O descredenciamento da Universidade Gama Filho e o risco regulatório na Educação Superior
O descredenciamento da Universidade Gama Filho e o risco regulatório na Educação Superior
No dia 13 de janeiro de 2014 a Secretaria de regulação e supervisão do MEC expediu um despacho descredenciando a Universidade Gama Filho e um centro universitário mantidos pelo grupo Galileo Educacional. Nesse mesmo dia, divulgou dois outros despachos para regulamentar a transferência assistida dos alunos dessas instituições. Esta medida fez parte de um procedimento de supervisão que resultou em grande exposição midiática das partes envolvidas, alunos e professores, inclusive.
Na bolsa de valores esta situação foi vista como uma oportunidade, o que fez subir as ações de um grupo educacional que poderia receber os quase 10 mil alunos das instituições que estão sendo descredenciadas. Esse sentimento de euforia dos investidores foi reflexo de uma percepção generalizada de segurança e confiança no Ministério da Educação.
Esta sensação não está incorreta, pois o mantenedor parece realmente ter cometido erros graves. Os problemas trabalhistas, que até onde se sabe foram um importante motivo para o descredenciamento, são uma falha de gestão ou, no mínimo, indicam que não foi feita uma boa auditoria antes da aquisição. Esse tipo de problema, além de configurar ilegalidade, atrai reprovação moral. Por outro lado, o MEC alega que as Instituições não cumpriram os compromissos assumidos. Esse também é um argumento de peso, que leva as pessoas a julgar a mantenedora e a referendar a postura do Ministério.
Contudo, essa atitude do Poder Público não está juridicamente correta. Isso porque o MEC deveria ter aguardado o julgamento do recurso ao Conselho Nacional de Educação – CNE para só então cogitar transferência de alunos. Não o fazendo, atenta contra o direito ao exercício da ampla defesa, que é garantia Constitucional. Além disso, com relação ao fundamento também pode haver um erro, pois a questão das verbas docentes deveria ser analisada pela Justiça ou Ministério Público do Trabalho, não pelo órgão regulador da educação. Sobre este último tema, o CNE já se manifestou em parecer
homologado pelo Ministro da Educação (nº 146/2009) deixando claro que, por não existirem regras educacionais a respeito, o tema da forma de contratação de professores estava fora de sua competência.
Entretanto, o ritmo e o procedimento usado para impor as penalidades criam um risco, uma grande insegurança jurídica, que não vem sendo considerada pela maioria dos observadores do mercado educacional.
Talvez em virtude da forma como os problemas foram divulgados, ninguém achou estranho que uma instituição tradicional deixaria de existir por um fato que para outras IES sequer é motivo de supervisão do MEC. Nas Instituições Federais, por exemplo, greves de professores que duram meses são tratadas como fatos aceitáveis e não prejudiciais à qualidade de ensino. Também passou desapercebido que as entidades de classe tenham ficado em silêncio, deixando de defender o direito ao recurso que um dia pode ser negado a seus associados.
Por isso, o descredenciamento das IES parece uma reação natural de um órgão regulador a uma falha de mercado e até mesmo uma oportunidade para as Instituições que não foram atingidas, que absorveriam cerca de 10.000 alunos. Isso justifica a euforia da bolsa. O mercado reage como se o ato do MEC fosse uma medida corriqueira, aplicada contra uma "maçã podre". Ao que parece, o mercado aceita a equivocada premissa de que a regulação estatal está gerando efeitos naturais.
Refletindo esta falta de percepção, concorrentes já expediram nota expondo sua disponibilidade para receber os alunos, sem pensar na possibilidade da situação ser modificada no Judiciário, como ocorreu, por exemplo, no caso da Fundação Universidade de Tocantins - UNITINS. No ano de 2010, depois do MEC publicar um edital de transferência dos quase 1800 polos EAD da UNITINS, o Poder Judiciário interveio e suspendeu o processo. Assim, aparentemente o mercado está desconsiderando o fato de que existe um grande risco regulatório criado por ações governamentais de legalidade duvidosa, o que gera insegurança jurídica, pois pode ser revisto pelo judiciário como no caso citado.
Somado a isso, é preciso notar que o ato de descredenciamento foi tratado pela representante da União Nacional dos Estudantes – UNE como uma consequência da "visão mercadológica da educação". Este viés, contra os novos grupos educacionais – especialmente aqueles que têm ação na bolsa – também foi visto em palestras recentes do Secretário de Regulação e Supervisão do MEC, nas quais há um discurso sobre instrumentos de avaliação para fazer frente à "empresarialização" do ensino superior. Nessas circunstâncias, gera insegurança jurídica o fato de que o descredenciamento promovido pelo MEC contra a Galileo, que deveria ser um ato técnico, possa ser visto e tratado como uma vitória contra o novo mercado educacional.
Noutro sentido, é necessário lembrar que algumas das Instituições que vem sendo adquiridas por grupos educacionais realmente carregam problemas graves, como o das Instituições cariocas descredenciadas, e que mesmo os melhores projetos de gestão dos novos grupos educacionais tem foco na redução e corte de custos relativos a recursos humanos. Tais fatos criam um ambiente propício a problemas similares ao do Grupo Galileo e, diante da postura do MEC, há mais espaço para insegurança jurídica.
Se as questões tratadas neste artigo forem consideradas, possivelmente poucos grupos educacionais seriam potenciais ganhadores em uma situação em que o MEC se mostra arbitrário em face de condutas que julga ser exacerbadamente empresariais. A regulação parece ter um viés e o mercado deve estar atento a isso.
Bons grupos, com menos vontade de cortar custos na área de recursos humanos e mais critério nas aquisições, devem prosperar. Grupos educacionais muito focados em custos e crescimento rápido podem ter dificuldade a médio ou longo prazo.
E à margem do esforço dos grupos educacionais, os bons investidores devem ficar atentos aos atos do MEC. Saber interpretá-los em seu contexto mais amplo, como uma peculiar regulação de um mercado não menos peculiar. Em suma, perceber que o risco regulatório pode ser indicado por atos que parecem corriqueiros e moralmente aceitáveis, mas ferem a ordem jurídica.
(1) Doutor e mestre em direito, professor da PUC-MG e sócio-fundador do escritório de advocacia Edgar Jacobs Advogados Associados, especializado em direito educacional.
(2) Doutor e mestre em direito, professor da PUC-MG e sócio do escritório de advocacia Edgar Jacobs Advogados Associados, especializado em direito educacional