07/06/2016

O ARTISTA

Dênio Mágno da Cunha*

Um dia, ainda criança, minha mãe correu atrás de mim com um chinelo na mão. Corri mais que ela escapando de umas boas chineladas. Merecidas com certeza. Não me lembro por qual motivo e ela não está mais aqui para me lembrar. Eu fizera uma arte qualquer, embora não fosse arteiro. Apanhei outras vezes, mas não por fazer arte. Na maioria das vezes por esquecer a hora do almoço distraído jogando futebol em algum campinho de pelada. Às vezes, sair ficava difícil porque não havia reservas.

Nesta semana conversava com um amigo professor quando vi a oportunidade de fazer uma arte. Claro que não fiz, pensei apenas. Quando contei a ele a arte que eu pensara, ele caiu na gargalhada. Depois fiquei pensando: quão bobo, fazer e pensar em fazer arte nessa altura da vida! Onde já se viu! Para com isso menino!

Por outro lado, valorizei ter herdado do meu pai o espírito arteiro, de enxergar a presença de ações ou tiradas humoradas onde as pessoas veriam normalmente algo comum. Agradeço muito não ter perdido a arte infantil de fazer arte. Na maioria das situações, sou calado, quieto, pensativo, observador. Aprendi, vendo o respeito que as pessoas tinham por ele, que seriedade no fazer as coisas não significa mal humor no fazer as coisas. E brincar não significa não ser sério nos propósitos.

Espero estar sendo claro pois estou pretendendo defender a arte de fazer arte; aquele espírito livre para imaginar situações fora do senso comum, além do jeito comum de ver as coisas.

Bem, observo que em nome da qualidade de desempenho, deixamos de lado o espírito disruptivo da arte (aquela arte infantil), para fazermos só aquilo que nos garante acertadamente os resultados. Isto é, não arriscamos a ver o mundo de forma diferente. Meu mestre, Paulo César, guru do Marketing, sempre provocava ao submeter nossas ideias que pareciam estapafúrdias ao crivo da pergunta “porque não?”. Era a tentativa de derrubar os últimos obstáculos (e medo) que o bom senso nos coloca diante de situações criativas.

Todos nós já fomos crianças e sabemos que jiló não é jiló; que dois chinelos de dedo separados um do outro por um passo grande, não são apenas dois chinelos de dedo separados um do outro por um passo grande. Sabemos também que ficar de quatro atrás de uma pessoa, não é uma posição ridícula: é a preparação da arte de derrubar os colegas no chão. E por ai vai. Nossa mente infantil, destravada de qualquer definição de formato, pode imaginar e projetar no espaço o que quiser; pode virar o mundo de cabeça pra baixo; pode criar, pode fazer arte.

A pergunta é sempre: usamos a arte de fazer arte na escola? Sim, sem dúvida. Nos primeiros anos do ensino básico. Só nesse período. Depois, nos rendemos às exigências dos resultados. A escola murcha e perde vida e então começa a se transformar de um lugar prazerosamente criativo em um lugar obrigatoriamente aborrecido. O caminho inverso da borboleta, não por acaso.

Mas, e as escolas inovadoras? Aquela que sonhamos, onde o prazer é ressuscitado e a criatividade reina junto com o conhecimento? Sei da existência de inúmeros modelos desse tipo de escola. Onde estão esses modelos? Onde é fácil estar.

Sinceramente, é fácil ser inovador quando trabalhamos com as mentes abertas de crianças ou jovens adolescentes, livres que são das barreiras do desempenho. Agora, vá ser disruptivo, inovador, criativo no meio de quem já está a 10, 12, 15 anos estudando/aprendendo pelo modelo onde reina a prova como forma de avaliação. Aí você entenderá o que estou dizendo. Sabe o que você ouvirá? “Você é doido, professor”. Você está fazendo o “basicão” da criatividade e o sujeito já está te chamando de doido. E haverá aqueles que reclamarão da liberdade do pensar. É óbvio que se você consegue vencer essas barreiras... o céu é o limite. Mas haja esforço, haja dedicação, haja poder de convencimento para a “bunda sair da cadeira”.

Mas é possível e também conheço exemplos, muitos exemplos. No entanto, são só exemplos, exceções (lindas exceções) e não regra. A criatividade e a inovação não são regra na escola, é exceção. Infelizmente para nós e para nosso futuro.

Então chega a hora de tirar uma conclusão. A conclusão é a seguinte: seria muito bom se nós, alunos e professores, nos libertássemos de nossas travas mentais. Travas que nos conduzem sempre para um mesmo pensamento, para uma mesma resposta sobre tudo. Trava que é acionada a partir do momento em que alunos e professores entram numa sala de aula. Quadrada em seu desenho, padronizada em suas carteiras monocromáticas.

Trava que nos impede de projetar o pensamento sobre as coisas (e situações) e enxergar algo a mais do que básicas definições ou comportamentos que devem ser repetidos. Somos quadrados, tanto quanto nossas salas de aula – no conceito dos anos 1960. Um quadro branco assim como um par de chinelos separados por um passo grande, não é apenas um quadro branco; a nota de uma prova assim como um jiló, não é apenas a nota de uma prova.

E por favor, se você concorda comigo não repita mais uma vez a solução padrão para essas horas: “precisamos pensar fora da caixa”. Expressão maligna que diz que somos inanimados, pois se eu te pedir que relacione duas mil coisas que vivem dentro de uma caixa, nenhuma delas será uma pessoa ou o pensamento.  Pense sobre isso.

Link para listagem de modelos inovadores de escolas: Hypeness.com.br

Algo similar ao que tentei falar neste texto pode ser encontrado em (vídeo que tenho gravado na minha memória e que já vi inúmeras vezes): Sir Ken Robinson - TED

 

* Professor: MBA Carta Consulta. Una/Unatec. Doutorando Universidade de Sorocaba.

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