28/06/2017

Novidades no EAD: O Que Muda Com A Publicação do Decreto 9.057?

*Wille Muriel

 

A partir do dia 25 de maio de 2017 o Brasil passa a contar com uma nova regulamentação para a educação a distância. A novidade propõe forte flexibilização das exigências quanto a oferta de cursos EaD e amplia as prerrogativas das instituições públicas vinculadas ao sistema federal de educação para a expansão de cursos nesta modalidade.

O Decreto 9.057 inicia pela conceituação da modalidade de aprendizagem, confirmando os requisitos de qualidade exigidos na sede da IES e nos polos. Nada de novo também quanto à competência do Ministério da Educação nos processos de credenciamento de IES e autorização de cursos vinculados ao sistema federal de ensino.

Educação Básica

Na educação básica a norma confirma o disposto no Art. 9º, § 4º do Art. 32 da Lei n.º 9.394, de 1996. No ensino fundamental a oferta será presencial, sendo o ensino a distância utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais, ou seja, para pessoas que estejam impedidas, por motivo de saúde, de acompanhar o ensino presencial; se encontrem no exterior; vivam em localidades que não possuam rede regular de atendimento escolar presencial; sejam transferidas compulsoriamente para regiões de difícil acesso, incluídas as missões localizadas em regiões de fronteira; ou estejam em situação de privação de liberdade (republicação no Diário Oficial da União em 30 de maio de 2017, Seção I – p. 01 – Fonte legisle.com.br).

Educação Superior

Contudo, o Decreto 9.057 alterou profundamente as bases para a concorrência na educação superior e tudo indica que a EaD vai passar por intensas mudanças nos próximos anos.

As instituições de ensino públicas, federais, estaduais e distritais, contarão com credenciamento automático para a oferta de educação a distância por um prazo de cinco anos a partir do início da oferta do primeiro curso de graduação nesta modalidade. Não é crível pensar num credenciamento automático para EaD em qualquer tipo de instituição. O processo de credenciamento existe também para qualificar a oferta. Aprende-se muito, por exemplo, com o recebimento de comissões de avaliação in loco em que a IES recebe avaliadores do INEP e assimilam contribuições significativas para a melhoria da oferta educacional em EaD. Este processo qualifica também as comissões, pois muitas se deparam com novidades e levam novos conhecimentos para outras instituições, ampliando o compartilhamento de ideias, projetos, tecnologias e metodologias de aprendizagem.

Abrir mão do credenciamento das públicas é, antes de tudo, excluí-las de uma rede de avaliação que gera aprimoramento dos cursos. Isto não será bom para as instituições públicas e nem correto sob o aspecto da transparência do processo regulatório e avaliativo estabelecido pela Lei 10.861 (a lei do SINAES) que, em seu Art. 1°, § 1°, indica como finalidades a melhoria da qualidade da educação superior, a orientação da expansão da sua oferta, o aumento permanente da sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais das instituições de educação superior por meio da valorização de sua missão pública, da promoção dos valores democráticos, do respeito à diferença e à diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade institucional. Sem o credenciamento a instituição pública perde um pilar importante para se qualificar nesta modalidade.

Concorrência

Sob o ponto de vista da concorrência entre públicas e privadas na EaD o credenciamento automático das públicas cria, de um lado, uma vantagem competitiva para as privadas na medida em que exclui as públicas do processo avaliativo e, por outro, prejudica a transparência do sistema concorrencial e o retorno sob os investimentos realizados pela iniciativa privada na medida em que desconsidera regras e prerrogativas estabelecidas pelo próprio Ministério da Educação. Esta instabilidade na convivência entre públicas e privadas na educação brasileira traz prejuízos no médio e longo prazo, pois gera incertezas que inibem investimentos privados.

O credenciamento automático seria um prêmio à postura refratária da gestão das instituições públicas em relação às possibilidades de desenvolvimento da EaD no Brasil ou, simplesmente, uma maneira pouco ortodoxa de manter o primado da competitividade destas instituições, frente a uma oferta privada que avança na EaD e se qualifica cada dia mais, tanto na busca por educação de qualidade quanto em seus modelos de negócio?

Avaliação in loco

Outra flexibilização surgiu nos procedimentos de avaliação in loco, que ocorrerão apenas na sede da instituição, sem a necessidade de verificação dos polos. As atividades presenciais, como por exemplo, as tutorias, avaliações, estágios, práticas profissionais e de laboratório e defesa de trabalhos serão realizadas conforme previsão nos projetos pedagógicos e nos planos de desenvolvimento institucional, havendo possibilidades para a realização em ambientes profissionais, como empresas, hospitais, laboratórios, escolas, indústrias, hotéis, salas, dentre outros. Isto facilita a abertura de novas instituições EaD com propostas para pequenas quantidades de alunos, sobretudo, na oferta de cursos de pós-graduação lato sensu, que poderão ter suas atividades presenciais realizadas em locais distintos da sede ou dos polos de educação a distância (art. 15).

Polos

Outros avanços em prol da flexibilidade são a abertura e extinção de polos de educação a distância sendo uma competência da instituição de ensino credenciada pelo MEC, e a permissão para parcerias entre instituição de ensino credenciada para educação a distância e outras pessoas jurídicas, indicando o Decreto as responsabilidades da IES quanto a prática de atos acadêmicos, corpo docente, tutoria, produção de material didático e expedição de títulos e certificados.

 

Pós-Graduação

Já há alguns anos tenho sugerido para que as instituições de ensino superior fizessem o credenciamento para oferta de pós-graduação lato sensu na modalidade EaD, não só por uma questão estratégica, mas também por uma questão acadêmica, pois os cursos estão se transformando em programas de formação em redes colaborativas de aprendizagem.

Quando entramos para um curso, entramos para uma rede formada por pessoas que recebem e compartilham conteúdos, vivências e saberes. Esta participação será cada vez mais intensa, contínua e virtualizada, da mesma forma que vem ocorrendo com as relações na vida das pessoas.

As Instituições que seguiram o nosso conselho e solicitaram credenciamento para oferta exclusiva de cursos de pós-graduação lato sensu na modalidade a distância se beneficiaram, pois agora poderão também ofertar cursos de graduação, dispensando um novo credenciamento para esta finalidade (art.22). Contudo e, sendo coerente com o que estabeleci para as instituições públicas, não acredito que esta flexibilização possa trazer algum benefício para a qualidade da oferta educacional na graduação EaD. As diferenças entre cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu são notórias e dispensam comentários.

Credenciamento exclusivo para EaD

Para finalizar, ressalto o que talvez seja a maior novidade do Decreto: O credenciamento de instituição de ensino superior exclusivamente para oferta de cursos de graduação e de pós-graduação lato sensu na modalidade a distância. A norma mantém a exigência da oferta de cursos de graduação para o credenciamento como IES EaD para pós-graduação lato sensu, porém, a graduação pode ser oferecida na modalidade a distância, ou seja, pode-se credenciar uma IES para que oferte todos os cursos na modalidade não presencial, exceto curso de pós-graduação stricto sensu.

 

E POR QUE ISSO SERIA ASSIM TÃO RELEVANTE?

Há vinte anos venho trabalhando com empreendimentos educacionais. Alguns com grande aporte de capital para investimento em campus universitário, qualificação docente e infraestrutura física e tecnológica.

Contudo, parte significativa desses empreendimentos é liderada por pequenos investidores. São empreendedores com pouco capital para investir na aquisição de uma instituição, mas que, não raro, desfrutam de grande conhecimento em uma determinada área do saber. Muitos são ou eram professores e pesquisadores em alguma instituição de ensino. Oferecem consultorias, elaboram projetos e ministram cursos de curta duração ou até pós-graduação em parceria com alguma IES certificadora. Porém, é comum perceber que, a despeito da parceria com a IES, são eles quem lideram o projeto desde a sua concepção e fazem todo o trabalho de execução e avaliação da qualidade, cabendo à instituição “parceira” apenas o trabalho de receber os dados e as informações acadêmicas para emitir a certificação. O que normalmente observa-se é uma parceria irreal e conveniente para a IES apenas como uma fonte alternativa de receita.

Estes empreendedores da educação nos procuram para realizar sonhos, explorar mercados emergentes, demandas latentes ou sair de parcerias inadequadas com instituições de ensino. Alguns ficaram ricos, mantendo-se no propósito de construir uma educação de boa qualidade para suas respectivas regiões. Muitos sonhos viraram realidade, alguns superaram as expectativas de forma inimaginável, e outros sonhos se perderam pelo caminho, ficando no papel ou perdendo o propósito e a identidade.

Depois de vinte anos de trabalho com estes empreendedores da educação e observando inúmeras histórias de sucesso e fracasso neste árduo caminho de credenciamento de uma IES junto ao MEC, sinto-me seguro o suficiente para uma eventual hipótese: Um dos maiores desafios para o credenciamento de uma instituição de ensino superior é a falta de recursos para a implantação de uma infraestrutura física. Para montar uma IES é preciso ter salas de aula, instalações apropriadas para a finalidade educacional, estacionamento para professores e alunos, áreas de convivência e recreação, espaços especiais para relaxamento, leitura, estudos ou conversas com os colegas. É preciso ter uma ótima biblioteca, laboratórios, equipados e sistemas informatizados.

Na procura por imóveis para montar a sua Faculdade já vi muitos empreendedores desistirem do projeto porque, simplesmente, não encontraram nada que pudesse ser ao menos adaptado às demandas acadêmicas ou que pudessem atender aos padrões de qualidade exigidos pelo MEC. E vi pior. Muitos empreendedores educadores perderem a identidade a partir de parcerias com instituições com valores distantes dos seus, ou sócios capitalistas que não percebiam a importância de um laboratório bem equipado ou de um serviço de excelência para que o aluno pudesse permanecer.

Mas com o novo Decreto há clara possibilidade para criar um projeto virtual voltado para a aprendizagem, o que implica o desenvolvimento de uma metodologia capaz de envolver o aluno a partir da entrega de conteúdos, no tempo certo, na ordem correta, na quantidade exata para cada caso de aprendizagem. Além da metodologia os investimentos devem ser direcionados para proporcionar uma ótima experiência com a marca, pois isso vai ser cada vez mais valorizado pelo aluno do Século XXI.

Há um sentimento de virtualização das relações, mas isso não é o que vai se consolidar. No futuro, a diferença entre virtual e presencial não será mais sentida.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×