inclusão, assim como e desestigmatizar a deficiência, a fim de que o aluno especial possa ser visto como um sujeito capaz de aprender como qualquer outro dito “normal”, e não somente como um objeto de cuidados assistencialistas e terapêuticos.

A obra está dividida em quatro capítulos, que discorrem sobre as mudanças requeridas pela educação inclusiva no aspecto da formação docente e os desafios encontrados pela nossa estrutura educacional atual, além de debater com o leitor conceitos teóricos de necessidades específicas e descrever os tipos mais comuns de deficiências encontrados nas salas de aula. A autora se propõe, também, a elucidar questões sobre educação especial antes vistas como “algo mistificado” e auxiliar o docente neste trajeto lúdico, exemplificado através recomendações e de propostas de atividades a serem realizadas com os alunos especiais.

Assim, em seu primeiro capítulo, a autora defende a ideia de que a formação docente para a inclusão é baseada nos aspectos subjetivo e da formação, dando origem a um terceiro aspecto: o político. A autora discorre sobre a visão acerca da formação docente na década de 60 até a atualidade, explicitando os centros de atenção e as mudanças ocorridas em cada um desses cenários. De acordo com o exposto no presente livro, a década de 60 foi marcada pela ênfase nas características pessoais do docente, a década de 70 revelou a necessidade de focar a formação docente como condição de desenvolvimento da qualidade da educação, enquanto as décadas de 80, 90 e atuais observaram o caráter político e a problematização da formação docente, além de sua relação com o ensino e a aprendizagem. Enfatiza-se a importância do contexto político como objeto de influência nas ideias do professor e o quanto isso repercute na vida e na formação do aluno.

É ressaltado o quanto nós, educadores, precisamos superar a ideia de formação docente com foco nas teorias e suas dimensões técnicas, não que estas não sejam importantes, mas os saberes práticos e a subjetividade são aspectos fundamentais para a educação com foco na diversidade. A postura subjetiva da formação inclui fatores externos ao indivíduo, tais como movimentos sociais, discursos ideológicos e condições históricas vivenciadas pelo sujeito, o que certamente precisa ser considerado em sua formação. Questões étnicas, sexuais, etárias, religiosas e de gênero também são vistas como pilares da formação para a diversidade. É caracterizada a posição do docente como reflexivo e crítico da sociedade, para que a diversidade se torne possível.

Destaca-se, também, a relação do sujeito com o saber, que é definida como a relação que o sujeito estabelece consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Trata-se de um saber “inconsciente”, um saber tácito. A renomada autora faz menção à importância de mesclarmos este saber tácito com o saber explícito, que é aquele convencionado em teorias, para que o aprendizado se torne efetivo.

Neste capítulo, Diniz também menciona suas pesquisas para endossar a importância do diálogo, especialmente sobre assuntos ligados à pluralidade, tais como sexo, preconceito racial e desigualdade. O diálogo é uma troca rica que fomenta a curiosidade, o que faz com que o indivíduo investigue e aprenda mais sobre determinado assunto.

Os impasses vividos pelos professores também são objeto de estudo neste primeiro momento. É discutida a dificuldade que alguns docentes encontram no tocante ao “educar para a diversidade”. Fala-se da complexidade do conceito de identidade docente e da importância da ruptura de alguns conceitos pré-estabelecidos na formação do educador, para posterior abertura às novas possibilidades de educar. Trata-se de reinventar-se cotidianamente.

No segundo capítulo, que versa sobre a inclusão e as mudanças por ela requeridas, discute-se a inclusão como processo de ruptura com os paradigmas obsoletos e a importância da reestruturação das escolas como um todo, com a finalidade de assegurar acesso à educação de qualidade a todos.

De acordo com Diniz, essa reestruturação atua no campo de destaque das políticas públicas nacionais e inclui mudanças nos currículos, nas avaliações, nos registros e nos relatórios de aquisições acadêmicas dos alunos, assim como nas práticas docentes e nos espaços de lazer e recreação, pois acredita-se que somente assim a segregação diminuirá e as minorias étnicas, raciais, linguísticas e necessidades especiais terão acesso aos meios que se fizerem necessários à participação efetiva nas escolas.

Neste capítulo, o conceito de inclusão é exposto e comparado ao conceito de integração, sendo este último definido pela autora como o dever do aluno de se adaptar à escola: “...o(a) aluno(a) deve adaptar-se à escola, e não há necessariamente uma perspectiva de que a escola irá mudar para acolher cada vez mais uma diversidade maior de alunos...” (DINIZ, 2012, p.32). Diferente do supramencionado, na inclusão ocorre justamente o oposto, uma vez que a escola deverá prover meios para que seus alunos sejam efetivamente incluídos e educados no espaço escolar de maneira igual na medida de suas desigualdades e respeitando as peculiaridades de cada um, como sujeito único que é. Trata-se do conceito de igualdade material tão consagrado pela nossa Carta Magna, a Constituição Federal de 1988, e aquiescido pela autora. Assim, a inclusão é definida no segundo capítulo como um princípio o qual todas as crianças devem aprender juntas, não importando quais dificuldades e diferenças elas possam ter.

Assim, é discutida a possibilidade maior de uma trajetória de sucesso escolar estar atrelada ao fato de a criança especial ingressar o mais rápido possível na escola, através da Educação Infantil, expondo fatores relevantes para mudança em diferentes setores da sociedade e cenários, entre os quais estão o âmbito político-educacional econômico, a valorização e formação do professor, o âmbito pedagógico propriamente dito, a mudança da lógica do aluno como objeto para a lógica do aluno como sujeito que traz diferenças, a superação do fracasso escolar, a mudança do sistema seriado aos ciclos de idade de formação, o currículo, a avaliação, a sala de aula e a família.

Diniz também discute, neste capítulo, a importância da teoria de base interacionista para a educação especial inclusiva. Como maior representante desta teoria, Vygotsky defende a interação social como fator chave na relação de aprendizagem e desenvolvimento da criança especial, sendo estes fatores distintos, porém interdependentes, de maneira que o processo de aprendizagem é a base para que o desenvolvimento ocorra.

Por fim, o capítulo versa sobre o atendimento educacional especializado, de acordo com o Art.208 da Constituição Federal e com o MEC/SEESP (2008), e também explicita os conceitos de multidisciplinaridade e de interdisciplinaridade e sua importância para este tipo de atendimento. A multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade, como conceitos correlatos, irão desempenhar o papel de agentes integradores de profissionais da medicina, da assistência social, da psicologia, da educação, da fonoaudiologia, dentre outros, trabalhando juntos na perspectiva de atender e otimizar a relação de ensino-aprendizagem do alunado especial.

Por outro lado, o terceiro capítulo explicita os tipos mais recorrentes de necessidades especiais dentro das salas de aula e de que maneira o docente deverá lidar com isso para que o desenvolvimento desse tipo de aluno não seja prejudicado. Os transtornos ou deficiências podem ser divididos em dois grandes grupos, quais sejam: pessoas com deficiência mental, visual, auditiva, física e com múltiplas deficiências no primeiro grupo, e pessoas com transtornos globais de desenvolvimento (condutas típicas) e altas habilidades (superdotados) no segundo grupo.

A deficiência mental foi definida pela autora e com base na da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (2006), como o desempenho intelectual abaixo da média referente ao seu período de desenvolvimento, associado a limitações em duas ou mais áreas da conduta adaptativa, assim como dificuldades para responder adequadamente às demandas da sociedade. A deficiência mental não deve ser confundida com outros tipos de necessidades especiais, já que, não raro, é associada a quadros de neurose ou autismo, por exemplo. A importância desta distinção reside no fato de que a deficiência mental precisa ser tratada de maneira peculiar, sendo a perspectiva sociointeracionista adequada para esses quadros.

A deficiência visual é a perda, parcial ou total, da visão, em virtude de causas congênitas ou hereditárias. Em virtude de sua dificuldade, o deficiente visual possui uma percepção de mundo diferente dos alunos ditos normais, adaptando-se ao mesmo através de seus outros sentidos, como a audição e o tato, por exemplo. Precisamos destacar a relevância da aprendizagem deste tipo de aluno, com especial atenção à diferença de tratamento entre a criança que nasceu cega e a que perdeu a visão ao longo da vida, uma vez que esta possui memórias visuais. Explicações orais, o uso do sistema Braile e a exploração através do toque são de importância fundamental para que o aprendizado ocorra.

A deficiência auditiva é o comprometimento da capacidade de ouvir, em diversos graus e por diversos motivos, sendo considerada por muitos não como uma deficiência, mas sim como uma condição de vida. Assim, alguns pais optam por ensinar seus filhos a falar e outros preferem que aprendam a Língua Brasileira de Sinais (Libras)[1]. A Libras tem sido defendida como a primeira para a escolarização das pessoas surdas. A autora ressalta a importância da própria criança optar pelo tipo de comunicação que deseja aprender e defende, ao longo do capítulo, sugestões para a convivência com pessoas surdas e apoio ao aluno com deficiência auditiva.

A deficiência física foi considerada como uma alteração completa ou parcial da capacidade de locomoção e comprometimento da função física e motora. São levadas em consideração as adaptações arquitetônicas necessárias à locomoção dos alunos com deficiência física pelo espaço escolar. Diniz destaca a importância da acessibilidade nas escolas, seja por mobiliários, rampas de acesso, bebedouros, banheiros adaptados, quadro de avisos, dentre outros que visem ao acesso e locomoção adequados no âmbito escolar. Trata-se de um ideal que a escola brasileira ainda está muito longe de atingir, mas não podemos desistir de implementar o que for melhor para esses alunos.

A deficiência múltipla é caracterizada como uma união de dois ou mais tipos de transtornos supracitados. Portanto, apesar de parecer redundante, não podemos deixar de enfatizar e repetir que a adaptação do ambiente escolar, a preparação dos docentes e o tratamento peculiar a cada tipo de deficiência como se fosse única é fundamental para uma eficiente educação especial inclusiva. A única observação a acrescer é que devemos mesclar as hipóteses supracitadas, a fim de obter os resultados esperados para uma educação que se pretende inclusiva.

A segunda grande área de estudo das necessidades especiais é a que trata dos transtornos invasivos de desenvolvimento. Essas manifestações comportamentais ocorrem tipicamente com pessoas portadoras de distúrbios neurológicos ou psicológicos, ocasionando comportamentos específicos. Por isso também são chamadas de “condutas típicas”. Na presente obra, foram citados o Transtorno do déficit de atenção, a Hiperatividade, o Autismo, a Psicose, a Síndrome de Asperger, a Síndrome de Rett e as Altas Habilidades.

O Transtorno do Déficit de Atenção e a Hiperatividade caracterizam-se pela falta de atenção e envolvimento em tarefas cotidianas, ocasionando a dificuldade de aprendizado escolar; o Autismo pode ser conceituado como um transtorno de desenvolvimento que se manifesta normalmente até os três anos de idade e caracteriza-se pela ausência de interação social e comunicação com o mundo exterior, comportamento repetitivo e, não raro, algum atraso mental; a Síndrome de Asperger caracteriza-se como o comprometimento da interação social do aluno, sendo mais freqüente em meninos. Vale ressaltar que tal síndrome não se confunde com o Autismo, já que o aluno acometido não possui retardo mental e de linguagem, e podem ocorrer transtornos psicóticos durante a fase adulta de suas vidas; a Síndrome de Rett acomete meninas e tem origem desconhecida, possuindo um desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido da perda total ou parcial das habilidades manuais e da fala; a Psicose caracteriza-se como um distúrbio que causa uma espécie de “desorganização psíquica”, acompanhada de alucinações, tais como ouvir vozes ou ruídos, o que faz com que seu portador esteja constantemente se defendendo de um possível “poder letal”; as Altas Habilidades são, como o próprio nome já diz, o notável desempenho e/ou elevado potencial para a realização de alguma atividade específica, seja acadêmica, de liderança, psicomotora ou pensamento criativo-produtio. Como podemos ver, esta definição é bem abrangente, sendo possível que existam diversos tipos de Altas Habilidades em diversas áreas de conhecimento. Faz-se necessário o diagnóstico precoce e o incentivo direcionado às suas melhores habilidades, através de atividades específicas.

Finalmente a autora conclui, em seu último capítulo, que uma educação que se pretenda inclusiva deve ser repleta de medidas que erradiquem a estigmatização do aluno especial como incapaz de aprender ou indigno de acesso à escola de qualidade, através de novos olhares e de novos paradigmas que façam com que a diferença seja valorizada.

As práticas educativas deverão contemplar a diversidade que constroem, rompendo com os padrões obsoletos de homogeneidade e uniformização, e valorizando o diferente, o peculiar. A educação deverá ser vista além de seu modelo institucional, enfatizando a práxis e a exploração das qualidades de cada sujeito como uno e múltiplo. As deficiências não podem ser tratadas como defeitos, mas sim como condições inerentes àquele aluno. A escola deve se adaptar ao seu aluno, e não o contrário. Devemos fazer da peculiaridade de cada aluno uma riqueza que lhe é própria. As trocas devem ser priorizadas e a consciência da diversidade, explorada.

Foi possível concluir, também, que a inclusão demanda alterações no espaço escolar e na preparação docente, uma vez que a criança especial deverá permanecer no mesmo ambiente que as crianças ditas normais, e a educação para estas crianças não pode ter fins terapêuticos, mas deverá ser plena e igualitária, na medida das desigualdades de cada um. A educação brasileira ainda tem uma grande trajetória de avanços a percorrer, mas, como a própria autora colocou muito bem, o desafio persiste.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm

DINIZ, M. Inclusão de pessoas com deficiência e/ou necessidades específicas: avanços e desafios. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

VYGOTSKY, L.S. A Formação Social da Mente. 2.ed., São Paulo:Martins Fontes, 1988.

 

[1] A língua brasileira de sinais (Libras) é a linguagem gestual mais utilizada pelos surdos no Brasil, e é reconhecida pela lei 10.436, de 24 de abril de 2002.

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