10/06/2016

O Caráter Ideológico da Educação Básica e a Proposta Curricular de Santa Catarina

Nilton Bruno Tomelin

O caráter ideológico proposto para a rede pública do Estado de Santa Catarina é expresso no contexto da Proposta Curricular que norteia cada fazer da escola pública catarinense. E não poderia ser diferente. Afinal de forma sucinta pode-se dizer que a ideologia é um instrumento indispensável à definição de estratégias no momento de se materializar escolhas. Numa proposta que deseja apontar um currículo, necessariamente há de estabelecer a que propósitos este currículo deve atender. Logo na fase inicial o documento estabelece claramente estes propósitos:

O processo de atualização da Proposta Curricular orienta-se por três fios condutores que se colocam como desafios no campo educacional: 1) perspectiva de formação integral, referenciada numa concepção multidimensional de sujeito; 2) concepção de percurso formativo visando superar o etapismo escolar e a razão fragmentária que ainda predomina na organização curricular e 3) atenção à concepção de diversidade no reconhecimento das diferentes configurações identitárias e das novas modalidades da educação. (SANTA CATARINA, 2014, p. 20)

Estes três fios condutores são fruto de escolhas e como tal determinam o caminhar da educação básica na rede pública estadual de Santa Catarina. Ao dissecar os termos percebe-se que estes estão imbuídos de significações, que exigem novas escolhas. Novamente um processo político (não partidário, mas ideológico) que efetivamente estabelece novas definições que culminarão com um caminho (não padrão) de formação escolar.

Pode-se assim afirmar que não há nada mais ideológico do que negar a ideologia. Afinal este é também um caminho possível e tal processo se dá na perspectiva de que o ensino deve apenas operar no campo mecânico/bancário do repasse. Esta é uma opção alinhada a concepções utilitaristas e tecnicistas de ensino, muito conhecidas em nossa história recente.

Para não haver conflitos acerca deste contrassenso batizou-se o movimento ideológico utilitário/tecnicista de movimento Escola Sem Partido (ESP). Esta é uma armadilha que apela ao senso comum, pois não resistiria a um debate minimamente argumentativo. Primeiramente é elementar que uma escola pública não haverá de ter partido.

A ausência de ideologias oculta outros propósitos como despolitizar a educação com o intuito de desvinculá-la do contexto social e cultural em que está inserida. No que tange a aspectos da formação integral a Proposta Curricular de Santa Catarina afirma que “como concepção de formação e como projeto educacional, ela forma parte da histórica luta pela emancipação humana” (SANTA CATARINA, 2014, p. 25).

Por emancipação entende-se que se quer inserir no campo atitudinal de crianças e adolescentes, a capacidade de analisar e formar opinião de maneira autônoma. Emancipar tem a ver com liberdade e não apenas de tornar independente. Liberdade relaciona-se diretamente com a responsabilidade de fazer o que é imprescindível a uma vida digna e cidadã. Dignidade e cidadania que tem for relação com a criticidade e com a capacidade de conviver com o diferente.

Portanto, o que o movimento ESP tem por alvo é o pensamento crítico que permite compreender que o tempo os sujeitos presentes são únicos, e que estes devem expressar sua contribuição histórica. Neste aspecto a Proposta Curricular aborda a necessidade de considerar o percurso formativo, como um dos pilares para uma formação básica de qualidade. Assim, “compreender o percurso formativo como um continuum que se dá ao longo da vida escolar, tanto quanto ao longo de toda a vida, significa considerar a singularidade dos tempos e dos modos de aprender dos diferentes sujeitos”. (SANTA CATARINA, 2014, p. 31).

Outro alvo e a experiência da pluralidade, que depõe claramente contra padronizações ou currículos estanques e imóveis. Como a mobilidade curricular e a ruptura com padronizações requer uma leitura clara da diversidade inerente ao existir humano, não há como fazê-lo sem propósitos (ideologias) definidos. Considerando a educação como um direito de todos, a Proposta Curricular de Santa Catarina doutrina que

A concepção da Educação Básica como direito vem acompanhada de duas outras dimensões, imprescindíveis para sua realização: a ideia de uma educação comum e a ideia do respeito à diferença. O conceito de comum se associa à noção de universal, coadunando com a perspectiva dos aprendizados de saberes válidos para toda e qualquer pessoa, na esteira da noção de patrimônio cultural que merece ser partilhado. Articulado a isso, a noção de diferença também foi incorporada. Nessa direção, ao longo das últimas duas décadas, no Brasil, políticas públicas em educação vêm sendo firmadas com o intuito de reduzir as desigualdades no percurso educacional entre todos os segmentos sociais. (SANTA CATARINA, 2014, p. 53).

Portanto igualdade e diversidade de associam harmonicamente, considerando que todos devem ter garantidas as mesmas oportunidades para fazer de si, sujeitos únicos. Trata-se de uma educação capaz de produzir biografias únicas num contexto de universalidade de direitos (e oportunidades). A sonegação destes aspectos não significa um ensino sem ideologias, mas alicerçado na concepção exclusiva.

Paulo Freire consolidou este pensamento ao cristalizar a ideia de que o estudante precisa aprender a ler o mundo, para que ao compreende-lo possa se emancipar, ou seja estabelecer críticas que o possam libertar de amarras históricas. Afirma que

É nesse sentido que reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas [...] Daí a crítica permanente presente em mim à malvadeza neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexível ao sonho e à utopia (FREIRE, 1996, p. 15).

A libertação e a crítica alimentam-se da utopia para projetar-se, afinal a utopia é um impossível que desafia o possível. A conformação é senão a consolidação de uma educação que abraça a fatalidade como neutralidade, quando em essência corresponde a uma cruel ideologia de dominação, opressão e usurpação de direitos e oportunidades.

A aprendizagem, segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina não pode ser reduzida a um processo de transmissão de conteúdos de caráter técnico e bancário. Ao contrário, há que ser essencialmente um diálogo em que cada sujeito possa conhecer-se e ao seu tempo e contexto histórico. Neste tempo e contexto é imprescindível que experimente, respeite e celebre as diferenças, como símbolo do que há de mais belo.

Assim torna-se visível que não há escola sem ideologia. O que existem são opções ideológicas que transitam entre a inclusão e a exclusão. A Proposta Curricular de Santa Catarina é essencialmente um instrumento de inclusão, sendo por isso impraticável numa eventual escola sem ideologias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15ª edição. São Paulo, SP: Paz e Terra. 1996. (Coleção Leitura)

SANTA CATARINA. Governo do Estado. Secretaria de Estado da Educação. Proposta curricular de Santa Catarina: formação integral na educação básica.  2014.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×